Na versão do Ministério Público, as contas bancárias de João Perna terão
sido usadas para fazer circular dinheiro de Santos Silva para Sócrates. Os
fundos terão servido para pagar condomínio, viagens, roupa e outras despesas
No dia 10 de maio de 2012,
João Perna, o antigo motorista de José
Sócrates e um dos arguidos do processo Operação Marquês, depositou um cheque de 15 mil euros passado
pelo empresário Carlos Santos Silva, arguido em prisão preventiva, na sua
conta bancária. Quatro dias depois, outro
cheque, desta vez emitido por João Perna, no mesmo montante, foi depositado na
conta do seu então patrão, José Sócrates. Este é um dos dados recolhidos
pela investigação que leva o Ministério Público a sustentar que as contas
bancárias do ex-motorista foram utilizadas para que Sócrates evitasse uma
ligação direta com o seu amigo Carlos Santos Silva.
Já a 8 de
julho do ano passado, João Perna
depositou dois mil euros em numerário da
sua conta. E, um dia antes, verificou-se que Carlos Santos Silva levantou quatro
mil euros das suas contas bancárias. Naquele mesmo dia, o
motorista transferiu os mesmos dois mil euros para o patrão. Os
exemplos de transferências entre ambos sucedem-se ao longo do despacho do juiz
Carlos Alexandre que, em novembro de 2014, decretou a prisão preventiva para
ambos (mais tarde, porém, alterou a medida de coação de João Perna para prisão
domiciliária).
A investigação recolheu vários
exemplos que, na sua opinião, mostram como não há outra explicação possível que
não a de que o verdadeiro dono do dinheiro era Sócrates e não o empresário
Carlos Santos Silva. Há suspeitas de que um contrato de
arrendamento do apartamento de Paris foi falsificado.
"Propriedades"
tramam advogado
As "propriedades" de um documento acabaram por confirmar a
suspeita: José Sócrates, tal como o contrato de arrendamento em causa afirmava,
não pagou uma renda de três mil euros/mês a Carlos Santos Silva pelo
apartamento em Paris. Apesar de nele constar a data de 30 de dezembro de 2012
como início do contrato de arrendamento, o ficheiro só foi criado a 5 de
fevereiro de 2014, numa altura em que circulavam várias notícias sobre a
aparente vida de luxo que o antigo primeiro-ministro levava em Paris, sem que
lhe conhecessem rendimentos para a suportar. Confrontado no primeiro
interrogatório, Santos Silva admitiu que emprestou o imóvel a Sócrates. Porém,
o facto de, mesmo não pagando renda,
terem sido pagos impostos em França levou o Ministério Público a concluir
que os arguidos tudo fizeram para criar um aparente clima de legalidade,
sujeitando-se mesmo a perder dinheiro. Para o procurador, a forma como o apartamento
foi comprado e como Sócrates, apanhado em escutas telefónicas, de certa forma
liderou todo o processo de remodelação do mesmo, levou Rosário Teixeira a
concluir que, ao contrário do que parece, a casa é do antigo primeiro-ministro.
2,6 milhões para direitos do futebol
A investigação do processo Operação Marquês suspeita que
José Sócrates e Carlos Santos Silva financiaram, em 2011, a compra dos direitos
televisivos da Liga espanhola feita por uma empresa de Rui Pedro Soares,
ex-administrador da PT e atual presidente da SAD do Belenenses. As suspeitas foram
consideradas pelo juiz Carlos Alexandre e reafirmadas pelo procurador na
resposta aos recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa. Segundo o MP,
Sócrates e o empresário entraram no capital da empresa de Rui Pedro Soares
através de uma sociedade espanhola, a Walton Grupo Inversor, em que Santos
Silva também é investidor. O dinheiro para a operação foi movimentado a partir
de duas contas do BES em nome de Santos Silva, mas que o MP diz serem de Sócrates.
Em dezembro, em declarações ao DN, o advogado e irmão de Rui Pedro Soares negou
o envolvimento do ex-primeiro-ministro no negócio da compra dos direitos
televisivos. Por sua vez, a advogada de Carlos Santos Silva acusa o MP de fazer
presunções neste caso, isto é, se Carlos Santos Silva fez negócios com pessoas
próximas de Sócrates é porque este também está envolvido e é no seu interesse.
Ex-mulher beneficiou de 1,2 milhões
Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, também terá sido uma das
beneficiadas com dinheiro, formalmente na esfera de Carlos Santos Silva, mas
que o MP diz pertencer ao ex--primeiro-ministro. O procurador aponta dois
negócios em que Sofia Fava terá saído a lucrar e muito. O primeiro envolve a
compra de um apartamento da ex-mulher do ex-primeiro-ministro por uma sociedade
ligada ao amigo. Santos Silva,
recorrendo aos milhões que trouxe da Suíça, terá pago 400 mil euros pelo
imóvel, valor acima do preço de mercado para o MP, já que depois revendeu-o
apenas por 250 mil. O segundo
negócio prende-se com a compra do Monte das Laranjeiras, em Montemor, feito por
Sofia Fava. Uma vez mais, Santos Silva terá estado por trás do negócio. Primeiro,
como fiador, depois dando emprego numa empresa à ex-mulher de Sócrates, que
passou a auferir um rendimento de 4900 euros/mês, um valor um pouco superior à
prestação a que estava obrigada. Para Rosário Teixeira, todos estes
negócios tinham uma mão escondida atrás do arbusto: o ex-primeiro-ministro,
que, utilizando o dinheiro, conseguiu proporcionar um elevado nível de vida a
pessoas que lhe eram próximas.
Restantes "despesas correntes"
Só em entregas em numerário, José Sócrates terá recebido um pouco mais de
600 mil euros, os quais, segundo o MP, lhe eram entregues em envelopes pelo
antigo motorista, João Perna, por Carlos Santos Silva ou até pela mulher deste
e pelo advogado Gonçalo Trindade Ferreira. Além deste "dinheiro de
bolso", o antigo primeiro-ministro também terá recorrido ao dinheiro
controlado pelo seu amigo para custear viagens (a investigação contabilizou 200
mil euros), para empolar as vendas do livro A Confiança no Mundo, 170 mil
euros, tendo alguns dos intervenientes no plano começado a dirigir-se a
estabelecimentos com pagamentos automáticos, já que em algumas livrarias os
funcionários começaram a questionar as elevadas compras, para pagamento de
colaboradores, como o próprio João Perna, e
há ainda registos de pagamentos e transferências para Sandra Cristina Santos, que
terá recebido 92 mil euros. Aliás, a investigação terá ainda recolhido
conversas telefónicas, nas quais aquela mulher telefona para Sócrates, pedindo
dinheiro. De acordo com informações recolhidas pelo DN, trata-se de uma mulher
que reside na Suíça e que poderá ser chamada ao processo.
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