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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O que diz a esquerda sobre Marcelo Rebelo de Sousa

Carlos de Matos Gomes
  

A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa para presidente da República Portuguesa é uma TAC à sociedade portuguesa. Nós gostamos de TAC, de ressonâncias magnéticas e exames assim. O Professor Marcelo é um assumido hipocondríaco. Estamos, os portugueses e o seu novo presidente da República, bem uns para os outros.  De parabéns. A saúde primeiro. Depois o divertimento. Muita televisão.
Entre candidatos com várias competências, os portugueses escolheram um cronista social para presidente da República. Desde 1999, data em que saiu da presidência do PSD, que o Professor Marcelo tem como actividade mais visível a crónica social nas televisões. Como cronista social, o Professor Marcelo critica eventos sociais e políticos, sem nunca tomar posição sobre qualquer assunto. É a função do cronista. Não foi o cronista Fernão Lopes que combateu em Aljubarrota, nem que se apresentou às cortes para assumir a responsabilidade de reinar.
O Professor Marcelo tem sido a mosca de que os portugueses comuns dispõem no mundo dos “famosos” da política ou da finança. Ele voa, poisa aqui e ali, no ombro deste e no rego dos seios daquela e depois surge dominicalmente nos ecrãs a classificar as atitudes e os comportamentos dos que participaram nos eventos: o primeiro ministro esteve bem, já a ministra estava assim-assim.  A viagem do secretário foi um flop. Mas o discurso do governador foi muito bem conseguido. Fulano está firme. Cicrano está periclitante. Há coisas que, embora sejam verdade, não podem ser ditas. Um ponto negativo, portanto. Para a semana cá estaremos, Judite.
Os portugueses e as portuguesas gostam de saber o que se passa no mundo dos ditos famosos, no Conselho de Estado, por exemplo – e o Professor Marcelo é membro do Conselho de Estado. E gostam de saber o que se passa nas altas esferas da banca e o Professor Marcelo é amigo e convidado dos banqueiros. Os portugueses não querem saber a opinião do cronista sobre os problemas que foram discutidos. Os portugueses não querem saber se nos mantemos no euro, ou se a dívida é sustentável. Os portugueses querem saber o que o Professor Marcelo lhes tem a dizer sobre a rasteira que Passos Coelho passou ao Paulo Portas e que levou o tartamudo do ministro Gaspar a ir para o FMI e ser substituído por Maria Luís, antiga professora de Passos Coelho. O Professor Marcelo sabe que é isso que os portugueses querem saber. Que são estes truques e fintas que para eles são a política, a alta política. O Professor Marcelo, sabe, como o Correio da Manhã, que os portugueses o que querem saber é das facadas que foram dadas nos eventos em que o Professor Marcelo esteve, ou podia ter estado. E, para apaziguar consciências, o Professor Marcelo faz uma citação do Papa Francisco. Benção Urbi et Orbi.
Há uns anos esta actividade de cronista social tinha muito público, mas era pouco considerada. Muitos dos cronistas até assinavam com pseudónimo, eram a Pitonisa – o Indiscreto – o Periscópio.  Andavam pelas páginas da Maria, primeiro, depois da Gente, mais tarde da Caras. Foram subindo os degraus da fama entre os que falam dos famosos.  O Professor Marcelo elevou esta actividade rasteira à categoria de sermão papal das varandas da basílica de São Pedro. Ele é hoje o Papa da crónica social. Tem altar nas televisões. O mérito a quem o merece.
O cronista social, que no caso do Professor Marcelo assumiu a dignidade de “comentador político” é a evolução – o up grade – do antigo mexerico, do murmúrio de café e barbeiro. Os portugueses pelam-se por mexericos. Logo, escolheram para presidente o Professor Marcelo. Estão bem servidos.
O mexeriqueiro, tal como o cronista, tem uma enorme vantagem sobre os restantes cidadãos que agem, que fazem, que tomam decisões: aponta os argueiros nos olhos dos outros e assim desvia as atenções dos seus.  Há mais de dois milhões de portugueses que nunca viram um argueiro no olho do Professor Marcelo e nunca duvidaram das suas palavras. É um share televisivo impressionante. Vai ser difícil substituí-lo.
Mas agora o Professor Marcelo tem um problema: é ser o Professor Marcelo. O que é um nome artístico, um bom nome para ilusionista, por exemplo. Ele nunca quis ser o professor Rebelo de Sousa, assumir a seriedade, a gravidade e a responsabilidade de uma linhagem. Ele quis ser o Professor Marcelo, uma personagem do espectáculo, dos eventos, um socialite.
O presidente que foi eleito dia 24 tem duas opções, ou mata o Professor Marcelo e passa a ser o presidente Rebelo de Sousa, que os portugueses não conhecem e não elegeram, mas que pode dar uma aparência de normalidade e bom senso à função, transmitir alguma confiança, enfim. Ou mantém o registo com que foi eleito: O espectáculo do Professor Marcelo agora em Belém, depois de uma longa temporada de sucesso nas televisões! Sinceramente, prefiro esta segunda hipótese. O Professor Marcelo vive feliz no seu papel. Que haja um português feliz na presidência da República, é o meu voto. Rebelos de Sousa há muitos.
Do pensamento do político e académico do professor Rebelo de Sousa conhecem-se três obras: “A revolução e o nascimento do PPD”, a fotobiografia do pai, Baltazar Rebelo de Sousa e o manual universitário Direito Administrativo Geral, com André Salgado de Matos – embora o Professor Marcelo se apresente como constitucionalista e não como administrativista. É alguma coisa, embora eu me dê mal com qualquer administração e considere os seus direitos sempre excessivos e em meu desfavor.
Tudo o resto a propósito do Professor Marcelo são crónicas e fait divers de um tipo divertido e reinadio. Historietas de um primo que todos temos nos ministérios e que nos conta o que ouve entre portas. Os portugueses esperam ter notícias e comentários em primeira mão, agora que o Professor Marcelo ocupa o mais importante estúdio da nação.
Viva a República Televisiva Portuguesa.

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