Justiça
por Inês Cardoso , Publicado em 18 de Novembro de 2010
Dizer caralho perante o comandante será crime de insubordinação? O caso andou 14 meses na justiça, mas a Relação de Lisboa diz que não.
A palavra caralho, dita no meio de uma discussão, pode dar que fazer a um juiz. Tanto que uma conversa entre dois militares da GNR - um cabo e o seu comandante - andou 14 meses em análise, primeiro por um juiz de instrução e depois no Tribunal da Relação de Lisboa. Todos os magistrados estiveram de acordo: o termo pode ser "ético-socialmente deselegante", mas não justifica "reprovação penal militar". Está dentro do que o juiz relator Calheiros da Gama designa por "linguagem de caserna", trocada num âmbito restrito e em sinal de "mera virilidade verbal".
O acórdão tem alguns traços invulgares, mas parte de uma acusação séria. O cabo B. era acusado do crime de insubordinação por outras ofensas, previsto no Código de Justiça Militar. Tudo porque a 4 de Agosto do ano passado reagiu mal quando o comandante lhe recusou uma troca de turno, pedida por razões familiares. "Não dá para trocar, então pró caralho", admitiu ter respondido. Perante o juiz, justificou não ter intenção de ofender, mas apenas de dar conta da irritação que a recusa lhe tinha causado.
O inquérito foi conduzido pela Polícia Judiciária Militar e, uma vez terminado, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa deduziu acusação. Mas o arguido requereu abertura da instrução e o juiz acabou por lhe dar razão. Não só ordenou o arquivamento do caso, como fez uma crítica à intervenção dos investigadores. "Fica todo um trabalho ingente da Polícia Judiciária Militar, do DIAP e do TIC, patente nas dezenas de horas despendidas, para aquilatar o que ocorreu naquele posto em 4/8/2009, às 15h30."
Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu. E a Relação de Lisboa acaba de concordar com o juiz de instrução, recusando que o caso seja levado a julgamento. Lembrando que "um certo militarismo" tende a vincar em demasia princípios da ordem e da hierarquia, os desembargadores afirmam que por vezes há excessos. "Excessos na linguagem e na abertura de procedimentos disciplinares ou penais, como, com o devido respeito, se nos afigura ter sucedido no contexto dos presentes autos."
Para a decisão contou a forma como os dois militares em causa continuam a relacionar-se, não tendo valorizado o incidente já ultrapassado. E contou também o contexto e a expressão exacta utilizada. Socorrendo-se dos dicionários da Priberam e da Porto Editora, o juiz relator sublinha que "dizer para alguém ''vai para o caralho'' é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade ''ai o caralho'' ou simplesmente ''caralho'', como parece ter sucedido na situação em apreço". No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto no segundo será sinal de espanto, impaciência, irritação ou indignação.
A comprová-lo, são citados acórdãos que suscitaram decisões diversas. Em 1997, um acórdão da Relação de Lisboa condenou um agente da PSP pelo crime de injúrias, por ter dito a um subchefe "vai para o caralho". Noutro acórdão da Relação do Porto, de 2003, o termo é usado de forma "boçal" mas sem visar ofender a pessoa a quem se dirigia, sendo por isso destituído de relevância penal.
Para que não restem dúvidas, o juiz faz uma pequena dissertação sobre o termo, que terá a sua origem no latim "caraculu" e significaria, para alguns, "pequena estaca", enquanto outros o atribuem ao topo do mastro principal das naus - "ou seja, um pau grande". Usando abundantes exemplos, o acórdão lembra que a palavra pode ser usada para representar algo excessivo, qualificar uma coisa boa, expressar admiração, impaciência e irritação ou simplesmente funcionar como "verdadeira muleta oratória".
O acórdão tem alguns traços invulgares, mas parte de uma acusação séria. O cabo B. era acusado do crime de insubordinação por outras ofensas, previsto no Código de Justiça Militar. Tudo porque a 4 de Agosto do ano passado reagiu mal quando o comandante lhe recusou uma troca de turno, pedida por razões familiares. "Não dá para trocar, então pró caralho", admitiu ter respondido. Perante o juiz, justificou não ter intenção de ofender, mas apenas de dar conta da irritação que a recusa lhe tinha causado.
O inquérito foi conduzido pela Polícia Judiciária Militar e, uma vez terminado, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa deduziu acusação. Mas o arguido requereu abertura da instrução e o juiz acabou por lhe dar razão. Não só ordenou o arquivamento do caso, como fez uma crítica à intervenção dos investigadores. "Fica todo um trabalho ingente da Polícia Judiciária Militar, do DIAP e do TIC, patente nas dezenas de horas despendidas, para aquilatar o que ocorreu naquele posto em 4/8/2009, às 15h30."
Inconformado com a decisão, o Ministério Público recorreu. E a Relação de Lisboa acaba de concordar com o juiz de instrução, recusando que o caso seja levado a julgamento. Lembrando que "um certo militarismo" tende a vincar em demasia princípios da ordem e da hierarquia, os desembargadores afirmam que por vezes há excessos. "Excessos na linguagem e na abertura de procedimentos disciplinares ou penais, como, com o devido respeito, se nos afigura ter sucedido no contexto dos presentes autos."
Para a decisão contou a forma como os dois militares em causa continuam a relacionar-se, não tendo valorizado o incidente já ultrapassado. E contou também o contexto e a expressão exacta utilizada. Socorrendo-se dos dicionários da Priberam e da Porto Editora, o juiz relator sublinha que "dizer para alguém ''vai para o caralho'' é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade ''ai o caralho'' ou simplesmente ''caralho'', como parece ter sucedido na situação em apreço". No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto no segundo será sinal de espanto, impaciência, irritação ou indignação.
A comprová-lo, são citados acórdãos que suscitaram decisões diversas. Em 1997, um acórdão da Relação de Lisboa condenou um agente da PSP pelo crime de injúrias, por ter dito a um subchefe "vai para o caralho". Noutro acórdão da Relação do Porto, de 2003, o termo é usado de forma "boçal" mas sem visar ofender a pessoa a quem se dirigia, sendo por isso destituído de relevância penal.
Para que não restem dúvidas, o juiz faz uma pequena dissertação sobre o termo, que terá a sua origem no latim "caraculu" e significaria, para alguns, "pequena estaca", enquanto outros o atribuem ao topo do mastro principal das naus - "ou seja, um pau grande". Usando abundantes exemplos, o acórdão lembra que a palavra pode ser usada para representar algo excessivo, qualificar uma coisa boa, expressar admiração, impaciência e irritação ou simplesmente funcionar como "verdadeira muleta oratória".
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