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terça-feira, 3 de março de 2015

A prisioneira da cela 43 e o pesadelo dos juízes mártires

(Médica, escritora e activista cívica
"Coação de funcionário" é crime de sangue? Como se coa um funcionário?

A reflexão sobre a porosa barreira que separa os sistemas político e judicial na organização do Estado está na ordem do dia.

Na demanda abstracta de "quem nos guarda de quem guarda os guardas", vim a reencontrar Rui Sá Gomes, supremo guardião do chilindró, hoje anfitrião do ex-primeiro-ministro de cujo primeiro Governo foi secretário de Estado da Administração Interna.
 Socialista, maçon, ex-espião do Serviço de Informações de Segurança (SIS), é a mesma pessoa que, há meses, participou disciplinarmente do juiz Rui Teixeira por este ter rejeitado uma peça processual em "acordês", exigindo a redacção em português costumeiro.

Perante tal rigor do juiz que ousara abrir o vespeiro Casa Pia (já no desterro, com a carreira travada por três conselheiros nomeados pelo PS), o carcereiro-mor imputou-lhe três crimes: denegação de justiça, abuso de poder e coacção de funcionário. A participação chegou ao Conselho Superior da Magistratura (organismo que nunca se "acordizou") convertida a essa mixórdia iliteracizante também designada por "cavaquês-socratês", suscitando problemas de interpretação. "Coação de funcionário" é crime de sangue? Como se coa um funcionário?
A década em que Sá Gomes foi espião operacional começou quando Rui Pereira assumiu a chefia do SIS. Ao receber a pasta da Administração Interna no primeiro Governo Sócrates, Rui Pereira fê-lo seu secretário de Estado. Quando Rui Pereira deixou a Administração Interna, já no segundo Governo Sócrates, iniciou mandato de nove anos como juiz do Tribunal Constitucional (TC), substituindo a sua mulher, Fernanda Palma, que acabara de cumprir os seus nove anos, tal como Maria dos Prazeres Beleza, esta também substituída no TC pelo marido, José Gabriel Queiró. Sucessão conjugal.

Nos corredores em circuito fechado do poder, vasos comunicantes, as dinastias dos juristas da res publica.
Voltando a Rui Sá Gomes, após estar no Governo, regressou no final de 2009 à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais para que fora nomeado por António Costa, então ministro da Justiça, e acumulou, passados dez meses, a Direcção-Geral da Reinserção Social, até que estes dois cargos foram fundidos num só, dois anos depois. Foi mantido director-geral da Reinserção e Serviços Prisionais pelo actual executivo.
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Disse, então, alguém do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: "Tive um caso de uma família que foi sequestrada e violentamente agredida na sua casa. Os autores foram apanhados, julgados e condenados a 20 anos de prisão. Daqui a cinco é-lhes concedido, por um simples acto administrativo, o regime aberto. A família, que estava descansada na sua casa, confiando que eles estavam presos, vê-os na rua. O que é que dizemos a esta família? Olhem, o sr. director das prisões diz que eles estão presos." (Diário de Notícias, 10/4/2010)
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A prisão de Évora destina-se a reclusos que exijam protecção especial. 
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Creio que, através do seu gesto, o juiz Rui Teixeira pretendeu atender com prioridade a esta situação desumana, mas foi-lhe vedado o acesso ao estabelecimento prisional. Com a Língua-Mãe em isolamento, os seus filhos menores vivem uma orfandade decretada por acto administrativo, impotentes, vulneráveis. Já Mário Soares, inimputável vitalício como decorre da imunidade de membro vitalício do Conselho de Estado, pode entrar na prisão de VIP quando quiser e dizer o que quiser sobre qualquer magistrado. Sim, perante um Mário Soares, o que pode um Rui Teixeira a quem a mera preservação da dignidade do seu tribunal, enquanto órgão de soberania, valeu um processo disciplinar por alegado abuso de poder?
Com isto, retomo a temática filosófica proposta no início.
"Filosofia" significa "amor à sabedoria". Tratando-se do Sócrates aspirante a filósofo post-socrático, "filosofia" toma inicial minúscula e adquire contornos de "gostar de pensar que a sabe toda". A Filosofia é feita de interrogações difíceis. Uma das menos cogitadas, neste caso, terá sido "Até quando?".
Entre a Filosofia e a Psicologia está a questão d'A Confiança no Mundo, título dado por Sócrates ao seu livro-dissertação. (Recorda-me o nome Lucky Me dado a um barco de recreio destinado a aportar onde aportou...)
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No primeiro grupo, vejo magistrados como Pinto Monteiro e Noronha Nascimento, respectivamente o procurador-geral da República que destruiu as transcrições das escutas de conversas entre José Sócrates e Armando Vara no âmbito do processo Face Oculta e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça que ordenou essa destruição de provas. Apesar de esta ordem ter sido dada ao Tribunal de Aveiro, foi Pinto Monteiro quem acabou por cumpri-la, e de forma bizarra, fazendo recortes nas páginas do processo onde podiam ler-se as transcrições. Tão confiantes como o autor, ambos estes magistrados estiveram no lançamento d'A Confiança no Mundo, livro apresentado por Mário Soares e Lula da Silva, era já José Sócrates consultor da Octapharma como especialista no potencial da América Latina em geral e do Brasil em particular.
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Em 2003, terá sido o PS a dar à SIC a "cacha" sobre a deslocação de Rui Teixeira à Assembleia da República (AR), necessária para apresentar o mandado de detenção do deputado Paulo Pedroso, suspeito de crimes de abuso sexual de crianças, ao presidente da AR, para que fosse levantada a imunidade parlamentar. Este acto, que de outro modo não teria sido filmado, foi depois publicitado como uma humilhação pública perpetrada pelo juiz.
Em Novembro último, foi o próprio José Sócrates quem, de Paris, avisou a SIC de que seria detido mal aterrasse em Lisboa, para vir depois carpir o coro de indignados pelo gratuito vexame mediático a que fora sujeito, ainda que pudesse embarcar de seguida noutro voo, quiçá para a América Latina. Um dos que se disseram "em choque" com o sucedido foi, naturalmente, Paulo Pedroso.
Tive um pesadelo: um mar de gente desfilava com cartazes negros onde se lia "Je suis Rui Teixeira", "Je suis Carlos Alexandre", e a SIC emitia em "direto", voyeuse.
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Este é o país onde alguém com o percurso político de Santana Lopes, desde que decida anunciar-se candidato à Presidência da República, é tornado credível para o efeito pelas sondagens e "politólogos" de serviço. Abstraindo do longo anedotário, bastaria – se ponderação houvesse – ponderar como o actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem utilizado as receitas dos jogos sociais para uma "obra assistencial" que assiste aos seus mais diversos fins. Tal é o caso do meio milhão de euros dado como contributo para a edição "acordizada" da obra completa do Padre António Vieira, pelo Círculo de Leitores (pertencente ao Grupo Porto Editora). O maná dos jogos serviu assim a Santana Lopes para subsidiar a ridicularização do legado do "Imperador da Língua Portuguesa", na fuga-para-a-frente de tentar comprar com dinheiro alheio a aceitação do obsceno tratado que ele próprio assinou, mandatado por Cavaco Silva e autorizado por Mário Soares.
Sim, este é o país onde Dias Loureiro pode andar às compras na Avenida da Liberdade sem ser incomodado. Parecemos um povo alienado, analfabeto, doente de uma apatia atávica.
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Seja como for, antes que haja algum "acidente", para que me não doa a consciência, e ainda que vá presa, eu digo já: je suis Carlos Alexandre, je suis Rui Teixeira! Et vous?
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