"O linguarejar do Jesus causa-me náuseas. O de Jesus e de
muitos outros. Como o do Gabriel. Não o “Pensador”, mas aquele que diz coisas
tão sábias como esta: “A selecção não jogou nem bem nem mal, antes pelo
contrário…” Sabe-se: a terra está recheada de anjinhos, mas é Jesus quem está
sentado no trono. Pois só ele é capaz de ordenar: “Vocês os quatro formem aí um
triângulo.”
Jesus e Gabriel têm fiéis seguidores. Aqueles que nos entram
pela casa dentro e aqueles com quem nos cruzamos na rua. E são cada vez mais.
Novos e velhos. Eis um exemplo de um seguidor fiel, o jovem Luz da SIC: “Inácio
fechou os olhos e olhou para o céu.” E um outro de um velho papa: “Ele é sem
dúvida o melhor guarda-redes do mundo e talvez da Europa.”
Tais frases, ditas por tão altos e sábios dignitários, plasmam o
futebolês em todo o seu esplendor. Futebolês que tem cada vez mais espaço no
horário nobre das nossas queridas televisões. Resultado: o público da tevê
passa os dias a ouvir esse tagarelar. Um tagarelar que assume hoje um papel
fulcral na vida daqueles que fazem da caixinha televisiva o altar-mor de todas
as certezas e ensinamentos.
Acontece que tal palavrear provoca ondas maciças de imbecilidade
e danos cognitivos irreversíveis num cada vez maior número de indivíduos. Mais:
formata-os e torna-os meros recipientes onde os mestres do futebolês despejam a
sua propaganda ideológica. Uma propaganda ao serviço de uma indústria que paga
220 milhões de euros por um jogador de futebol. (Num mundo onde 1,2 mil milhões
de pessoas vivem com menos de 0,92 euros por dia e 1,5 mil milhões têm um baixo
nível de vida, educação e de saúde, sendo certo que há mais 800 mil pessoas que
estão prestes a fazer parte deste grupo, segundo o Relatório do Desenvolvimento
Humano da Organização das Nações Unidas (ONU) agora divulgado).
Hoje nenhum de nós está a salvo do futebolês. Todos o usam.
Presidente da República, primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado,
presidentes de câmara, candidatos a tudo e qualquer coisa, doutores,
professores, licenciados, bancários e operários. Jornalistas. Tantas são as
vezes em que, para dar a ideia de uma tragédia, se socorrem deste chavão: “A
área ardida é o equivalente a 11 campos de futebol.”
Ou pior ainda: “A construção do novo hospital vai custar tanto
como a construção de todos os estádios do Euro.” Ou seja: para eles o direito
aos cuidados médicos e a tragédia social valem tanto como os anfiteatros que o
novo-riquismo político mandou construir em 2004 num país onde o salário mínimo
só chegará aos 600 euros em 2019.
A Imprensa deixou há muito de narrar e sintetizar as estórias
que fazem a História do dia-a-dia. E abandonou por completo o vício de
reflectir. Está ao serviço de quem manda e de quem lhe paga. Manipula
inocências e consciências. Propagandeia os “feitos” dos indigentes mentais e
silencia tudo o que não seja o Pensamento Único. Fá-lo por ordem dos “patrões”,
mas também conta com a criminosa conivência daqueles que são escolhidos para
dirigir e chefiar redacções despojadas de massa crítica.
A Imprensa quer que
todos nós sejamos “Jesus”…"
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