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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O que mudou na Casa Pia oito anos após o escândalo


O que mudou na Casa Pia oito anos após o escândalo

Por Cláudia Ferreira


Depois do impacto das notícias e do sentimento negativo vieram as mudanças e hoje já quase nem se pensa no caso de pedofilia. Quem vestia a camisola continua a vesti-la.
Foi em Novembro de 2002 que se falou pela primeira vez do caso Casa Pia. O processo converteu-se num dos mais mediáticos de sempre em Portugal e com um impacto profundo, tanto em quem fazia da instituição o seu dia-a-dia como na sociedade em geral. O tempo passou e a Casa Pia de Lisboa sofreu mudanças, tornando-se "outra" e um sítio "mais bem preparado", como afirma a antiga presidente da instituição, Joaquina Madeira.

A reestruturação, que passou por múltiplos aspectos, desde a redução do número de alunos internos, à formação de educadores, ou até à aposta em diferentes métodos pedagógicos, deu um novo fôlego à casa. Hoje, os alunos olham para tudo o que se passou de forma distante, o sentimento negativo foi passando e já quase não se pensa no caso que há oito anos encheu as capas dos jornais.

A instituição alterou, corrigiu, mas o espírito parece nunca ter mudado. "As pessoas que vestiam a camisola da Casa Pia de Lisboa continuam a vesti-la, e é isso que importa", sintetiza um dos alunos. Cristina Fanqueiro, nova directora, tem nas suas mãos "uma casa nova", um projecto que está a ser "consolidado", mas que mantém os ideais de sempre. A sua antecessora, Maria Joaquina Madeira, explicou ao PÚBLICO os principais pontos das mudanças introduzidas na instituição desde que foi conhecido o caso de pedofilia.

Desmassificação - equipas mais curtas e disponíveis

A instituição decidiu que não teria tantos jovens nos seus equipamentos para ter equipas mais disponíveis e mais preparadas para os acompanhar. Hoje há três crianças por educador e estão, por isso, criadas as melhores condições para existir uma relação de proximidade. Foi uma decisão política relativamente ao modelo da casa. Acabamos por ter menos capacidade de resposta, mas a que temos é muito qualificada. Em quatro anos e meio, integramos na comunidade, em situação de autonomia ou em situação familiar, cerca de 400 jovens.

Menos tempo de acolhimento

Antes as crianças chegavam à instituição e ficavam 10 ou 12 anos. Hoje, quando a criança chega (seja através do tribunal ou da comissão), a preocupação é, desde logo, preparar a sua saída. Quando cheguei, em 2006, a média de tempo de internamento era oito anos, hoje estamos em cinco e queremos reduzir para metade.

Criação de unidades residenciais de tipo familiar

Existiam alguns lares com cerca de 30 crianças e apenas três monitores. A prioridade era inseri-los na comunidade e, neste momento, estão todos integrados. Existe uma média de 12 crianças por lar, e cada sede tem quatro educadores. Este rácio de três crianças por profissional (mais um auxiliar durante as noites, um psicólogo e um assistente social) permite um acompanhamento individual que antes não era possível.

Formação específica para os educadores

Todos os profissionais têm tido, ao longo do tempo, formação para a função que desempenham. Houve qualificação das equipas e reorganização das mesmas. Ao mesmo tempo tem sido realizado um trabalho com os funcionários, no sentido de os ouvir, incentivando a sua participação, para que a autopunição que sentiram, durante anos, seja completamente superada.

Mais apartamentos de autonomização

A ideia tem como objectivo criar um período de adaptação para que os jovens não sejam "largados" na comunidade sem qualquer tipo de preparação. Os seis apartamentos são destinados a jovens a partir dos 15 anos e esta é uma forma destes rapazes e raparigas fazerem um treino de competências para a sua autonomia. São 22 os jovens que, neste momento, usufruem deste equipamento.

Sistema de informação e orientação profissional
Entendemos que o sucesso para a vida profissional dos jovens depende de uma escolha acertada do que querem fazer para a vida. Com o intuito de os ajudar, a Casa Pia de Lisboa criou um modelo de informação e orientação profissional, que começa no pré-escolar e os acompanha até à sua escolha profissional. Quanto mais informação e orientação tiverem mais fácil será o seu percurso escolar.Projecto Integrado de Prevenção do Abuso Sexual

Para uma mudança acontecer tem de existir uma acção junto das crianças, dos agentes e da instituição em si. Nesta questão, da protecção das crianças, não há melhor resguardo do que a autoprotecção, e portanto era essencial trabalhar o tema com as crianças. Com este projecto são usados modelos pedagógicos para eles terem a percepção do que podem e devem fazer naquelas situações.

Controlo de procedimentos e de resultados

A organização e o seu funcionamento ficam assim em condições de ser avaliados. Foram criadas baterias de apreciação para que seja possível um controlo de procedimentos e resultados tanto ao nível da intervenção social, educativa e formativa, como na área da gestão. Pensamos que em finais de 2011-2012 será possível ter um processo de qualidade para toda a instituição. Estamos neste momento a trabalhar 33 processos de qualidade em toda a casa. Isto significa a garantia de controlo e de avaliação constante da instituição.

Alargamento da rede de pré-escolar

A maior parte dos nossos jovens, à volta de 3000, está na instituição desde o pré-escolar. Começamos o trabalho o mais cedo possível, porque desta forma é mais fácil trabalhar e envolver a família. Estamos a falar de públicos com problemas de ordem social e económica e, por isso, é importante começar mais cedo, aos dois/três anos. Para responder a esta necessidade alargámos a nossa rede de pré-escolar. Neste momento temos à volta de 350 crianças nos diversos estabelecimentos.

Novas formas de aprendizagem

Estamos à procura de novas formas de aprendizagem. Queremos chegar às crianças e esta é a melhor forma de o conseguir. Este ano criámos, por exemplo, oito turmas com um projecto inovador e integrado, que se denomina ensino cooperativo. É uma forma de as crianças se tornarem agentes activos do seu próprio ensino.

Joaquina Madeira: "Não pode voltar a acontecer algo de semelhante"

Sou capaz de assegurar que a Casa Pia é das instituições mais bem preparadas para lidar com este tipo de temas", diz Joaquina Madeira, antiga presidente da direcção da Casa Pia de Lisboa, garantindo que as medidas adoptadas nos últimos anos representam avanços e permitem uma capacidade superior de prevenção e resposta. "Depois daquela crise, que nos atingiu de uma forma tão traumática, tivemos de nos organizar. Não pode voltar a acontecer algo semelhante."

A redução do número de crianças jovens na instituição, actualmente cerca de 210 alunos internos (face aos 654 de 2002), a formação dos educadores e os novos projectos permitem um "maior acompanhamento aos estudantes".

"Quando me perguntam: então mas não há abusos na Casa Pia? O que eu digo é que trabalhei para não haver!", garante a antiga presidente da instituição, frisando o trabalho realizado nos últimos anos, assim como os resultados do mesmo. Neste momento existe uma "maior preparação para a prevenção, controlo e, se necessário, intervenção", sublinha.

A acção continuará a seguir o trilho traçado, uma vez que se trata de um projecto continuado. "Foi definido um novo modelo, estão-se a organizar e realizar processos de qualidade e será preciso mais um ou dois anos para se consolidar", presume.

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