O 25 de Abril de 1974
Foram dias foram anos a esperar por um só dia. Alegrias. Desenganos. Foi o
tempo que doía com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia na
esperança de um só dia.
Manuel
Alegre
Resumo do dia 25 de Abril de 74
Otelo
Saraiva de Carvalho por volta das 22 horas do dia 24/4/1974 fardado com blusão
de cabedal chega ao Regimento de Engenharia Nº1, na Pontinha. É ali que o major
acompanhado de outros oficiais: Os tenentes-coronéis Garcia dos Santos e Lopes
Pires, o comandante Victor Crespo, os majores Sanches Osório e José Maria
Azevedo, o capitão Luís de Macedo…
Ali
instalam o posto de comando num pequeno anexo com as janelas tapadas por alguns
cobertores, sobre a mesa uns papéis manuscritos e um mapa de estradas do
Automóvel Clube de Portugal edição de 1973 que fazia de carta operacional com
os esboços das movimentações, sendo a base do “plano geral das operações” que
se dividia em duas zonas;
Zona
Norte que começava no eixo a sul do Porto e Lamego para norte.
Zona
Sul desse eixo para sul, dividido em quatro sectores;
Sector
Norte, até a sul de Coimbra,
Sector
Centro até norte de Santarém,
Sector
Sul daí para sul,
Sector
Lisboa que também incluía Santarém.
Dali
do Posto de Comando com o nome de código «Óscar» dão o conhecimento da situação
e as instruções às unidades militares de todo o país envolvidas nas operações. O
primeiro sinal como combinado seria dado pelo então posto “Emissores Associados
de Lisboa” às 22:55.
João
Paulo Dinis era lá locutor e fizera a tropa em Bissau sob as ordens de Otelo,
daí a escolha de Otelo. E cabe a Dinis às 22:55 dar voz e escolher a canção « E Depois do Adeus », de Paulo de Carvalho, canção vencedora
desse ano do Festival da Canção RTP e que iria a alguns dias representar Portugal no
Festival da Eurovisão.
A
segunda senha é dada na “Rádio Renascença”. Otelo fazia ponto de honra que
fosse uma canção do Zeca Afonso e estava indeciso entre «Venham Mais Cinco» e «Trás Outro Amigo Também» eram as suas preferidas mas logo os seus
camaradas fizeram notar que seriam canções muito óbvias e que iriam suscitar
desconfiança. Foi assim que o jornalista Carlos Albino sugeriu «Grândola Vila Morena» e é esta que acaba por ir para o ar no
programa «Limite» de Paulo Coelho e Leite de Vasconcelos que antes de pôr o
disco recita a primeira quadra de «Grândola Vila Morena».
São
0:20 e grande parte das forças envolvidas põe-se em movimento. O
Quartel-General da Região Militar de Lisboa é o centro nevrálgico das “Forças
do Regime”.
O
edifício é tomado pelo Batalhão de Caçadores 5 com o código «Canadá». A mesma
unidade também se encarrega de proteger a residência do general António de
Spínola, o general Francisco Costa Gomes não foi alvo de protecção porque não
dormiu em casa. Importante é também o aeroporto da Portela, operação com o
código «Nova Iorque» que fica encarregue à Escola Prática de Infantaria (EPI)
de Mafra que às portas de Lisboa a coluna militar perde-se nas ruas e becos
escuros de Camarate. Junto ao aeroporto o capitão Costa Martins esperava a
coluna da EPI e desesperava e decide neutralizar sozinho de pistola em punho a
guarda do aeroporto e entrou mesmo na torre de controle fazendo «bluff» durante
mais duma hora dizendo que o aeroporto estava cercado e para se interditar o
espaço aéreo português imediatamente.
A EPI
chegada toma de imediato conta do aeroporto e ainda neutraliza o Regimento de
Artilharia Ligeira 1 em Lisboa junto ao aeroporto. A Escola Prática de
Transmissões fazia as escutas telefónicas militares das forças do regime que
depois transmitia ao Posto de Comando. O Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz
vem a Lisboa com a missão de controlar a Ponte Sobre o Tejo, tomando posições
do lado sul do Tejo (Pragal).
Enquanto
nas colinas adjacentes à ponte de ambos os lados a Escola Prática de Artilharia
de Vendas Novas toma posições apontando baterias junto ao Cristo Rei, para o
Terreiro do Paço e Monsanto.
A
mesma unidade depois vai lá baixo à Trafaria libertar os militares que tentaram
a 16 de Março o “golpe das Caldas da Rainha” e que se encontravam presos na
Casa de Reclusão da Trafaria.
Os
órgãos de comunicação social também eram de crucial importância controla-los. Para
isso coube à RTP
(única emissora televisiva da época) ser tomada pela então, Escola Prática de
Administração Militar, (operação; código Mónaco) já que se situava na mesma
rua, (Alameda das Linhas de Torres em Lisboa). A antiga Emissora Nacional,
actual RDP na rua do Quelhas foi tomada com meios limitados pelos capitães
Oliveira Pimentel e Frederico de Morais mais 40 praças de especialidades
diversas do Campo de Tiro da Serra da Carregueira. Na rua Sampaio Pina à porta
do Rádio Clube Português estão estacionados homens do BC5 dali perto
(Campolide) chefiados pelo capitão Santos Coelho e pelo Major Costa Neves da
Força Aérea o qual no momento da tomada do RCP é questionado pelo porteiro; se
não podiam aparecer após as 9 horas da manhã, que sempre já lá estaria mais
gente para os receber!!! Costa Neves e seus camaradas forçam a entrada e é esse
o posto escolhido para emissor do MFA. Como previram que as forças do regime pudessem
cortar as ligações às antenas do RCP do Porto Alto, tal como vieram a tentar,
então a guarda das antenas ficaram a cargo da Escola Prática de Engenharia, de
Tancos que também controlou a ponte de Vila Franca de Xira e a casa da moeda em
Lisboa. Então através do RCP o MFA apresenta-se ao país pela 1ª vez às 4:26 (estava
previsto ser às 4 horas mas o engano de percurso da EPI em Camarate atrasou o
comunicado) a voz é do jornalista Joaquim Furtado: «Aqui posto de comando do
Movimento das Forças Armadas...».
A
programação é alterada e passa o hino nacional, marchas militares e canções de
protesto e de contestação. Sucedem-se os comunicados escritos por Victor Alves
e Lopes Pires no quartel da Pontinha, que eram lidos aos microfones do RCP. Mediante
esta situação os ouvintes ficam a par do desenrolar dos acontecimentos.
Mas a
missão principal cabe ao capitão Salgueiro Maia e seus homens da Escola Prática
de Cavalaria, vindos de Santarém ficam-lhes encarregues várias acções desde de
“despiste” ou seja; chamar a atenção das forças fiéis ao regime através dum
itinerário ostentatório no sentido de dispersar as capacidades inimigas. E
ainda de controlar o Banco de Portugal, a Rádio Marconi e o Terreiro do Paço. Ali,
o ministro do Exército, general Andrade e Silva perante a situação manda abrir
à picareta um buraco na parede do gabinete por onde foge mais os ministros da
Marinha, da Defesa e do Interior acompanhados de militares de altas patentes. Antes
do golpe a Marinha e a Força Aérea haviam sido contactadas para aderirem mas
garantiram a neutralidade. Mas o capitão-de-fragata Seixas Louçã que comandava
a fragata «Almirante Gago Coutinho» integrada na NATO e com grande poder de
fogo, resolve, ameaçar disparar sobre o Terreiro do Paço.
Ao
que é posta ao corrente das baterias de artilharia, já prontas a disparar,
posicionadas nas colinas junto ao Cristo Rei. A tripulação ao saber rebela-se e
ao fim da manhã a fragata retira-se e vai fundear-se no Alfeite. Momento
importante, quando a coluna EPC é interceptada na Avenida Ribeira das Naus por
tropas fieis ao regime comandadas pelos brigadeiro Junqueira dos Reis e o
tenente-coronel Ferrand d’Almeida, com tanques Patton M47. É o próprio
Salgueiro Maia que vai tentar dialogar, saindo a pé e de lenço branco na mão
hasteado e uma granada escondida na outra, ao que o brigadeiro dá ordens para
disparar sobre o capitão mas que ninguém obedece! E depois mesmo alguns tanques
de Cavalaria 7 passam-se para o lado de Salgueiro Maia. Outro momento muito
importante dá-se às 5 horas quando o Major Silva Pais director-geral da
PIDE/DGS dá conhecimento ao presidente do Conselho (função que equivale
actualmente à de primeiro-ministro), Marcello Caetano dos acontecimentos que
este ainda desconhecia. Referindo que a situação era grave e dando instruções
para se refugiar o mais depressa possível no Comando-Geral da GNR no Largo do
Carmo porque era um dos sítios que não se encontrava sitiado e que passava mais
despercebido. Mas que veio a revelar-se uma grande armadilha! Primeiro porque
soube-se da sua entrada no Quartel do Carmo às 6 horas, ao que o major Otelo
deu ordens para Salgueiro Maia se dirigir para o Largo do Carmo e sitiar
completamente o quartel para que não houvesse fugas pelas traseiras. Na ida da
coluna de Salgueiro Maia para o Largo do Carmo, uma companhia do RI 1 comandada
pelo capitão Fernandes tenta bloquear a passagem mas após curto diálogo,
passam-se para o lado dos revoltosos. Embora em telefonemas mais tarde
tentassem convencer Otelo que Caetano não se encontrava lá mas Otelo sabia que
era para as forças do regime ganharem tempo. E segundo porque quando as
individualidades mais importantes ligadas ao regime foram socorridas pelo ar,
por um helicópetero como no caso do Regimento de Lanceiros 2, esse mesmo
helicópetero tentou ajudar a fuga de Marcello Caetano, só que não havia sítio
para o helicópetero aterrar e por isso Marcello Caetano receoso permaneceu
encurralado no Quartel do Carmo com blindados apontados e ouvindo uma multidão
crescente que tinha acordado dum sono profundo ou que tinha aprendido ou
descoberto nesse dia que existiam outras coisas como democracia e liberdade… E
gritavam: Por vingança e palavras de ordem contra a ditadura e guerra colonial
e outras coisas.
Salgueiro
Maia depois terá mesmo pedido calma ao povo de megafone em punho. Mesmo que o
regime não caísse as coisas já não seriam mais como antes, o povo nesse dia
tinha ouvido coisas novas e ficou a saber em que tipo de regime e que tipo de políticos
governavam o país por isso aderiram de imediato ao Movimento das Forças
Armadas! O tempo passava a GNR não reagia numa tentativa de ganhar tempo. Maia
dá um ultimato à GNR mas nada! No Posto de Comando desesperavam e Otelo envia
um bilhete escrito a Maia: «Com metralhadoras rebenta com as fechaduras do
portão, que é para saberem que é a sério!» Ás 15:10 são dados 10 minutos.
(Temia-se que um helicópetero afecto às Forças do Regime podesse largar uma
bomba sobre as forças revoltosas no Largo do Carmo). Após o prazo esgotado, às
15:25 as metralhadoras duma viatura chaimite disparam contra a frontaria do
quartel. Como não houvera reacção da parte do quartel, passado algum tempo um
blindado toma posição de canhão apontado e é nesse momento que surgem dois
civis: Pedro Feytor Pinto e Nuno Távora, quadros da Secretaria de Estado da
Informação e Turismo, medianeiros entre Spínola e Caetano, este último
melindrado com a situação dizia: «Não quero que o poder cai na rua». Feytor
Pinto telefona a Otelo que em nome do MFA, mandata o general Spínola para receber a rendição
de Caetano. Às 18 horas, chega Spínola de automóvel com farda Nº 1. Caetano
submete-se e entrega a Spínola o poder e pede protecção. Spínola transmite a
Caetano a intenção do MFA de
o enviar para o Funchal. (Iria partir para o Funchal no dia seguinte pelas
7horas, a ele juntaram-lhe também entre outros o Presidente da Republica
Almirante Américo Tomás que durante a longa noite da revolução não deu sinal de
vida, como se não fosse nada com ele, passou o dia na sua casa no Restelo,
saindo sobre escolta para o aeroporto). E assim às 19:30 sai do quartel o
chaimite «Bula», no interior vão Marcello Caetano e António Spínola em direcção
à Pontinha, por entre uma multidão eufórica que celebra a “Liberdade” com
cravos vermelhos. Às 19:50 é emitido o comunicado: «O Posto de Comando do MFA informa que se concretizou a queda do
Governo, tendo Sua Excelência o Professor Marcello Caetano apresentado a sua
rendição incondicional a sua Excelência o General António de Spínola». Logo
após as 20 horas é lida no RCP a «Proclamação do Movimento das Forças Armadas».
E à 1:30 já do dia 26/4/74 aparecem na televisão as novas caras do poder: A
Junta de Salvação Nacional, como presidente, António de Spínola, em que lê uma
proclamação ao país:
…Um
novo regime… A democracia, a paz.
Francisco Silva
Fontes: Artigos do Jornal "Expresso", Instituto
Camões, Centro de Documentação 25 de Abril, Alvorada em Abril, Pulsar da Revolução.
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