Como gosto de experiências radicais
ontem decidi experimentar algo que nunca tinha feito: ir ao IKEA com a
namorada. Já tinha ouvido histórias, quais mitos urbanos, que diziam que o
labiríntico caminho do IKEA era uma espécie de corredor da morte, com vários
maridos e namorados arrastados, mas pensava que eram apenas rumores exacerbados
de quem acrescenta um ponto a cada conto que passa de boca em boca.
O plano para Domingo era ir à FIL, à
Feira de Viagens, em busca de um desconto para ir de férias. O trânsito que
encontrámos antevia uma enchente de outros pobres também em busca de poupar 20€
no T0 para a família numerosa que vão alugar em Albufeira. Dizem que os
cruzeiros estavam em alta, com filas de pessoal da Margem Sul a ver se pela
primeira vez entram num barco que não seja para atravessar o Tejo. Portugal
está cheio de pobres que adoram descontos mesmo que acabem por gastar mais
dinheiro do que o inicialmente previsto, já que poupam na viagem mas vão para
locais onde a imperial custa 6€. Como sou pobre mas não sou parvo, decidi não
passar o dia em filas e em encontrões e resignar-me ao facto de só ter dinheiro
para férias modestas.
Foi então que fiz a pergunta que nenhum
homem deve fazer: «Queres ir ao IKEA ver das prateleiras?»
Sou um palerma, bem sei, mas saiu-me num
raio de raciocínio toldado pelo marasmo domingueiro. Ela disse que sim, logo,
com um entusiasmo como se tivesse acabado de oferecer-lhe um anel de diamantes
e Sacavém fosse Paris. Arrependi-me mal lhe vi o brilho que só um
psicopata da decoração de interiores tem nos olhos. A caminho ela
sugeriu ligar à minha mãe para ver se queria acompanhar-nos. A minha mãe disse
que ainda estava de pijama, mas prontificou-se logo a embarcar nesta fantástica
aventura. Uma mulher nunca está demasiado cansada para ir ver caixilhos,
madeiras e tecidos. Pode ter acabado de correr uma maratona de saltos altos e
com trigémeos obesos ao colo, que há sempre mais energia para ir decorar alguma
divisão da casa. O facto de a minha mãe ir por um lado era bom, já que ficavam
as duas entretidas a dissertar sobre puxadores de cómodas, já por outro, sabia
que o tempo que lá iríamos demorar aumentaria drasticamente. Para quem não
sabe, existe uma fórmula matemática que calcula o tempo que vamos demorar no
IKEA:
T = seca em horas
M = número de mulheres
H = número de homens
S = fator sogra que vai de 1 a ∞
Resolvendo a equação com os valores no
meu caso:
Como eram 17.30h fiz logo as contas para
me mentalizar que antes das 21.15h não seria um homem livre. Chegámos, subimos
as escadas e entrámos no labirinto que faz com que a extinta casa do terror da
feira popular seja um passeio para crianças.
Cedo chegou o primeiro dilema: prateleiras
brancas, de madeira clara, ou escura? Por um lado as brancas ficavam melhor com
a secretária, por outro as escuras condiziam mais com o móvel da televisão. O
drama instalou-se! O que fazer perante tal dilema que coloca a origem da vida
como uma questão menor?
- O que achas que fica melhor? -
pergunta-me ela.
- Tanto faz, acho que ficam as duas bem.
- respondo.
- Oh, diz lá. - insiste.
- Já te disse, ficam bem as duas. -
garanto-lhe.
- Sim, mas não preferes nenhumas? A casa
é para ficar também ao teu gosto. - diz-me em tom fofinho.
- Acho que as de madeira se calhar ficam
lá melhor para não ficar tudo branco. - respondo, finalmente.
- Eu por acaso prefiro as brancas…
Escusado será dizer que
"escolhemos" as brancas.
Segundo dilema: mesa para a
sala, redonda ou retangular? Mal sabia que depois de acabar um curso de
engenharia iria voltar a ter dramas de geometria fora do contexto de trabalho.
As mulheres não percebem que para a maioria dos homens o que interessa na mesa
é se tem comida no prato. Homem que é homem come na quina da mesa já a prevenir
que vai engasgar-se e usar a esquina como auxílio para a manobra de Heimlich
autoinfligida. Mais uma vez, decidi testar o meu papel naquele local e disse
«Por acaso, acho que gosto mais da retangular.», comentário que foi recebido
«Achas? Eu prefiro a redonda.». Pensei em desafia-la para um duelo com
candeeiros de pé alto, mas optei por fazer o que qualquer homem inteligente deve
fazer: dizer que ela tem razão.
Terceiro dilema: caberá este
móvel na sala? É nestas questões espaciais que as mulheres confiam no cérebro
masculino para as ajudar. Elas sabem que nós somos melhores a estacionar e a
saber se o carro cabe naquele lugar sem o raspar todo, e, por isso, esperam que
nós tenhamos a planta da casa decorada. Nestas alturas os papéis invertem e, se
na cama, nós achamos sempre que cabe tudo, com ou sem jeitinho, neste contexto
são as mulheres que acham que dá sempre para enfiar mais um móvel, uma
prateleira, um sofá, um cadeirão e trinta mil bibelots. Dá sempre para mais
qualquer coisa, mesmo que se more numa arrecadação de um T0. Elas, no fundo,
sabem que não cabe sem que tenhamos de começar a passar de lado no corredor, ou
a porta só abra até meio, mas gostam de se convencer que sim, tal como fazem
quando compram vestidos dois números abaixo.
É preciso sabermos como nos desviar
destes dilemas e vou dar algumas dicas de sobrevivência para evitar discussões:
Ø Nunca dizer que algo
que elas gostam é feio. Nunca! Mesmo que seja um móvel ou combinação de cores
que já tenham visto no programa "Na Casa do Toy".
Ø Nunca dizer que se
calhar aquilo que elas querem é muito caro! elas vão sentir logo que vocês não
estão tão empenhados na relação e vão mandar-vos logo à cara algo como «Deste
100€ por um drone que nunca usas e achas que esta colcha de 200€ é muito cara?
Tens de começar a ver as tuas prioridades.» Por isso, mesmo que elas queiram
comprar oito puxadores que custam 40€ cada um para colocar numas gavetas que
estão numa divisão que nunca ninguém lá vai, digam sempre que sim. Ofereçam-se
para vender o vosso carro, se for preciso.
Ø Nunca suspirar. O
mínimo sinal que mostrarem de que estão a apanhar seca vai ser usado contra
vocês. Puxem pelo príncipe que há dentro de vós e façam como se estivessem numa
parada: sorriem e acenem que sim.
Enquanto ia acenando com a cabeça, entretive-me a observar os
comportamentos dos restantes seres humanos que por ali andam, num caminho
demarcado para eles, quais Lemmings que só têm a skill do consumismo:
Ø Casais novos, com o
homem com cara de enterro, a contemplar o suicídio como uma opção válida para
resolver os seus problemas, arrastando os pés e cabisbaixos enquanto vão
dizendo que sim a tudo, como eu, foi o que mais vi;
Ø Famílias com filhos
pequenos que guinchavam enquanto jogavam à apanhada à volta de uma estante, com
os pais a mandarem-nos calar enquanto reviravam os olhos e desejavam que um
deles desse com uma têmpora na quina de um móvel;
Ø Pessoas com ar de quem
mora numa barraca mas precisa de uma bom móvel para ter o LCD de quinhentas mil
polegadas;
Ø Só vi um homem
entusiasmado por lá estar, acompanhado pela namorada, que falava de sofás de
pele como quem fala de seios: «Já viste isto, mor? Olha este conforto! Senta-te
aqui para veres. Bem, isto é mesmo confortável. E a cor? Ficava mesmo bem com
os nossos cortinados. Só nos falta comprar um tapete para fazer pandã e temos a
sala terminada! Bem, isto é mesmo confortável, não achas?» E foi neste momento
que aquela rapariga percebeu que namorava com um homossexual e/ou um fã do
Gustavo Santos.
Lá fui avançando com uma motivação extra
ao chegar ao piso de baixo por saber que mais de metade do caminho já estava
feito. Fiz aqueles últimos metros por entre olhares cúmplices com outros
homens, como que a congratularmo-nos mutuamente de forma silenciosa pelo
companheirismo de guerra. É uma espécie de código do Fight Club em que
todos sabemos que estamos ali a apanhar seca, mas que a primeira regra é não se
falar disso a ninguém. Chegámos ao armazém e sendo que a mesa seria
para levar noutro dia, fomos em busca das prateleiras escolhidas que,
obviamente, estavam esgotadas. No fim, o que comprámos? Molduras. Vinte
molduras para termos fotos que nos relembram os bons momentos da nossa relação,
entre os quais vos garanto que não está o dia de ontem. Se as relações fossem
80% passadas a escolher móveis, todos os homens seriam solteiros. Aliás, se as
mulheres fossem todas solteiras, o IKEA nunca tinha tido sucesso.
Os móveis do IKEA são os novos frascos
de compota e a única razão por elas ainda nos aturarem.
Não é que não seja giro escolher móveis
para tornar o nosso lar mais confortável e acolhedor, o problema é o tempo que
se perde com os detalhes que para os homens são como a celulite no rabo das
mulheres: não reparamos e não é por aí que não se come. No fim, nós homens
chegamos à conclusão que fomos lá não para ajudar a escolher, mas para
concordarmos com a escolha das nossas amadas. Elas querem um móvel de sala do
WC? Tudo bem. Querem uma cómoda barroca na cozinha? Sem problema. Querem um
cesto de fruta de plástico equilibrado num naperon em cima do LCD da sala?
Claro que sim! A nós tanto nos faz, só queremos que vocês não fiquem de
trombas.
PS: Li este texto à minha namorada e ela
disse-me «Que exagero!». Claro que concordei e disse que ela tinha razão.
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