“Os portugueses têm €30 mil milhões na Suíça”
Gabriel Zucman, autor do “best seller” mundial “A
Riqueza Oculta das Nações”, diz em entrevista que há €30 mil milhões de
portugueses na Suíça. E estima que 80 por cento seja de evasão fiscal.
Nesse caso, serão €24 mil milhões não declarados. Nem tributados. A
Europa é muito mais rica do que julga
TEXTO LUÍS M. FARIA
A Europa é muito mais
rica do que julga, e o chamado Estado social é sustentável – se todos os
ativos que devem estar sujeitos a imposto forem conhecidos. Esta é a
ideia subjacente ao livro “A Riqueza Oculta das Nações”, agora publicado
pela editora Temas e Debates. O autor, Gabriel Zucman, é um economista
francês de 28 anos. Tem trabalhado com o seu compatriota Thomas Piketty,
figura central nos atuais debates sobre desigualdade nos Estados Unidos
e na Europa. Piketty ocupa-se diretamente da desigualdade, Zucman de um
dos seus principais instrumentos: a evasão fiscal. Medi-la com alguma
precisão tornou-se finalmente possível, mas ainda falta saber imenso.
Quando uma empresa de um país A (digamos, França) tem sede fictícia num
país B (por exemplo, Irlanda), eventualmente a coberto de outro nome, e
deposita formalmente num país C (Suíça) o dinheiro que na realidade
investe de várias formas (ações, títulos, fundos de investimento) em
outros países, como seguir o rasto? Zucman acha que se consegue.
Anteontem falou ao Expresso Diário por telefone a partir da Universidade
da Califórnia, uma das instituições onde ensina.
A sua tese parece feita à medida para a atual era de austeridade. Quer explicar como começou?
Este livro é o resultado de quatro anos de pesquisa. É a
súmula do doutoramento que fiz em Paris sobre evasão fiscal – como
medir melhor a riqueza offshore, e os efeitos que ela tem nas
estatísticas sobre os investimentos em muitos países. Quando comecei,
estávamos no princípio da crise financeira. Ao olhar para as
estatísticas, via-se que nos paraísos fiscais existiam biliões de que
não se falava. Tentei perceber o que era legal ou ilegal, o que esses
fluxos de capital significavam para o rendimento fiscal dos governos.
A minha segunda motivação foi o interesse que tenho em
desigualdades. Geralmente mede-se a desigualdade utilizando os dados dos
sistemas fiscais, mas dessa forma fica esquecido muito rendimento e
muita riqueza.
Teve logo a perceção de que, se o que era esquecido
fosse levado em consideração, a Europa talvez não estivesse numa posição
tão difícil?
Não, ao princípio não foi óbvio. Eu não estava de todo
convencido que fosse um problema assim tão importante. Descobri-o ao
fazer esta pesquisa. Demorei algum tempo a perceber que cerca de 8 por
cento da riqueza mundial das famílias, uns 5,8 biliões de euros, se
encontrava em paraísos fiscais. Isso tem consequências importantes para
compreender a crise da dívida na Europa. Em países como Portugal, há a
noção de que o governo tem uma dívida imensa, e tem, mas é muito
inferior à riqueza no setor privado. Em geral existem muito mais ativos
do que dívida, e isso é ainda mais verdade quando se tem em conta os
ativos colocados no estrangeiro.
Está a falar de ativos privados no seu todo, ou apenas dos escondidos?
Estou a falar de ativos privados em geral. É importante localizar todos, incluindo os que estão escondidos.
Deu o exemplo de Portugal. O que sabe sobre a situação aqui?
Sei que podemos ter uma noção sobre o montante da
riqueza detida por residentes portugueses em bancos suíços, pois essa
informação é publicada pelo Banco Nacional Suíço. A estimativa, para o
final de 2013, é de 30 mil milhões de euros.
Que percentagem disso é evasão fiscal? Temos alguma forma de saber?
Não há nenhuma forma perfeita de estimar. Porém, as
autoridades fornecem informação sobre quanto do que está depositado na
Suíça é declarado nos respetivos países de origem. Mais de 80 por cento
não é declarado às autoridades fiscais. Penso que é razoável ter em
mente esse número de 80 por cento. Isso pode mudar no futuro, à medida
que houver mais cooperação, mais trocas de informação entre a Suíça e
outros países. Mas neste momento poderemos assumir que, dos 30 mil
milhões que os portugueses têm na Suíça, uns 80 por cento não são
declarados ao fisco.
No seu livro, recomenda três tipos de medidas. Um
tem a ver com informação, outro com declarações que é necessário
tornarem-se automáticas, e finalmente outro refere-se a mudanças na
taxação. Por onde se deveria começar?
Acho que a prioridade número 1 neste momento, é criar
um registo financeiro mundial. Seria a forma de controlar títulos
soberanos, ações em empresas, participações em fundos de investimento,
produtos derivados, ao nível global. Se não se pode medir quem detém a
riqueza, é muito difícil taxar. Há séculos que temos registo dos
proprietários de prédios, mas ainda não temos um registo financeiro
equivalente. Ou pelo menos, a autoridade fiscal não o utiliza. Na
verdade já existem registos desses, mas são geridos por entidades
privadas, e não utilizados com propósitos fiscais ou de regulamentação. O
principal objetivo de política é criar um registo financeiro que seja
gerido por uma autoridade pública e possa ser usado para medir melhor a
fraude, os fluxos de capital, as posições internacionais de
investimento.
Claro que não pode ser criado nos próximos anos, mas é
razoável pensar que o será até ao final da década. Porque a informação
já existe. Apenas tem de ser combinada, fundida, e transferida para um
órgão público.
«
Em países como Portugal, há a noção de que o governo
tem uma dívida imensa, e tem, mas é muito inferior à riqueza no setor
privado. Em geral existem muito mais ativos do que dívida
Considerando que o dinheiro manda bastante na política, ou pelo menos assim se diz, a sua proposta é realista?
Acho que é realista. Há cinco anos, ninguém esperava
progresso nestas áreas. A troca de informações era vista como
completamente impossível, por razões políticas. Dizia-se que a Suíça
jamais cooperaria. E no entanto, houve progresso. A Suíça envia
informação para os EUA, e estamos a encaminhar-nos no sentido da troca
automática. Acontece que é uma evolução limitada. Temos de ir mais
depressa, ser mais ambiciosos. Embora o dinheiro tenha poder, também há
muita pressão por parte dos cidadãos para haver justiça, uma repartição
mais equitativa da carga fiscal. Estou otimista. Acho que no fim da
década haverá progressos significativos no combate à evasão fiscal.
Quanto às outras medidas que defende, em especial as sanções comerciais…
É essencial que todos os paraísos fiscais colaborem. Se
for só a Suíça mas não Hong-Kong, o Panamá, qualquer esforço falhará.
Atualmente, cada paraíso fiscal tem um grande incentivo para manter o
segredo, pois isso gera rendimentos e negócios. O modo de lidar com isso
é ameaçá-los com sanções. Se todos forem submetidos a tarifas
aduaneiras que sejam pelo menos no montante do que ganham com os seus
serviços de evasão fiscal, passa a ser no interesse deles colaborar.
A pressão maior virá de onde? Da Europa, dos Estados Unidos?
A pressão principal virá dos EUA, e depois de certos
estados vitais na Europa. Os EUA são um quarto da economia mundial e se a
União Europeia falar a uma só voz obterá tudo o que quiser. Nenhum país
pode ficar isolado do comércio com esses dois grandes blocos.
Mas se até medidas que parecem menos complexas, como
a taxa Tobin ou, digamos, impor limites decentes a bónus, se revelam
tão difíceis de implementar... Isto deve ser muito mais difícil.
Acho que se verifica uma indignação crescente em
relação à evasão fiscal. Ela tem de acabar. Mostrar claramente como é,
citar números, dizer quanto nos custa, é algo que porá muita pressão
sobre os governos. E como referi, há cinco anos também se dizia que
nunca ia acontecer nada nesta área, porém aconteceu.
Note que não advogo sanções comerciais neste momento.
Sou a favor do comércio livre e contra tarifas em geral. O que defendo é
a ameaça de sanções. Assim têm feito os EUA, e com sucesso. Precisamos
de aplicar a mesma lógica na Europa.
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