A náusea
Por Rita Ferro
Conhecem aquele tipo de beatas ou ratas de sacristia, essas
matronas que se apoderam das igrejas católicas, mudam as dálias do altar, barricam o acesso aos padres
e lhes engomam os paramentos em êxtases ambíguos, destratando os humildes e adiantando-se nas naves
para serem as primeiras a comungar, de olhos em alvo e estendendo, papudas, as mãos à hóstia? Essas,
precisamente! E sabem por que motivo me enervam mais do que qualquer pecador
cristão? É simples: porque não pecam na casa delas, mas na de Jesus.
Ora bem. É seguindo a mesma lógica que certos socialistas me
revoltam mais do que qualquer burguesia exploradora, pelas mentiras, falcatruas
e conspiratas que fazem, servindo-se dos clichês humanistas para depois se borrifarem nos
pobres, aburguesando-se num crescendo assustador e apoderando-se, um a um, de
todos os confortos dos ricos ou do que entendem por «alta sociedade»: o carrito de luxo, a casita com piscina, a contita na Suíça - tudo ambições humanas, mas anãs.
Ao contrário, a Direita, sendo egoísta, comodista, diletante,
individualista - tudo o que quiserem, reconheço - ao menos não mistifica as
suas prioridades!
Em suma: não há partidos, há pessoas, e a ambição é comum às
duas margens, já o sabemos. Mas a de alguns socialistas é tão execravelmente hipócrita que acaba por enojar quem,
como eu, neta de salazaristas,
foi tão pronto a entender a bênção da democracia que chegou a dar-lhes,
penitente e escrupuloso, o benefício da dúvida.
O exemplo começou com o mais emblemático dos paladinos da
liberdade e da justiça: El Rei Dom Mário Soares e os seus
sucessivos mercedes de luxo, personalizados como um monograma, os tailleurs Chanel da Maria Barroso, talhados no Ayer, e as suas casinhas na cidade, serra e praia, para se
aquecerem ou refrescarem consoante as estações do ano - e, finalmente, até uma
Fundação para se distraírem na reforma; décadas depois, a coisa refinou: temos
o Sócrates a vestir-se por estilistas da Rodeo Drive de Los Angeles, a ministrada antifascista
a rolar em séries 5, e os quadros estratégicos das empresas públicas a ganharem
salários que nem os banqueiros ganham - mete nojo!
(Atenção: escreve-vos a sobrinha de um Diretor Geral do
Turismo *, casado e com cinco filhos, de rendimento modestíssimo, que, em Abril
de 74, foi enjaulado em Caxias como um vulgar delinquente por alegado crime de
peculato, por gastar - segundo a grelha da (in)Justiça Revolucionária - «demasiada água do Luso»!
Miseráveis: não lhe arranjaram mais nada! E agora digam-me: visitar um tio na
prisão por servir garrafas de água, nas funções representativas que ocupava, e ter de encará-lo atrás
das grades prostrado pela desonra, para agora ver esta maltosa arrivista em lugares-chave, alguns
deles profundamente desconhecedores de maneiras ou protocolo, a jantarem no Eleven e a regarem-se a Chivas?)
Palavra de honra: antes os políticos comunistas e bloquistas
– autistas no seu radicalismo anacrónico e obviamente perigosos num cenário de
poder – mas, apesar de tudo, com outra face, outra decência, outra coerência
doutrinária!
E digo-vos mais: nem deveria ser gente como eu, apenas
crítica ou sangrando sobre os escombros de uma pátria pilhada e demolida, a
revoltar-se, mas os próprios socialistas, honestos e convictos da consistência da sua ideologia, a demarcarem-se,
exigindo o afastamento de quem tão gravemente os embaraça, compromete e, por
associação, os arrasta para este lodo de troça e de descrédito!
E só digo mais isto: coitados dos militares de Abril, analfabetos,
que alinharam: foram usados! Cravos, sim, mas foi para lhes pregarem as mãos!
*
Engº Álvaro José Ferreira Roquette, meu tio adorado que partiu
sem rancores
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