As Quatro Estações, na verdade, são os 4 primeiros concertos de uma série de 12, publicados em Amsterdam em 1725 como Opus 8 e sob o título Il Cimento dell’Armonia e dell’Invenzione, em italiano, A Disputa da Harmonia e da Invenção. Com este título, Vivaldi queria apresentar obras inovadoras e experimentais em diversos aspectos, contrapondo a sua criatividade (a “invenção”) com o tradicionalismo da escrita musical (a “harmonia”).
À primeira vista, a inovação que mais salta aos olhos é o caráter programático não só dos quatro primeiros concertos mas também de mais 3 outros: o nº5 RV.253 La Tempesta di Mare (A tempestade do mar), o nº6 RV. 180 Il Piacere (O prazer) e o nº10 RV.362 La caccia (A caça). Estes, porém, não trazem nenhuma outra indicação na partitura explicitando seu conteúdo, muito menos sonetos anexados.
A primeira edição do Opus 8 traz uma dedicatória ao Conde Wenzel von Morzin, a quem Vivaldi endereçou uma carta provavelmente com uma cópia da publicação. Nesta carta, as seguintes linhas são bem reveladoras:
Não se surpreenda se, entre estes poucos e fracos concertos, Vossa Excelência encontre As Quatro Estações, as quais têm por tanto tempo desfrutado da amável generosidade de Vossa Excelência. Mas acredite, eu considerei imprimi-las porque, apesar de serem as mesmas, eu acrescentei a elas, além dos sonetos, uma indicação muito clara de todas as coisas que nelas se explicam, assim eu estou certo de que elas parecerão novas para você.
Não se sabe o que surgiu primeiro, se a música ou os sonetos. O fato é que, desde que As Quatro Estações de Antonio Vivaldi surgiram, os concertos vêm acompanhados de quatro sonetos que descrevem muito bem a música e cada uma das estações.
Não há provas de que os sonetos tenham sido escritos pelo próprio Vivaldi.
Marc Pincherle, grande estudioso da vida do compositor, acreditava que os sonetos teriam sido escritos por um fã, depois dos concertos já estarem compostos – ou seja, primeiro surgiu a música, e depois surgiram os sonetos. O próprio Vivaldi dá a entender isso numa carta escrita após a publicação dos concertos.
Soneto
La Primavera | A Primavera | |
Giunt’è la Primavera e festosetti La salutan gl’augei con lieto canto, E i fonti allo spirar de’Zeffiretti Con dolce mormorio scorrono intanto: | Chegada é a Primavera e festejando A saúdam os pássaros com alegre canto, E as fontes ao expirar dos Zéfiros (*) Com doce murmúrio correm entanto: | |
Vengon’ coprendo l’aer di nero amanto E lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti Indi tacendo questi, gl’augelletti; Tornan’ di nuovo al lor canoro incanto: | Vem [um temporal] cobrindo o ar com negro manto E relâmpagos e trovões eleitos a anunciá-la Logo que eles se calam, os passarinhos Tornam de novo ao sonoro encanto. | |
E quindi sul fiorito ameno prato Al caro mormorio di fronde e piante Dorme’l caprar col fido can’ à lato. | Então sobre o florido e ameno prado, Ao caro murmúrio das folhas e plantas Dorme o pastor com fiel cão ao lado. | |
Di pastoral zampogna al suon festante Danzan ninfe e pastor nel tetto amato Di primavera all’apparir brillante. | Da pastoral gaita de foles ao som festejante, Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado Da primavera surgindo brilhante. |
L’Estate | O Verão | |
Sotto dura staggion dal sole accesa Langue l’uom, langue ‘l gregge, ed arde il pino; Scioglie il cucco la voce, e tosto intesa Canta la tortorella e ‘l gardelino. | Sob a dura estação de sol aceso Definha homem, definha rebanho e arde o pinho; Solta o cuco a voz, e logo com ele Canta a rolinha e o pintassilgo. | |
Zèfiro dolce spira, ma contesa Muove Borea improviso al suo vicino; E piange il pastorel, perche sospesa Teme fiera borasca, e ‘l suo destino; | Zéfiro doce expira mas, desafiado, Surge Bóreas (*) de repente ao seu lado; E chora o pastor, porque decerto Teme feroz tempestade e seu destino. | |
Toglie alle membre lasse il suo riposo Il timore de’ Lampi, e tuoni fieri E de mosche, e mosconi il stuol furioso. | Rouba dos membros cansados o seu repouso, O temor dos relâmpagos e trovões ferozes E de moscas e moscões o zumzum furioso. | |
Ah, che purtroppo i suoi timor son veri! Tuona e fulmina il ciel e grandioso: Tronca il capo alle spiche e a’ grani alteri. | Ah, que pena, seus temores eram verdadeiros! Troveja e fulmina o céu e majestoso Quebra o topo das espigas e danifica os grãos. |
Soneto
L’Autunno | O Outono | |
Celebra il vilanel con balli e canti Del felice raccolto il bel piacere E del liquor di Bacco accesi tanti Finiscono col sonno il lor godere. | Celebra o camponês com danças e cantos Da feliz colheita o belo prazer E pelo licor de Baco um tanto aceso (*) Termina com sono a sua diversão. | |
Fà ch’ogn’uno tralasci e balli e canti L’aria che temperata dà piacere, E la staggion ch’invita tanti e tanti D’ un dolcissimo sonno al bel godere. | Faz cada um renunciar danças e cantos O clima moderado que é prazeroso, E a estação que convida tantos e tantos De um dulcíssimo sono a desfrutar. | |
I cacciator alla nov’alba a caccia Con corni, schioppi, e canni escono fuore Fugge la belva, e seguono la traccia; | O caçador na alvorada sai à caça Com trompas, espingardas e cães Foge a fera, e seguem-lhe o rastro; | |
Già sbigottita, e lassa al gran rumore De’Schioppi e canni, ferita minaccia Languida di fuggir, ma oppressa muore. | Já apavorada, e cansada do grande rumor De espingardas e cães, ferida ameaça Debilitada de fugir, mas oprimida morre. |
O Inverno | |
Agghiacciato tremar tra nevi algenti Al severo spirar d’orrido vento, Correr battendo i piedi ogni momento; E pel soverchio gel batter i denti; | Tremer congelado em meio a neve fria Ao rigoroso expirar do horrível vento, correr batendo os pés a todo momento; E pelo excessivo frio bater os dentes; |
Passar al foco i dì quieti e contenti Mentre la pioggio fuor bagna ben cento Caminar sopra il ghiaccio, e a passo lento Per timor di cader girsene intenti; | Passar os dias calmos e felizes ao fogo Enquanto a chuva lá fora molha a tudo Caminhar sobre o gelo, e devagar Por temor de cair nesse intento; |
Gir forte sdruzziolar, cader a terra Di nuovo ir sopra ‘l giaccio e correr forte Sin ch’il giaccio si rompe, e si disserra; | Andar rápido e escorregar, cair no chão De novo andar sobre o gelo e correr rápido Sem que o gelo se rompa e se dissolva; |
Sentir uscir dalle ferrate porte Scirocco, Borea, e tutti i venti in guerra Quest’è ‘l verno, ma tal, che gioia apporte. | Ouvir sair das fechadas portas Siroco (*), Bóreas e todos os ventos em guerra Este é o inverno, mas tal que alegria traz. |
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