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Eu Fernando Farinha Simões,
decidi finalmente, em 2011, contar toda a verdade sobre Camarate. No passado
nunca contei toda a operação de Camarate, pois estando a correr o processo
judicial, poderia ser preso e condenado. Também porque durante 25 anos não
podia falar, por estar obrigado por parte da CIA, mas esta situação mudou
agora, ao que acresce o facto da CIA, me ter abandonado completamente desde
1989. Finalmente decidi falar por obrigação de consciência.
1.Fiz o meu primeiro depoimento
sobre Camarate, na Comissão de Inquérito parlamentar, em 1995. Mais tarde
prestei alguns depoimentos em que fui acrescentando factos e informações.
Cheguei a prestar declarações para um programa da SIC, organizado por Emílio
Rangel, que não chegou contudo a ir para o ar. Em todas essas declarações
públicas contei factos sobre o atentado de Camarate, que nunca foram
desmentidos, apesar dos nomes que citei e da gravidade dos factos que referi.
Em todos esses relatos, eu desmenti a tese oficial de acidente, defendida pela
Polícia Judiciária e pela Procuradoria-Geral da República.
2.Nunca tive dúvidas
de que as Comissões de Inquérito Parlamentares estavam no caminho certo, pois
Camarate foi um atentado. Devo também dizer que tendo eu falado de factos sobre
Camarate tão graves, e do envolvimento de certas pessoas nesses factos, sempre
me surpreendeu que essas pessoas tenham preferido o silêncio. Então neste caso
o Tenente Coronel Lencastre Bernardo ou o Major Canto e Castro. Se se sentissem
ofendidos pelas minhas declarações, teria sido lógicos que tivessem reagido.
Quanto a mim, este seu silêncio só pode significar que, tendo noção do que
fizeram, consideram que quanto menos se falar neste assunto melhor.
3. Nessas declarações que fiz,
desde 1995, fui relatando, sucessivamente, apenas parte dos factos ocorridos,
sem nunca ter feito a narração completa dos acontecimentos. Estávamos ainda
relativamente próximos dos acontecimentos, e não quis portanto revelar todos os
pormenores, nem todas as pessoas envolvidas nesta operação. Contudo, após terem
passado mais de 30 anos sobre os factos ocorridos, entendi que todos os
portugueses tinham o direito de conhecer o que verdadeiramente sucedeu em
Camarate. Não quero contudo deixar de referir, que estou hoje profundamente
arrependido de ter participado nesta operação, não apenas pelas pessoas que aí
morreram, e cuja a qualidade humana só mais tarde tive ocasião de conhecer,
como o prejuízo que constituiu, para o futuro do País, o desaparecimento dessas
pessoas. Nesta altura contudo, Camarate era apenas mais uma operação em que
participava, pelo que não medi as consequências. Peço por isso desculpa aos
Familiares das vítimas, e aos portugueses em geral, pelas consequências da
operação em que participei.
Gostaria assim de voltar atrás no
tempo, para explicar como acabei por me envolver nesta operação. Em 1974
conheci na Afica do Sul, a agente dupla alemã, Uta Gerveck, que trabalhava para
a BND – Serviços de Inteligência Alemães Ocidentais, e ao mesmo tempo para a
Stassi. A cobertura legal de Uta Gerveck é feita através do Conselho Mundial
das Igrejas (uma espécie de ONG), e é através dessa fachada que viaja praticamente
pelo mundo todo, trabalhando ao mesmo tempo para a BND e para a Stassi.
4. Fez um livro em alemão que me
dedicou, e que ainda tenho, sobre a luta de libertação do PAIGC na Guiné
Bissau. O meu trabalho para a Stassi veio contudo a verificar-se
posteriormente, quando já estava a trabalhar para a CIA. A minha infiltração na
Stassi dá-se por convite de Uta Gerveck, em 1976, com a concordância da CIA,
pois isso interessava-lhes muito.
Uta Gerveck apresenta-me, em
1978, em Berlim Leste a Marcus Wolf, então director da Stassi. Fui para este
efeito então clandestinamente a Berlim Leste, com um passaporte espanhol, que
me foi fornecido por Uta Gerveck. O meu trabalho de infiltração na Stassi
consistiu na elaboração de relatórios pormenorizados acerca das “toupeiras”
infiltradas na Alemanha Ocidental pela Stassi, que actuavam nomeadamente junto
a Helmut Khol, Hulmut Shmidt e de Hans Jurgen Wischewski. Hans Jurgen
Wischewski era o responsável pelas relações e contactos entre a Alemanha Ocidental
e de Leste, sendo presidente da Associação Alemã de Cooperação e
Desenvolvimento (ajuda ao terceiro mundo), e também ia às reuniões do Grupo
Bilderberg. Viabilizou também muitas operações clandestinas, nos anos 70 e 80,
de ajuda a grupos de libertação, a partir de da Alemanha Ocidental. Estive
também na Academia da Stassi, várias vezes em Postdan – Eiche.
Relativamente ao relato dos
factos, gostaria de começar por referir que tenho contactos, desde 1970, em
Angola, com um agente da CIA, que é o jornalista e apresentador Paulo Cardoso (já
falecido). Conheci Paulo Cardoso em Angola, com quem trabalhei na TVA –
Televisão de Angola na altura.
5. Em 1975, formei em Portugal,
os CODECO com José Esteves, Vasco Montez, Carlos Miranda e Jorge Gago (já
falecido). Esta organização pretendia defender, em Portugal, se necessário por
via da guerrilha, os valores do mundo Ocidental => Ver operação Gladio!
Através de Pulo Cardoso, sou
apresentado, em 1975, no Hotel Sheraton, em Lisboa, a um agente da CIA, antena,
(recolha de informações), chamado Philip Snell. Falei então, durante algum
tempo, com Philip Snell. O Paulo Cardoso estava então a viver no Hotel
Sheraton. Passados poucos dias, Philip Snell diz-me para levantar
gratuitamente, um bilhete de avião, de Lisboa para Londres, a uma agência de
viagens na Av. De Ceuta, que trabalhava para a embaixada dos EUA. Fui então a
uma reunião em Londres, onde encontrei um amigo antigo, Gary Van Dyk, da Afica
do Sul, que colaborava com a CIA.
Fui então entrevistado pelo chefe
de estação da CIA para a Europa que se chamava Jonh Logan. Gary Van Dyk defendeu
nessa reunião, a minha entrada para a CIA, dizendo que me conhecia bem de
Angola, e que eu trabalhava com eficiência. Comecei então a trabalhar para a
CIA, tendo também para esse efeito pesado o facto de ter anteriormente
colaborado com a NISS – National Intelligence Security Service (Agência Sul
Africana de Informações). Gary Van Dyk era a antena, em Londres, do DONS-
Department Operational of National Security (Sul Africana).
Regressado a Lisboa, trabalhei
para a embaixada dos EUA, em Lisboa, entre 1975 e 1988, a tempo inteiro. Entre
1976 e 1977, durante cerca de um ano e meio, vivi numa suite no Hotel Sheraton
em Lisboa, o que pode ser comprovado, tudo pago pela embaixada dos EUA.
Conduzia então um carro com matrícula diplomática, um Ford, que estacionava na
garagem do Hotel. Nesta suite viveu também a minha mulher Elza, já grávida da
minha filha Eliana.
6. O meu trabalho incluía recolha
de informações e contra informações, informações sobre o tráfico de armas, de
operações de combate ao tráfico de armas, de operações de combate ao tráfico de
droga, informações sobre terrorismo, recrutamento de informadores, etc. Estas
actividades incluem contactos com serviços secretos de outros países, como a
Stassi, a Mossad, e a “Boss” (Sul Africana), depois NISS, depois DONS e
actualmente SASS. Era pago em Portugal, recebendo cerca de USD 5.000 por mês.
Nestas actividades facilita o facto de eu falar 6 línguas. Actuei utilizando
vários nomes diferentes, com passaportes fornecidos pela embaixada dos EUA em
Lisboa. Facilita também o facto de falar um dialecto Angolano o Kimbundo.
A embaixada dos EUA tinha também
uma casa de recuo na Quinta da Marinha que me estava entregue, e onde ficavam
frequentemente agentes e militares americanos, que passavam por Portugal. Era a
vivenda “Alpendrada”.
A partir de 1975, como referi,
passei a trabalhar directamente para a CIA. Contudo, a partir de 1978, passei a
trabalhar como agente encoberto, no chamado “ Office of Special Operations”, a
que se chamava serviços clandestinos, e que visavam observar um alvo, incluindo
perseguir, conhecer e eliminar esse alvo, em qualquer pais do mundo, excepto
nos EUA. Por pertencermos a este Office, éramos obrigados a assinar uma cláusula
que se chamava “Plausible denial”, que significa que se fossemos apanhados
nestas operações com documentos de identificação falsos, a situação seria por
nossa conta e risco, e a CIA nada teria a ver com essa situação. Nessa
circunstância, tínhamos o discurso preparado para explicar o que estávamos a
fazer, incluindo estarmos preparados para aguentar a tortura. Trabalhei para o
Office of Special Operations até 1989, ano em que saí da CIA.
7. Para fazer face a estes
trabalhos e operações, as minhas contas dos cartões de crédito do VISA, American
Express e Dinners Club, tinham cada uma, um plafond de 10000 USD, que podiam
ser movimentados em caso de necessidade. Estes cartões eram emitidos no Brasil,
em bancos estrangeiros sedeados no Brasil, como o Citibank, po Bank of Boston
ou o Bank of América. Entre 1975 e 1989, portanto durante cerca de 14 anos,
gastei com estes cartões cerca de 10 milhões de USD, em operações em diversos
países, nomeadamente pagando a informadores, políticos, militares, homens de
negócios, e também a traficantes de armas e de droga, em ligação com a DEA
(Drug Enforcement Agency). Existiram outros valores movimentados á parte, a
partir de um saco azul “ em cash”, valores esses postos á disposição pelo chefe
de estação da CIA, do local onde as operações eram realizadas. Este saco azul
servia para pagar despesas como viagens, compras necessárias, etc.
Posso referir que a operação
Camarate, que a seguir irei transcrever custou, a preços de 1980, entre 750.000
e 1 milhão de USD. Só o Sr. José António dos Santos Esteves recebeu 200.000
USD. Estas despesas relacionadas com a operação Camarate, incluíram os pagamentos
a diversas pessoas e participantes, como o Sr. Lee Rodrigues, como seguidamente
irei descrever.
Ente 1975 e 1988, participei em
vários cursos e seminários em Langley, Virginia e Quantico, pago pela CIA,
sobre informações, desinformação, contra-informação, terrorismo, contra
terrorismo, infiltrações encobertas, etc., etc.
8. Trabalhei em serviços de
infiltração pela CIA e pela DEA, em diferentes países, como Portugal, El
Salvador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Peru, Guatemala, Nicarágua, Panamá,
Chile, Líbano, Síria, Egipto, Argélia, Marrocos e Filipinas.
A minha colaboração com a DEA,
iniciou-se em 1981, através de Richard Lee Armitage. Em 1980, Richard Armitage
viria também a estar comigo e com Henry Kissinger em Paris. Richard Armitage
era membro do CFR (Council for Foreign Affairs and Relations) e da Organização
e Cooperação para a Segurança da Europa (OSCE), criada pela CIA. Richard
Armitage era também membro na altura, do grupo Carlyle, do qual o CEO era Frank
Carlucci. O grupo Carlyle dedica-se á construção civil, imobiliário e é um dos
maiores grupos de tráfico de armas do mundo, junto com o grupo Haliburton,
chefiado por Richard “ Dick” Cheney. O Grupo Carlyle pertence a vários
investidores privados dos EUA, por regra do Partido Republicano. Este grupo
promove nomeadamente vendas de armas, petróleo e cimento para países como o
Iraque, Afeganistão e agora para países da primavera árabe.
A lavagem do dinheiro do tráfico
de armas e da droga era feito na altura, pelo Banco BCCI, ligado á CIA e á NSA
– National Security Agency. O BCCI foi fundado em 1972 e fechado no princípio
dos anos 90, devido aos diversos escândalos em que esteve envolvido.
Oliver North pertencia ao
Conselho Nacional de Segurança, ás ordens de William Walker, ex-embaixador dos
EUA em El Salvador. Oliver North seguiu e segue sempre as ordens da CIA,
dependente de William Casey. Oliver North está hoje retirado da CIA, e é o CEO
de vários grupos privados americanos tal como Frank Carlucci.
9. Da DEA conheci Celerino
Castillo, Mike Levine, Anabelle Grimm e Brad Ayers, tendo trabalhado para a DEA
entre 1975 e 1989. Da CIA trabalhei também com Tosh Plumbey, Ralph Mcgehee –
Tenente coronel da NSA, actualmente reformado. Da Cia trabalhei ainda com BO
Gritz e Tatum. Estes dois agentes tinham a sua base de operações em El
Salvador, (onde eu também estive, nos anos 80, durante o tráfico Irão-Contras),
desenvolvendo nomeadamente actividades de tráfico de armas. Uma das suas
operações consistiu no transporte de armas dos EUA para El Salvador, que eram
depois transportadas para o Irão e a Nicarágua. Os aviões, normalmente
panamianos e colombianos, regressavam depois para os EUA com droga,
nomeadamente cocaína, proveniente de países como a Colômbia, Bolívia e El
Salvador, que serviam para financiar a compra de armas. Esta actividade
desenvolveu-se essencialmente desde os finais dos anos 70 até 1988.
A cocaína vinha nomeadamente da
Ilha Normans Cay, nas Bahamas, de que era proprietário Carlos Lheder Rivas.
Carlos Rivas era um dos chefes do cartel de Medellin, trabalhando para este
cartel e para ele próprio. Carlos Rivas era, neste contexto, um personagem
importante, sendo o braço direito de Roberto Vesco, que trabalhava para a CIA e
para a NSA. Roberto Vesco era proprietário de bancos nas Bahamas, nomeadamente
o Columbus Trust. Carlos Rivas fazia toda a logística de Roberto Vesco e
forneciam armas a troco de cocaína, nomeadamente ao movimento de guerrilha
colombiano M19. Roberto Vesco está hoje refugiado em Cuba.
10. O dinheiro das operações de armas e de
droga são lavados no Banco BCCI e noutros bancos, com o nome de código
"Amadeus". Há no entanto contas activas nas Bahamas e em Norman's
Cay, nas Ilhas Jersey, que gerem contas bancárias, nomeadamente para o tráfico de
armas para os “Contras” da Nicarágua, e para o Irão.
Como acima referi, muito desse dinheiro
foi para bancos americanos e franceses, o que em parte explicará porquê é que
Manuel Noriega foi condenado a 60 anos de prisão, tendo primeiro estado preso
nos EUA, depois em França, e actualmente no Panamá. Foi preso porque era
conveniente que estivesse calado, não referindo nomeadamente que partilhava com
a CIA, o dinheiro proveniente da venda de armas e da venda de drogas. Noriega
movimentava contas bancárias em mais de 120 bancos, com conhecimento da CIA.
Noriega fazia também parte da operação Black Eagle, dedicada ao tráfico de armas
e de droga, que em 1982 se transformou numa empresa chamada Enterprise, com a
colaboração de Oliver North e de Donald Gregg da CIA. Em face do grau de
informações e de conhecimento que tinha, é fácil de perceber porquê se
verificou o derrube e a prisão de Noriega. Devo dizer que estou pessoalmente admirados
que não o tenham até agora “suicidado", pois deve ter muitos documentos ainda
guardados. Noriega tinha a intenção de contar tudo o que sabia sobre este
tráfico, nomeadamente sobre os serviços prestados à CIA e a Bush Pai, tendo por
isso sido preso. Washington e a CIA são assim veículos importantes do tráfico
de armas e de droga, utilizando nomeadamente os pontos de apoio de South
Flórida e do Panamá.
11.No
início dos anos 80 conheci um traficante do cartel de Cali, de nome Ramon
Milian Rodriguez, que depois mais tarde perante uma comissão do Senado
Americano, onde falou do tráfico de armas e de droga, do branqueamento de
dinheiro, bem como das cumplicidades de Oliver North neste tráfico às ordens de
Bush Pai e do Donald Gregg.
Muito do
dinheiro gerado nessas vendas foi para bancos americanos e franceses. Este
dinheiro servia também para compras de propriedades imobiliárias. Por estar
ligado a estas operações, Noriega foi preso pelos EUA.
Foi numa
operação de droga que realizei na Colômbia e nas Bahamas, em 1984, onde se deu
a prisão de Carlos Lheder Rivas, do Cartel de Medallin, em que eu não concordei
com os agentes da DEA da estação de Maiami, pois eles queriam ficar com 10
milões de dólares e com o avião "lear-jet" provenientes do tráfico de
droga. Não concordando, participei desses agentes ao chefe da estação da DEA de
Miami. Este chefe mandou-lhes então levantar um inquérito, tendo sido presos
pela própria DEA. A partir de aí a minha vida tornou-se num verdadeiro inferno,
nomeadamente com a realização de armadilhas, e detenções, tendo acabado por
sair da CIA em 1989, a conselho de Frank Carlucci. O principal culpado da minha
saída da CIA foi e da DEA foi John C. Lawn, director da estação da DEA e amigo
de Noriega e de outros traficantes. John Lawn encobriu, ou tentou encobrir,
todos os agentes da DEA que denunciei aquando da prisão de Carlos Rivas. Após a
minha saída da CIA, Frank Carlucci continuou contudo a ajudar-me com dinheiro,
com conselhos e com apoio logístico, sempre que eu precisei até 1994.
Regressando
contudo à minha actividade em Portugal, anteriormente a Camarate e ao serviço
da CIA, devo referir que conheci Frank Carlucci, em 1975, através de duas
pessoas: um jornalista Português da RTP, já falecido, chamado Paulo Cardoso de
Oliveira, que conhecera em Angola, e que era agente da CIA, e Gary Van Dyk,
agente da BOSS (Sul Africana) que conheci também em Angola.
12.Mantive
contacto directos frequentes com Frank Carlucci, sobretudo entre l975 e 1982,
de quem recebi instruções para vários trabalhos e operações. Os meus contactos
com Frank Carlucci mantêm-se até hoje, com quem falo ainda ocasionalmente pelo
telefone. A última vez que estive com ele foi em Madrid, em 2008, na escala de
uma viagem que Frank Carlucci realizou à Turquia.
Em
Lisboa, também lidei e recebi ordens de William Hasselberg - antena da CIA em
Lisboa, que além de recolher informações em Lisboa actua como elo de ligação
entre portugueses e americanos. Tive inclusivamente uma vida social com William
Hasselberg, que inclui uma vida nocturna em Lisboa, em diferentes bares,
restaurantes, e locais públicos.
William
Hasselberg gostava bastante da vida nocturna, onde tinha muito gosto em
aparecer com as suas diversas “conquistas” femininas. Trabalhei também com
outros agentes da CIA, nomeadamente Philip Agee. Neste âmbito, trabalhei em
operações de tráfico de armas, e em infiltrações em organizações com
o objectivo de obter informações políticas e militares, “Billie” Hasselberg
fala bem português, e era grande amigo de Artur Albarran, Hasselberg e Albarran
conheceram-se numa festa da embaixada da Colômbia ou
Venezuela,
tendo Albarran casado nessa altura, nos anos 80, com a filha do embaixador, que
foi a sua primeira mulher.
13. Das
reuniões que tive com a embaixada americana em Lisboa, a partir de 1978,
conheci vários agentes da CIA. O Chefe da estação da CIA em Portugal, John
Logan, oferece-me um livro seu autografado. Conheci também o segundo chefe da
CIA, Sr. Philip Snell, Sr. James Lowell, e o Sr. Arredondo. Da parte militar da
CIA conheci o cor Wilkinson, a partir de quem conheci o coronel Oliver North e
o coronel Peter Bleckley. O coronel Oliver North, militar mas também agente da
CIA e o coronel Peter Bleckley, são os principais estrategas nos contactos
internacionais, com vista ao tráfico e venda de armas, nomeadamente com países
como Irão, Iraque, Nicarágua, e o El Salvador. Na sequência do conhecimento que
fiz com Oliver North , tendo várias reuniões com ele e com agentes da CIA, por
causa do tráfico e negócio de armas. Estas reuniões têm lugar em vários países,
como os EUA, o México, a Nicarágua, a Venezuela, o Panamá. Neste último país
contacto com dois dos principais adjuntos de Noriega, José Bladon, chefe dos
serviços secretos do Panamá, que me disse que praticamente todos os
embaixadores do Panamá em todo o Mundo estavam ao serviço de Noriega.
Blandon
pediu-me na altura se eu arranjava um Rolls Royce Silver Spirits, para o
embaixador do Panamá em Lisboa, o que acabei por conseguir.
Em meados de 1980, Frank Carlucci
refere-me, por alto, e pela primeira vez, que eu iria ser encarregue de fazer
um "trabalho" de importância máxima e prioritária em Portugal, com a
ajuda dele, da CIA, e da Embaixada dos EUA em Portugal, sendo-me dado, para
esse efeito, todo o apoio necessário.
Tenho
depois reuniões em Lisboa, com o agente da CIA, Frank Sturgies, que conheço
pela primeira vez. Frank Sturgies é uma pessoa de aspecto sinistro e com grande
frieza, e é organizador das forças anti-castristas, sediadas em Miami, e é elo
de ligação com os "contra" da Nicarágua. Frank Sturgies refere-me então,
que está em marcha um plano para afastar, definitivamente, (entenda-se
eliminar) uma pessoa importante, ligada ao Governo Português de então, sem
dizer contudo ainda nomes.
14.Algum
tempo depois, possivelmente em Setembro ou Outubro de 1980, jogo ténis com Frank
Carlucci quase toda a tarde, na antiga residência do embaixador dos EUA, na
Lapa. Janto depois com ele, onde Frank Carlucci refere novamente que existem
problemas em Portugal para a venda e transporte de armas, e que Francisco Sá
Carneiro não era uma pessoa querida dos EUA. Depois já na sobremesa, juntam-se
a nós o General Diogo Neto, o Coronel Vinhas, o Coronel Robocho Vaz e Paulo
Cardoso, onde se refere novamente a necessidade de se afastarem alguns
obstáculos existentes ao negócio de armas. Todos estes elementos referem a
Frank Carlucci que eu sou a pessoa indicada para a preparação e implementação
desta operação.
Em
Outubro de 1980, num juntar no Hotel Sheraton onde participo eu, Frank Sturgies
(CIA), Vilfred Navarro (CIA), o General Diogo Neto e o Coronel Vinhas (já
falecidos), onde se refere que há entraves ao tráfico de armas que têm de ser
removidos. Depois há um outro jantar também no Hotel Sheraton, onde participam,
entre outros, eu e o Coronel Oliver North, onde este diz claramente que "é
preciso limar algumas arestas" e "se houver necessidade de se tirar alguém
do caminho, tira-se", dando portanto a entender que haverá que eliminar
pessoas que criam problemas aos negócios de venda de armas. Oliver North diz-me
também que está a ter problemas com a sua própria organização, e que teme que o
possam querer afastar e "deixar cair", o que acabou por acontecer.
15.Há também Portugueses que estavam a
beneficiar com o tráfico de armas, como o Major Canto e Castro, o General
Pezarat Correia, Franco Charais e o empresário Zoio. Sabe-se também já nessa
altura que Adelino Amaro da Costa estava a tentar acabar com o tráfico de
armas, a investigar o fundo de desenvolvimento do Ultramar, e a tentar acabar
com lobbies instalados. Afastar essas
duas pessoas pela via política era impossível, pois a AD tinha ganho as
eleições. Restava portanto a via de um atentado.
Passados
alguns dias, recebo um telefonema do Major Canto e Castro (pertencente ao
conselho da revolução), que eu já conhecia de Angola, pedindo para eu me
encontrar com ele no Hotel Altis. Nessa reunião está também Frank Sturgies, e
fala-se pela primeira vez em "atentado", sem se referirem ainda quem
é o alvo. Referem que contam comigo para esta operação. O Major Canto e Castro
diz que é preciso recrutar alguém capaz de realizar esta operação.
Tenho
depois uma segunda reunião no Hotel Altis com Frank Sturgies e Philip Snell,
onde Frank Sturgies me encarrega de preparar e arranjar alguns operacionais
para uma possível operação dentro de pouco tempo, possivelmente dentro de 2 ou
3 meses. Perguntam-me se já recrutou a pessoa certa para realizar este
atentado, e se eu conheço algum perito na fabricação de bombas e em armas de
fogo. Respondo que em Espanha arranjaria alguém da ETA para vir cá fazer o
atentado, se tal fosse necessário. Quem paga a operação e a preparação do
atentado é a CIA e o Major Canto e Castro. Canto e Castro colabora na altura
com os serviços Secretos Franceses, para onde entrou através do sogro na época.
O sogro era de Nacionalidade Belga, que trabalhava para a SDEC, os serviços de
inteligência franceses, em 1979 e 1980. Canto e Castro casou com uma das suas
filhas, quando estava em Luanda, em Angola, ao serviço da Força Aérea
Portuguesa. Em Luanda, Canto e Castro vivia perto de mim.
16.Tendo
que organizar esta operação, falo então com José Esteves e mais tarde com Lee
Rodrigues (que na altura ainda não conhecia). O elo de ligação de Lee Rodrigues
em Lisboa era Evo Fernandes, que estava ligado à resistência moçambicana, a Renamo.
Falo nessa altura também com duas pessoas ligadas à ETA militar, para caso do
atentado ser realizado através de armas de fogo.
Depois,
noutro jantar em casa de Frank Carlucci, na Lapa, na Mansarda, no último andar,
onde jantamos os dois sozinhos, Frank Carlucci diz abertamente e pela primeira
vez, o que eu tinha de fazer, qual era a operação em curso e que esta visava
Adelino Amaro da Costa, que estava a dificultar o transporte e venda de armas a
partir de Portugal ou que passavam em Portugal, e que havia luz verde dada por
Henry Kissinger e que essa ordem me seria dada directamente de Paris.
Poucos
dias depois voo com Philipp Snell para Paris, ficando no Hotel Baltimore, na
avenida Bis Kleber. Philip Snell faz uma reserva para um alto cargo dos EUA, no
Hotel George V. Depois, juntamente com Philip Snell, desloco-me ao restaurante
Fouquet, nos Champs Elisées, onde me encontro com Henri Kissinger e Oliver
North. Cumprimento ambos, referindo que sou "o homem deles em
Lisboa".
17.Três
semanas antes do atentado, Canto e Castro e Frank Surgies, referem pela
primeira vez, que o alvo do atentado é Adelino Amaro da Costa. O Major Canto e
Castro afirma que irá viajar para Londres. Frank Sturgies pede-me que obtenha
um cartão de acesso ao aeroporto para um tal Lee Rodrigues, que é referido como
sendo a pessoa que levará e colocará a bomba no avião.
Recebo
depois um telefonema de Canto e Castro, referindo que está em Londres e para eu
ir ter lá com ele. Refere-me que o meu bilhete está numa agência de viagens
situada na Av. da Republica, junto à pastelaria Ceuta. Chegado a Londres fico
no Hotel Grosvenor, ao pé de Victoria Station. Canto e Castro vai buscar-me e
leva-me a uma casa perto do Hotel, onde me mostra pela primeira vez, o
material, incluindo explosivos, que servirão para confeccionar a
"bomba" nesta operação. Essa casa em Londres, era ao mesmo tempo
residência e consultório de um dentista indiano, amigo de Canto e Castro, Canto
e Castro refere-me que esse material será levado para Portugal pela sua
companheira Juanita Valderrama. O Major Canto e Castro pede-me então que vá ao
Hotel Altis recolher o material. Vou então ao Hotel acompanhado de José
esteves, e recebemos uma mala e uma carta da senhora Juanita, José Esteves
prepara então uma bomba destinada a um avião, com esses materiais, com a ajuda
de Carlos Miranda.
O Major
Canto e Castro volta depois de Londres, encontra-se comigo, e digo-lhe que a
bomba está montada. Lee Rodrigues é-me apresentado pelo Major Canto e Castro.
Alguns dias depois Lee Rodrigues telefona-me e encontramo-nos para jantar no
restaurante Galeto, junto ao Saldanha, juntamente com Canto e Castro, onde
aparece também Evo Fernandes, que era o contacto de Lee Rodrigues em Lisboa.
Fora Evo Fernandes que apresentara Lee Rodrigues a Canto e Castro. Lee Rodrigues
era moçambicano e tinha ligações à Renamo.
19.Nesse
jantar alinham-se pormenores sobre o atentado. Canto e Castro refere contudo
nesse jantar que o atentado será realizado em Angola. Perante esta afirmação,
pergunto se ele está a falar a sério ou a brincar, e se me acha com “cara de
palhaço"- fazendo tenção de me levantar. Refiro que, através de Frank
Carlucci, já estava a par de tudo. Lee Rodrigues pede calma, referindo depois
Canto e Castro que desconhecia que eu já estava a par de tudo, mas que sendo
assim nada mais havia a esconder.
Possivelmente
em Novembro, é-me solicitado por Philip Snell que participe numa reunião em
Cascais, num iate junto á antiga marina (na altura não existia a actual
marina). Vou e levo comigo José Esteves. Essa reunião tem lugar entre as 20 e
as 23 horas, nela participando Philips Snell, Oliver North, Frank Sturgies,
Sydral e Lee Rodrigues e mais cerca de 2 ou 3 estrangeiros, que julgo serem
americanos. Nesta reunião é referido que há que preparar com cuidado a operação
que será para breve, e falam-se de pormenores a ter em atenção. É referido
também os cuidados que devem ser realizados depois da operação, e o que fazer
se algo correr mal. A língua utilizada na reunião é o Inglês. José Esteves
recebeu então USD 200.000 pelo seu futuro trabalho. Eu não recebi nada pois já
era pago normalmente pela CIA. Eu nessa altura recebia da CIA o equivalente a
cinco mil dólares, dispondo também de dois cartões de crédito Diner's Club e
Visa Gold, ambos com plafonds de 10.000 Doláres.
20.Lee Rodrigues pede-me então que
arranje um cartão para José Esteves entrar no aeroporto.
Para este
efeito, obtenho um cartão forjado, na mouraria, em Lisboa, numa tipografia que
hoje já não existe. Lee rodrigues diz-me também que irá obter uma farda de
piloto numa loja ao pé do Coliseu, na Rua das Portas de Santo Antão. A meu
pedido, João Pedro Dias, que era carteirista, arranja também um cartão para Lee
Rodrigues. Este cartão foi obtido por João Pedro Dias, roubando o cartão de
Miguel Wahnon, que era funcionário da TAP. Apenas foi necessário mudar-se a
fotografia desse cartão, colocando a fotografia de Lee Rodrigues.
José
Esteves prepara então em sua casa no Cacém, um engenho para o atentado. Conta
com a colaboração de outro operacional chamado Carlos Miranda, especialista em
explosivos, que é recrutado por mim, e que eu já conhecia de Angola, quando
Carlos Miranda era comandante da FNLA e depois CODECO em Portugal. José Esteves
foi também um dos principais comandantes da FNLA, indo muitas vezes a Kinshasa.
Depois do
artefacto estar pronto, vou novamente a Paris. No Hotel Ritz, à tarde, tenho um
encontro com Oliver North, o cor. Wilkison e Philip Snell, onde se refere que o
alvo a abater era Adelino Amaro da Costa, Ministro da Defesa.
Volto a
Portugal, cerca de 5 ou 6 dias antes do atentado. É marcado por Oliver North um
jantar no hotel Sheraton. Nesse jantar aparece e participa um indivíduo que não
conhecia e que me é apresentado por Oliver North , chamado Penaguião. Penaguião
afirma ser segurança pessoal de Sá Carneiro. Oliver North refere que Penaguião
faz parte da segurança pessoal de Sá Carneiro e que é o homem que conseguirá
meter Sá Carneiro no Avião. Penaguião afirma, de forma fria e directa que sá
Carneiro também iria no avião, "pois dessa forma matavam dois coelhos de
uma cajadada! " Afirma que a sua eliminação era necessária, uma vez que Sá
Carneiro era anti-americano, e apoiava
21.incondicionalmente
Adelino Amaro da Costa na denúncia do tráfico de armas, e na descoberta do
chamado saco azul do Fundo de Defesa do Ultramar, pelo que tudo estava, desde o
início, preparado para incluir as duas pessoas. Sá Carneiro e Adelino Amaro da
Costa. Fico muito receoso, pois só nesse momento fiquei a conhecer a inclusão de
Sá Carneiro no atentado. Pergunto a Penaguião como é que ele pode ter a certeza
de que Sá Carneiro irá no avião, ao que Penaguião responde de que eu não me
preocupasse pois que ele, com mais alguém, se encarregaria de colocar Sá
Carneiro naquele avião naquele dia e naquela hora, pois ele coordenava a
segurança e a sua palavra era sempre escutada. No final do jantar, juntam-se a
nós três o General Diogo Neto e o Coronel Vinhas.
Fico
estarrecido com esta nova informação sobre Sá Carneiro, e decido ir, nessa
mesma noite, à residência do embaixador dos EUA, na Lapa, onde estava Frank
Carlucci, a quem conto o que ouvi. Frank Carlucci responde que não me
preocupasse, pois este plano já estava determinado há muito tempo. Disse-me que
o homem dos EUA era Mário Soares, e que Sá Carneiro, devido à sua maneira de
ser, teimoso e anti-americano, não servia os interesses estratégicos dos EUA.
Mário Soares seria o futuro apoio da política americana em Portugal, junto com
outros lideres do PSD e do PS. Aceito então esta situação, uma vez que Frank
Carlucci já me havia dito antes que tudo estava assegurado, inclusivamente se
algo corresse mal, como a minha saída de Portugal, a cobertura total para mim e
para mais alguém que eu indicasse, e que pudesse vir a estar em perigo. Isto é
a usual "realpolitik" dos Estados Unidos, e suspeito que sempre será.
22.Três
dias antes do atentado há uma nova reunião, na Rua das Pretas no Palácio
Roquete, onde participam Canto e Castro, Farinha Simões, Lee Rodrigues, José
esteves e Carlos Miranda. Carlos Miranda colaborou na montagem do engenho
explosivo com José Esteves, tendo ido várias vezes a casa de José esteves. Nessa
reunião são acertados os últimos pormenores do atentado. Nessa reunião, Lee
Rodrigues diz que ele está preparado para a operação e Canto e Castro diz que o
atentado será a 3 ou 4 de Dezembro. Nessa reunião é dito que o alvo é Adelino
Amaro da Costa. No dia seguinte encontramo-nos com Canto e Castro no Hotel
Sheraton, e vamos jantar ao restaurante "O Polícia".
No dia 4
de Dezembro, telefono de um telefone no Areeiro, para o Sr. William Hasselberg,
na Embaixada dos EUA, para confirmar que o atentado é para realizar, tendo-me
este referido que sim. Desse modo, à tarde, José Esteves traz uma mala a minha
casa, e vamos os dois para o aeroporto. Conduzo José esteves ao aeroporto, num
BMW do José Esteves.
Já no
aeroporto, José Esteves e eu entramos no aeroporto, por uma porta lateral,
junto a um posto da Guarda Fiscal, utilizando o cartão forjado, anteriormente
referido. Depois José Esteves desloca-se e entrega a mala, com o engenho, a Lee
Rodrigues, que aparece com uma farda de piloto e é também visto por mim. Depois
de cerca de 15 minutos, sai já sem a mala, e sai comigo do aeroporto.
Separamo-nos, mas mais tarde José esteves encontra-se novamente comigo no
cabeleireiro Baeta, no centro comercial Alvalade.
Depois
José esteves aparece em minha casa com a companheira da época, de nome Gina, e
com um saco de roupa para lá ficar por precaução. Ouvi-mos depois o noticiário
das 20 horas na televisão, e José Esteves fica muito surpreendido, pois não
sabia que Sá Carneiro também ia no avião.
23.Afirma
que fomos enganados. Telefona então para Lencastre Bernardo, que tinha grandes
ligações à PJ e à PJ Militar, e uma Ligação ao General Eanes, Lencastre
Bernardo tem também ligações a Canto e Castro, Pezarat Correia, Charais, ao
empresário Zoio a José António Avelar que era ex-braço direito de Canto e
Castro. José Esteves telefona-lhe, e pede para se encontrar com ele. Ele aceito,
pelo que, pelas 23 horas, José Esteves, eu, e a minha mulher Elza, dirigimo-nos
para a Rua Gomes Freire, na PJ, para falar com ele. José Esteves sobe para
falar com Lencastre Bernardo que lhe tinha dito que não se preocupasse, pois
nada lhe sucederia. Passámos contudo por casa de José Esteves pois este temia
que aí houvesse já um conjunto de polícias à sua procura, devido a considerarem
que ele estava associado à queda do avião em camarate. José Esteves ficou assim
aliviado por verificar que não existia aparato policial à porta de sua casa.
Vem contudo dormir para minha casa.
Alguns
dias depois falei novamente com Frank Carlucci. A quem manifestei o meu
desconhecimento e ter ficado chocado por ter sabido, depois de o avião ter
caído, que acompanhantes e familiares do Primeiro-ministro e do Ministro da
Defesa também tinham ido no Avião. Frank Carlucci respondeu-me que compreendia
a minha posição, mas que também ele desconhecia que iriam outras pessoas no
avião, mas que agora já nada se podia fazer.
Em 1981,
encontro-me com Victor Pereira, na altura agente da Polícia Judiciaria, no
restaurante Galeto, em Lisboa. Conto a Victor Pereira que alguns dos atentados
estão atribuídos às Brigadas Revolucionárias, relacionados com a colocação de
bombas, foram porém efectuadas pelo José Esteves, como foram os casos dos
atentados à bomba na Embaixada de Angola, de Cuba ( esta última com
conhecimento de Ramiro Moreira), na casa de Torres Couto, na casa do prof.
Diogo Freitas do Amaral, na casa do Eng. Lopes Cardoso, e na casa de Vasco
Montez, a pedido deste, junto ao Jumbo em Cascais, para obter sensacionalismo á
época, tendo José Esteves espalhado panfletos iguais aos da FP25. Não falei
então com Victor Pereira de camarate. Tomei conhecimento no entanto que Victor
Pereira, no dia 4 de Dezembro de 1980, tendo ido nessa noite ao aeroporto da
Portela, como agente da PJ, encontrou a mala que era transportada pelo eng.
Adelino Amaro da Costa. Nessa mala estavam documentos referentes ao tráfico de
armas e de pessoas envolvidas com o Fundo de defesa do Ultramar. Salvo erro,
Victor Pereira entregou essa mala ao inspector da PJ Pedro Amaral, que por sua
vez a entregou na PJ. Disse-me então Victor Pereira que essa mala, de maior
importância no caso de Camarate, pelas informações que continha, e que podiam
explicar os motivos e as pessoas por detrás deste atentado, nunca mais voltou a
aparecer. Esta informação foi-me transmitida por Victor Pereira, quando esteve
preso comigo na prisão de Sintra, em 1986. Não referi então a Victor Pereira
que, como descrevo a seguir, eu tinha já tido contacto com essa mala, em finais
de 1982, pelo facto de trabalhar com os serviços secretos na Embaixada dos EUA.
Também em
1981, uns meses depois do atentado, eu e o José Esteves fomos ter com o Major
Lencastre Bernardo, na Polícia Judiciária, na Rua Gomes Freire. Com efeito,
tanto o José Esteves como eu, andávamos com medo do que nos podia suceder por
causa do nosso envolvimento no atentado de Camarate, e queríamos saber o que se
passava com a nossa protecção por causa de Camarate. Eu não participo na
reunião, fico à porta.
24.Contudo
José Esteves diz-me depois que nessa conversa Lencastre Bernardo lhe referiu
que, numa anterior conversa com Francisco Pinto Balsemão, este lhe havia dito
ter tido conhecimento prévio do atentado de Camarate, pois em Outubro de 1980,
Kissinger o informou de que essa operação ia ocorrer. Disse-lhe também que ele
próprio tinha tido conhecimento prévio do atentado de Camarate. Disse-lhe ainda
que podíamos estar sossegados quanto a Camarate, pois não ia haver problemas
connosco, pois a investigação deste caso ia morrer sem consequências.
A este
respeito gostaria de acrescentar que numa reunião que tive, a sós, em 1986, com
Lencastre Bernardo, num restaurante ao pé do edifício da PJ na Rua Gomes
Freire, ele garantiu-me que Pinto Balsemão estava a par do que se ia passar em
4 de Dezembro. No restaurante Fouchet's, em Paris, Kissinger tinha-me dito,
“por alto”, que o futuro Primeiro-ministro de Portugal seria pinto Balsemão. E
importante referir que tanto Henry Kissinger como Pinto Balsemão eram já, em
1980, membros destacados do grupo Bilderberg, sendo certo que estas duas
pessoas levavam convidados às reuniões anuais desta organização.
Deste
modo, aquando da conversa com Lencastre Bernardo, em 1986, relacionei o que ele
me disse sobre Pinto Balsemão, com o que tinha ouvido em Paris, em 1980. Tive
também esta informação, mais tarde, em 1993, numa conversa que tive com William
Hasselberg, em Lisboa, quando este me confirmou de que Pinto Balsemão estava a
par de tudo.
25.Em finais
de 1982, pelas informações que vou obtendo na Embaixada dos EUA, em Lisboa,
verificam que se fala de nomes concretos de personalidades americanas com tendo
estado envolvidas em tráfico de armas que passava por Portugal. Pergunto então
a William Hasselberg como sabem destes nomes. Ao fim de muitas insistências
minhas, William Hasselberg acaba por me dizer que a Pj entregou, na embaixada
dos EUA, uma mala com os documentos transportados por Adelino Amaro da Costa,
em 4 de Dezembro de 1980, e que ficou junto aos destroços do avião, embora não me
tenha dito quem foi a pessoa da PJ que entregou esses documentos. Peço então a
William Hasselberg que me deixe consultar essa mala, uma vez que faço também
parte da equipa da CIA em Portugal. Ele aceita, e pude assim consultar os
documentos aí existentes. que consistiam em cerca de 200 páginas. Pude assim
consultar este Dossier durante cerca de uma semana, tendo-o lido várias vezes,
e resumido, à mão, as principais partes, uma vez que não tinha como
fotografa-lo ou copia-lo.
Vejo
então, que apesar do desastre do avião, e da pasta de Avelino Amaro da Costa
ter ficado queimada, e ter sido substituída por outra, os documentos estavam
intactos. Estes documentos continham uma lista de compra de armas, que incluía
nomeadamente RPG-7, RPG-27, G3, lança granadas, dilagramas, munições, granadas,
minas, rádios, explosivos de plástico, fardas, kalashiskovs AK-47 e obuses.
Referia-se também nesses documentos que para se iludir as pistas, as vendas
ilegais de armas eram feitas através de empresas de fachada, com os caixotes a
referir que a carga se tratava de equipamentos técnicos, e peças sobresselentes
para maquinas agrícolas e para a construção civil. Esta forma de transportar
armas foi-me confirmada várias vezes por Oliver North, no decorrer da década de
80, até 1988, e quando estive em Ilopango, no El Salvador, também na década de
80, verifiquei que era verdade.
26.Nestes documentos lembro-me de ver que
algumas armas vinham da empresa portuguesa Braço de Prata, bem como referências
de vendas de armas de Portugal e de países de Leste, como a Polónia e a
Bulgária, com destino para a Nicarágua, Irão, El Salvador, Colômbia, Panamá,
bem como para alguns países Africanos que estavam em guerra, como Angola, ANC
da África do Sul, Nigéria, Mali, Zimbawe, Quénia, Somália, Líbia, etc. Está
também claramente referido nesses documentos que a venda de armas é feita
através da empresa criada em Portugal chamada "Supermarket" (que
operava através da empresa mãe "Black - Eagle").
Nos
referidos documentos vi também que as vendas de armas eram legais através de
empresas portuguesas, mas também havia vendas de armas ilegais feitas por
empresas de fachada, com a lavagem de dinheiro em bancos suíços e
"off-shores" em nome dos detentores das contas, tanto pessoas civis
como militares.
As vendas
ilegais de armas ocorriam por várias razões, nomeadamente: Em primeiro lugar
muitos dos países de destino, tinham oficialmente sanções e embargos de armas.
Em segundo lugar os EUA não queriam oficialmente apoiar ou vender armas a
certos países, nomeadamente aos contra da Nicarágua, ou ao Irão e ao Iraque, a
quem vendiam armas ao mesmo tempo, e sem conhecimento de ambos. Em terceiro
lugar a venda de armas ilegal é mais rentável e foge aos impostos. Em quanto
lugar a venda de armas ilegal permite o branqueamento de capitais, que depois
podiam ser aproveitados para outros fins.
27.Entre os nomes que vi referidos nestes documentos
figuravam:
- José Avelino
Avelar
- Coronel
Vinhas
- General Diogo Neto
- Major Canto e Castro
- Empresário Zoio
- General Pezarat Correia
- General Franco Charais
- General Costa Gomes
- Major Lencastre Bernardo
- Coronel Robocho Vaz
- Francisco Pinto Balsemão
.
Francisco Balsemão e Lencastre Bernardo eram referidos
como elementos de ligação ao grupo Bildeberg e a Henry Kissinger, Francisco
Balsemão pertence também à loja maçónica "Pilgrim", que é
anglo-saxónica, e dependente do grupo Bilderberg. Lencastre Bernardo tinha
também assinalado a sua ligação a alguns serviços de inteligência, visto ele
ser, nos anos 80, o coordenador na PJ e na Polícia Judiciária Militar.
Entre as
empresas Portuguesas que realizavam as vendas de armas atrás referidas, entre
os anos 1974 e 1980, estavam referidas neste Dossier:
- Fundição de Oeiras (morteiros, obuses e granadas)
- Cometna (engenhos explosivos e bombas)
- OGMA (Oficinas Gerais Militares de Fardamento e OGFE
(Oficinas de Fardamento do Exercito)
- Browning Viana S.A.
- A. Paukner Lda, que existe desde 1966
- Explosivos da trafaria
- SPEL (Explosivos)
- INDEP (armamento ligeiro e monições)
- Montagrex Lda, que actuava desde 1977, com Canto e
Castro e António José Avelar. Só foi contudo oficialmente constituída em 1984,
deixando, nessa altura, Canto e Castro de fora, para não o comprometer com a
operação de Camarate. A Montagrex Lda operava no Campo Pequeno, e era liderada
por António Avelar que era o braço direito de Canto e Castro e também sócio
dessa empresa. O escritório dessa empresa no Campo Pequeno é um autêntico
“bunker", com portas blindadas, sensores, alarmes, códigos nas portas,
etc.
Canto e
Castro e António Avelar são também sócios da empresa inglesa BAE - Systems,
sediada no Reino Unido. Esta empresa vede sistemas de defesa, artilharia,
mísseis, munições, armas submarinas, minas e sobretudo sistemas de defesa anti-mísseis
para barcos.
Todos
estes negócios eram feitos, na sua maior parte, por ajuste directo, através de
brokers - intermediários, que recebiam as suas comissões, pagas por oficiais do
Exército, Marinha, Aeronáutica, etc.
28.Neste documento
era referido que, como consequência destas vendas de armas, gerava-se um fluxo
considerável de dinheiro, a partir destas exportações, legais e ilegais. Estes
documentos referiam também a quem eram vendidas estas armas, sobretudo a países
em guerra, ou ligados ao terrorismo internacional. Era também referido que
todas estas vendas de armas eram feitas com a conivência da autoridade da
época, nomeadamente militares como o General Costa Gomes, o General Rosa
Coutinho (venda de armas a Angola) e o próprio Major Otelo Saraiva de Carvalho
(venda de armas a Moçambique). Vi várias vezes o nome de Rosa Coutinho nestes
documentos, que nas vendas de armas para Angola utilizava como intermediário o
general reformado angolano, José Pedro Castro, bastante ligado ao MPLA, que hoje
dispõe de uma fortuna avaliada em mais de 500 milhões de USD, e que dividia o
seu tempo entre Angola, Portugal e Paris. O seu filho, Bruno Castro é director
adjunto do Banco BIC em Angola.
No
referido dossier estavam também referidos outros militares envolvidos neste
negócio de armas, nomeadamente o Capitão Dinis de Almeida, o Coronel Corvacho,
o Vera Gomes e Carlos Fabião.
Todas
estas pessoas obtinham lucros fabulosos com estes negócios, muitas vezes mesmo
antes do 25 de Abril de 1974 e até 1980. Era referido que estas pessoas,
nomeadamente militares, que ajudavam nesta venda de armas, beneficiavam através
de comissões que recebiam. Estavam referidos neste Dossier os nomes de
"off-shores", que eram usadas para pagar comissões às pessoas atrás
referidas e a outros estrangeiros, por Oliver North ou por outros enviados da
CIA. Estas "off-shores" detinham contas bancárias, sempre numeradas.
29.Esta
referência batia certo com o que Oliver North sempre me contou, de que o
negócio das armas se proporciona através de "off-shores" e bancos
controlados para a lavagem de dinheiro.
Vale a
pena a este respeito referir que no negócio das armas, empresas do sector das
obras públicas aparecem frequentemente associadas, como a Haliburton, a
Carlyle, ou a Blackwater, (empresa de armas, construção e mercenários), entre
outras. Esta relação está referida, há anos, em vários relatórios, nomeadamente
nos relatórios do Bribe Payer Index (indice internacional dos pagadores de
subornos), que é uma agência americana. A indicação deste tipo de práticas foi
desenvolvida mais tarde, pela Transparency International e pelo Comité Norte
Americanos de Coordenação e Promoção do Comercio do Senado Americano, que
referem que há muitos anos , mais de 50% do negócio e comercio de armas em Portugal,
é feito através de subornos. Os americanos sempre usaram Portugal para o
tráfico de armas, fazendo também funcionar a Base das Lajes, nos Açores, para
este efeito, nomeadamente depois de 1973, aquando da guerra do Yom Kippur,
entre Israel e os países árabes. Este tráfico de armas deu origem a várias
contrapartidas financeiras, nomeadamente através da FLAD, que foi usada pela
CIA para este efeito. A FLAD recebeu diversos fundos específicos para a
requalificação de recursos humanos.
Não vi
contudo neste Dossier observações referindo que estas vendas de armas eram
condenáveis ou que tinham efeitos negativos. Havia contudo uma pequena nota, em
que alguma folha de que se devia tomar cuidado com tudo o que aí estava
escrito, e que portanto se devia actuar. Havia também na primeira página um
carimbo que dizia "confidentical and restricted".
30.Estas
vendas de armas continuaram contudo depois de 1980. Tanto quanto eu sei, estas
vendas de armas continuaram a ser realizadas até 2004, embora com um abrandamento
importante a partir de 1984, a partir do escândalo das fardas vendidas à
Polónia.
No
referido Dossier estavam também referidas personalidades americanas envolvidas
no negócio de armas, nomeadamente Bush (Pai), dick Cheney, Frank Carlucci,
Donald Gregg, vários militares, bem como a empresas como a Blackwater. são
ainda referidas empresas ligadas aos EUA, como a Carlyle, Haliburton, Black
Eagle Enterprise, etc, que estavam a usar Portugal para os seus fins, tanto
pela passagem de armas através de portos portugueses, como pelo fornecimento de
armas a partir de empresas portuguesas. Tirei apontamentos desses documentos,
que ainda hoje tenho em meu poder.
A empresa
atrás referida, denominada supermarket, foi criada em Portugal em 1978, e
operava através da empresa mão, de nome Black-Eagle, dirigida por William
Casey, (membro do CFR(Council for Foreign Affairs and Relations), ex-embaixador
dos EUA nas Honduras e também com ligações à CIA). A empresa supermarket
organizava a compra de armas de fabrico soviético, através de Portugal, bem
como a compra de armas e munições portuguesas, referidas anteriormente, com
toda a cumplicidade de Oliver North. Estas armas iam para entrepostos nas
Honduras, antes de serem enviadas para os seus destinos finais. Oliver North
pagou muitas facturas destas compras em Portugal, através de uma empresa
chamada Gretsh World, que servia de fachada à Supermarket.
31.Mais
tarde, cerca de 1985, quando se começou muito a falar de camarate, Oliver North
cancelou a operação "Supermarket, e fechou todas as contas bancárias.
Devo
ainda referir que William Hasselberg e outros americanos da embaixada dos EUA,
em Lisboa, comentaram comigo, várias vezes o que estava escrito neste Dossier. Relativamente
a Hasselberg isso era lógico, pois foi ele que me deu o Dossier a ler. Posteriormente
comentei também o que estava escrito neste Dossier com Frank Carlucci, que
obviamente já tinha conhecimento da informação nela contida.
Tanto
William Hasselberg, como membro da CIA, como outros elementos da CIA atrás
referidos e outros, comentaram várias vezes comigo o envolvimento da CIA na
operação de Camarate e neste negócio de armas. Lembro-me nomeadamente que
quando alguém da CIA, me apresentava a outro elemento da Cia, dizia
frequentemente "this is the portuguese guy, the one from Camarate, the
case in Portugal with the plane!".
As vendas
de armas, a partir e através de Portugal, foram realizadas ao longo desses
anos, pois era do interesse político dos EUA. A CIA organizou e implementou
estas vendas de armas em Portugal, à semelhança do que sucedeu noutros países,
pois era crucial para os EUA que certs armas chegassem aos países referidos, de
forma não oficial, tendo para isso utilizados militares e empresários
Portugueses, que acabaram também por beneficiar dessas vendas.
Como
anteriormente referi, William Casei e Oliver North estavam, nas décadas de 70 e
80 conluiados com o presidente Manuel Noriega, no escândalo Irão - contras
(Irangate). Foi sempre Oliver North que se ocupou da questão dos reféns americanos
no Irão, bem como da situação da América Central. Recebeu pessoalmente por isso
uma carta de agradecimentos de George Bush Pai, Vice-presidente à época de
Ronald Reagan.
32.Devo
dizer a este respeito que John Bush, filho de Bush Pai, então com 35 anos, a
fiver na Flórida, pertencia em 1979 e 1980 ao “Condado de Dade", que era e
é uma organização republicana, situada em South Florida, destinada a angariar
fundos para as campanhas eleitorais republicanas. John Bush era um dos
organizadores de apoios financeiros para os "contra" da Nicarágua.
Conheci
também Monzer Al Kasser um grande traficante de armas que tinha uma casa em
Puerto Banus em Marbella, e que me foi apresentado, em Paris, por Oliver North,
em 1979. Era um dos grandes vendedores de armas para os
“Contra” na Nicarágua, trabalhando simultaneamente para os serviços secretos
sírios, búlgaros e polacos. Na sua casa em Marbella, referiu-me também que, por
vezes, o tráfico de armas era feito através de África, para que no Iraque não
se apercebessem da sua proveniência, pois também vendiam ao mesmo tempo ao Irão
e mesmo a Portugal. Este tráfico de armas, que estava em curso, desde há vários
anos, em 1980, e o começo do caso Camarate.
Através
de Al Kasser conheci, em Marbella, no final de 1981, outro famoso traficante de
armas, numa festa em casa de Monzer, que se chamava Adrian Kashogi. Kashogi,
como pude testemunhar em sua casa, tinha relações com políticos e empresários
europeus, árabes e africanos, por regra ligados ao tráfico de armas e drogas.
33.Sou
preso em 1986, acusado de tráfico de drogas. Esta prisão foi uma armadilha
montada pela DEA, por elementos que nessa organização não gostavam de mim, por
eu ter levado à detenção de alguns deles, como referi anteriormente. Fui então
levado para a prisão de Sintra. Estou na prisão com o Victor Pereira, que aí
também estava preso. Sei, em 1986, que estavam a preparar para me eliminar na
prisão, pelo que peço à minha mulher Elza, para ir falar, logo que possível com
Frank Carlucci. Em consequência disso recebo na prisão a visita de um agente da
CIA, chamado Carlston, juntamente com outro americano. Estes, depois de terem
corrompido a direcção da prisão, incluindo o director, subdirector e chefe da
guarda, bem como um elemento que se reformou muito recentemente, da Direcção
Geral dos serviços Prisionais, chamada Maria José de Matos, conseguem a minha
fuga da prisão. Contribuiu ainda para esta minha fuga, mediante o recebimento
de uma verba elevada, paga pelos referidos agentes americanos esta
directora-adjunta da Direcção Geral dos serviços Prisionais. Estes agentes
americanos obtêm depois um helicóptero, que me transporta para a Lousã, onde
fico cerca de 20 dias. Vou depois para Madrid, com a ajuda dos americanos, e
depois daí ara o Brasil. As despesas com a minha fuga da prisão custaram 25000
euros, o que na época era uma quantia elevada.
Só mais
tarde no Brasil, depois de 1986, é que referi a José Esteves que sabia que Sá
Carneiro ia no avião, contando-lhe a história toda. José Esteves, responde
então, que nesse caso, tinha-mos corrido um grande risco. Eu tranquilizei-o,
referindo que sempre o apoiei e protegi neste atentado. Dei-lhe apoio no Brasil
no que pude. Assegurei-lhe também o transporte para o Brasil, obtendo-lhe um
passaporte no Governo Civil de lisboa, entreguei-lhe 750 contos que me foram
dados para esse efeito pela embaixada dos EUA, em Lisboa, e arranjei-lhe o
bilhete de avião de Madrid para o Rio de Janeiro. Na viagem de Lisboa para
Madrid, José Esteves foi levado por Victor Moura, um amigo comum. No Rio de
Janeiro ajudei-o a montar uma loja, numa roulotte. Como trabalhava ainda para a
embaixada dos EUA, em Lisboa, estas despesas foram suportadas pela Embaixada.
Ficou no Brasil cerca de dois anos. Eu, contudo andava constantemente em
viagens.
34.José
Esteves recebe depois um telefonema de Francisco Pessoa de Portugal, onde
Francisco Pessoa o aconselha a voltar a Portugal, e a pedir protecção, a troco de
ir depor na Comissão de Inquérito Parlamentar sobre Camarate. Esse telefonema
foi gravado, mas José Esteves nunca chegou a obter uma protecção formal.
Telefono
a Frank Carlucci, em 1987, pedindo-lhe para falar com ele pessoalmente. Ele
aceita, pelo que viajo do Brasil, via Miami, para Washington. Pergunto-lhe
então, em face do que se tinha falado de Camarate, qual seria a minha situação,
se corria perigo por causa de Camarate, e se continuarei, ou não a trabalhar
para a CIA. Frank Carlucci responde-me que sim, que continuarei a trabalhar
para a CIA, tendo efectivamente continuado a ser pago pela CIA até 1989. Frank
Carlucci confirma nessa reunião que puderam contar com a colaboração de
Penaguião na operação de Camarate, e que ele, Frank Carlucci, esteve a par
dessa participação.
Em 1994,
foi-me novamente montada uma armadilha em Portugal, por agentes da DEA que não
gostavam de mim, por causa da referida prisão de agentes seus, denunciados por
mim.
35.Nesta armadilha
participa também três agentes da DCITE - Portuguesa, os hoje inspectores Tomé,
Sintra e Teófilo Santiago. Depois desta detenção, recebo a visita na prisão de
Caxias de dois procuradores do Ministério Público, um deles, se não estou em
erro, chamado Fernando Ventura, enviados por Cunha Rodrigues, então Procurador-Geral
da República. Estes procuradores referem-me que me podem ajudar no processo de
droga de que sou acusado, desde que eu me mantenha calado sobre o caso
Camarate.
Por ser
verdade e por entender que chegou o momento de contar todo o meu envolvimento
na operação de Camarate, em 4 de Dezembro de 1980, decidi realizar a presente
Declaração, por livre vontade. Não podendo já alterar a minha participação
nesta operação, que na altura estava longe de poder imaginar as
trágicas consequências que teria para os familiares das vítimas e para o país,
pude agora, ao menos, contar toda a verdade, para que fique para a História, e
para que nomeadamente os portugueses possam dela ter pleno conhecimento.
Não quero, por último, deixar de agradecer
à minha mãe, à minha mulher Elza Simões, que ao longo destes mais de 35 anos,
tanto nos bons como nos maus momentos, sempre esteve a meu lado, suportando de
forma extraordinária, todas as dificuldades, ausências, e faltas de dedicação à
família que a minha profissão implicava. Só uma grande mulher e um grande amor
a mim tornaram possível este comportamento. Quero também agradecer à minha
filha Eliana, que sempre soube aceitar as consequências que para si
representavam a minha vida profissional, nunca tendo deixado de ser carinhosa
comigo. Finalmente quero agradecer à minha mão que, ao longo de toda a minha
vida me acarinhou e encorajou, apesar de nem sempre concordar com as minhas
opções de vida. A natureza da sua ajuda e apoio, tiveram para mim uma
importância excepcional, sem, as quais não teria conseguido prosseguir, em
muitos momentos da minha vida. Posso assim afirmar que tive sempre o apoio de
uma família excepcional, que foi para mim decisiva nos bons e maus momentos da
minha vida.
Lisboa,
26 de Março de 2012
Fernando
Farinha Simões
B.I. n.º 7540306
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