
O Jornal de Angola voltou a atacar a Justiça portuguesa num
artigo de opinião do director do diário a propósito da condenação de
Maria Eugénia Neto, viúva do primeiro Presidente de Angola, Agostinho
Neto, pelo crime de difamação da historiadora Dalila Cabrita Mateus.



Pobre justiça portuguesa
JoséRibeiro
21 de Abril, 2013
Maria Eugénia Neto
enfrentou com coragem o regime fascista e colonialista de Lisboa. Até à sua
fuga para Marrocos, na companhia do seu bebé, do marido,
Agostinho Neto, e de
Luís Cabral, que veio a ser Presidente da Guiné-Bissau, nunca a polícia
política portuguesa conseguiu levá-la aos Tribunais Plenários. E quando levaram
o seu marido, ela teve um comportamento digno e corajoso. Quem viu conta que
chegou a ser comovente.


Foi esta grande mulher que acompanhou
e deu a sua vida à luta de libertação dos povos das ex-colónias portuguesas,
desde os seus primórdios até ao triunfo final, sempre na companhia de Neto, o
Presidente Poeta, o fundador da Nação Angolana, aquele por quem se esperou e
aquele que nunca desistiu, apesar de muitos não o compreenderem e lhe
exigirem uma vida acrescida de sacrifícios.
Na História de Portugal não há
nenhuma mulher com a dimensão de Maria Eugénia Neto. Por isso muitos a odeiam.
Mas Maria Eugénia Neto tem um amor e um carinho especial pelo povo português. Mostrou
isso sempre e muito especialmente em 1978, quando os Presidentes Ramalho Eanes
e Agostinho Neto decidiram, em Bissau, dar livre curso à História e reatar as
relações que outros dirigentes portugueses cortaram, envenenaram ou
simplesmente desprezaram. Houve um momento em que a cimeira podia ter dado em
fracasso. Mas Maria Eugénia Neto, discretamente, fez tudo para que ela fosse um
sucesso. Naquele momento, ela foi a melhor embaixadora que Portugal podia ter
nas suas relações com o mundo que fala em Português.
As elites portuguesas actuais
não são capazes de compreender a dimensão de uma mulher que lutou ao lado de
Agostinho Neto, o jovem angolano que saiu de Icolo e Bengo para estudar
medicina em Coimbra, o homem que combateu Salazar e lutou pela liberdade em
Portugal, que fez desmoronar o colonialismo português e ajudou a varrer da
África Austral o apartheid. No Portugal de hoje, poucos têm estatuto, sabedoria
e humildade para compreender que Agostinho Neto, Maria Eugénia e o MPLA
marcaram de forma peculiar a História portuguesa do século XX. E esses poucos
andam escondidos ou preocupados com a crise. Isso explica, talvez, a
desorientação que atravessa os jovens portugueses. Muitos deles me perguntam
porque razões apenas os angolanos são julgados e condenados em Portugal.
Maria Eugénia Neto é a grande
mulher que simboliza a relação profunda entre Angola e Portugal. Sem ela, essa
relação histórica é uma mentira. Pois bem, os fascistas nunca conseguiram
levá-la aos Tribunais Plenários porque ela se escapou por entre as suas garras.
Mas no Portugal de hoje, dominado pela crise financeira, por elites corruptas e
pela perda de valores de toda a natureza, ela foi julgada no Tribunal Criminal
de Lisboa e condenada! Uma obscura juíza salvou, finalmente, a pátria de
Camões!
Como tudo aconteceu? Nos órgãos
judiciais portugueses há gente que se move pela vontade de vingança em relação
a Angola. Gente de má consciência produziu um livro sobre os acontecimentos
de 27 de Maio de 1977 que é um insulto à memória de Neto. A
viúva, Maria Eugenia Neto, reagiu à agressão e considerou a autora do
aborto histórico e literário, mentirosa e desonesta. Eu, que acompanhei de
perto todos aqueles acontecimentos, li o livro e achei que a resposta de Maria
Eugénia Neto foi comedida e delicada face a um livro que está cheio de mentiras
deliberadas, manipulações grosseiras, omissões graves e deturpações
fraudulentas. Para atingir o objectivo pretendido, os autores recorrem a tantas
armadilhas “metodológicas” que se torna difícil aceitar o livro como sendo
escrito por uma historiadora. No fundo, a obra é um tributo notável à
desonestidade intelectual, à aldrabice, ao ressentimento, ao ódio contra Angola
e à lavagem histórica de figuras, como Monstro Imortal, Nito Alves, Cita Vales
e Zé Van-Dúnem, responsáveis pela desgraça que bateu à porta de muitas famílias
angolanas e portuguesas. A juíza disse, na sentença, que na audiência não se
julgou o livro nem os factos históricos ali tratados com desonestidade e mentira.
Então, o que se julgou?
Eu não comento a decisão judicial nem os factos
históricos. Apenas trato do assunto numa perspectiva jornalística. No livro foi
usada a mentira e a desonestidade para levar o leitor a concluir que
Agostinho Neto “foi pior do que Pinochet”. Isto é insulto grosseiro, agressão violenta
à memória de Neto. Eu sei – porque vivi os acontecimentos, não estava a
dar aulas numa escola do ensino básico em Portugal – que Neto foi alvo de um
golpe traiçoeiro, engendrado por um grupo movido pela ambição, que desejava a
tomada do poder pela força “revolucionária” e que esse grupo recorreu à prática
de assassinatos. Estes são os factos. A culpa foi exclusivamente dos golpistas,
que antes do golpe já exigiam a Neto uma “purga” dentro do MPLA. Quem é sério e
honesto sabe que uma historiadora não se pode limitar a ouvir os irmãos dos
golpistas, os amigos, os ressentidos e os portugueses que, por culpa de
Monstro Imortal, Nito Alves, Cita Vales e Zé Van-Dúnem tiveram de
abandonar Angola. Algumas dessas pessoas estiveram envolvidas no julgamento a
Maria Eugénia Neto, sendo parte interessada. O livro
“Purga em Angola”, sendo
de uma parcialidade total e insultuosa, suscitou a reacção proporcional e contida
de Maria Eugénia Neto. Maria Eugénia Neto foi, portanto, julgada por responder
ao insulto, mas foi considerada culpada de um crime que não cometeu. Lembro
que, há dias, o Ministério Público de Lisboa mandou arquivar uma queixa
apresentada por generais angolanos contra um “activista” que os acusou de assassinos
e torturadores. O magistrado que apreciou a queixa mandou arquivá-la, porque o
autor de tão graves acusações apenas fez uso da “liberdade de expressão”. O
mesmo serviço que assim decidiu, recusou agora a Maria Eugénia Neto o mesmo
direito. Dois pesos, duas medidas.

Finalmente, um Tribunal português conseguiu julgar
Agostinho Neto e os seus camaradas, na pessoa de Maria Eugénia Neto. Pobre
justiça portuguesa!
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