Desculpem, mas não há
peru, rabanadas e lampreias de ovos que me façam passar o engulho da fatura que
neste final do ano veio parar outra vez aos bolsos dos contribuintes por mais
um banco que entrega a alma aocriador, no caso o Banif, no caso mais 3 mil milhões.
É de mais, é inaceitável, é uma ignomínia para todos os que estão desempregados
ou caíram no limiar da pobreza por causa desta crise e mais uma violência
brutal para os que continuam a pagar impostos (e que são apenas cerca de 50% de
todos os contribuintes).
Todos nos lembramos do
cortejo dos cinco maiores banqueiros portugueses(Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Nuno
Amado, Faria de Oliveira e Carlos Santos Ferreira) a irem ao Ministério das
Finanças e depois à TVI exigir ao então ministro das Finanças, Teixeira dos
Santos, para pedir ajuda internacional. Todos nos lembramos como o
santo e a senha da altura era o da insustentável dívida pública portuguesa por
erros de gestão do Governo de José Sócrates. Todos nos lembramos das
sucessivas reafirmações de que a banca estava sólida por parte do
Banco de Portugal e do governador Carlos Costa. Todos nos lembramos dos testes de
stress aos bancos conduzidos pela Autoridade Bancária Europeia – e
como os bancos nacionais passaram sempre esses testes. E depois disso
BPI, BCP, CGD e Banif tiveram de recorrer à linha de crédito de 12 mil
milhões acordada com a troika. E depois disso o BES implodiu – e agora
o Banif também. E depois disso só o BPI pagou até agora tudo o que lhe foi
emprestado. E antes disso já o BPN e o BPP tinham implodido. E a Caixa
vai ter de fazer um aumento de capital. E o Montepio é uma preocupação. É
de mais! Chega! Basta!
No caso do Banif, é
claro que o governador Carlos Costa tem enormes responsabilidades na
forma como o problema acabou por ter de ser resolvido. No caso do BES foi ele
também que seguiu a estratégia da resolução, dacriação do Novo Banco e do
falhanço total dessa estratégia – a venda rápida que não aconteceu, a venda sem
despedimentos que também não vai acontecer, os 17 interessados que afinal eram
só três, as propostas que não serviam, e o banco que era para ser vendido
inteiro e agora vai ser vendido após uma severa cura de emagrecimento. É claro também
que a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, tem responsabilidades diretas no
caso, por inação ou omissão. E é claro que o ex-primeiro-ministro,
Pedro Passos Coelho, geriu politicamente o dossiê.
Mas não confundamos os
políticos e o polícia com os bandidos, com os que levaram a banca portuguesa ao
tapete. E para isso nada melhor do que ler o excelente texto que o Pedro
Santos Guerreiro e a Isabel Vicente escreveram na revista do Expresso da semana passada com
um título no limite mas que é um grito de alma: «O diabo que nos
impariu» – ou como os bancos nacionais destruíram 40 mil milhões desde 2008. Aí
se prova que houve seguramente muitos problemas, mas que a origem de
tudo está no verdadeiro conúbio lunar que se viveu entre a banca e algumas
empresas e alguns empresários do setor da construção. Perguntam os
meus colegas: «Sabe quem é Emídio Catum? É um desses empresários da construção,
que estava na lista de créditos do BES com empresas que entretanto faliram.
Curiosamente, Catum estava também na lista dos maiores devedores ao BPN, com
empresas de construção e imobiliário que também faliram». E como atuava Catum?
«O padrão é o mesmo: empresas pedem crédito, não o pagam, vão à falência, têm
administradores judiciais, não pagam nem têm mais ativos para pagar, o prejuízo
fica no banco, o banco é intervencionado, o prejuízo passa para o Estado».
Simples, não é, caro leitor?
A pergunta que se
segue é: e o tal de Catum está preso? Não, claro que não. E
assim, de Catum em Catum, ficámos nós que pagamos impostos com uma enorme
dívida para pagar que um dia destes vai levar o Governo a aumentar de novo os
impostos ou a cortar salários ou a baixar prestações sociais. Mas se fosse só o
Catum… Infelizmente, não. Até as empresas de Luís Filipe Vieira
deixaram uma dívida de 17 milhões do BPN à Parvalorem, do Estado, e tinham
ainda por pagar 600 milhões de crédito do BES. O ex-líder da bancada
parlamentar do PSD, Duarte Lima, deixou perdas tanto no Novo Banco como
no BPN. Arlindo Carvalho, ex-ministro cavaquista, também está
acusado por ilícitos relacionados com crédito concedido pelo BPN para compra de
terrenos. E um dos homens fortes do cavaquismo, Dias Loureiro é arguido
desde 2009 por compras de empresas em Porto Rico e Marrocos, suspeita
de crimes fiscais e burlas. Mas seis anos depois, o Ministério Público ainda
não acusou Dias Loureiro, nem o processo foi arquivado.
Dos 50 maiores
devedores do BES, que acumulavam um crédito total de dez mil milhões de euros, «o
peso de construtores e promotores imobiliários é avassalador». No
BPN, «mais de 500 clientes com dívidas iguais ou superiores a meio milhão de
euros deixaram de pagar». E a fatura a vir parar sempre aos bolsos dos
mesmos. Por isso, o artigo de Pedro Santos Guerreiro e Isabel Vicente é
imperdível. Para ao menos sabermos que o que aconteceu não foi por acaso. Que
muita gente não pagou o que devia ou meteu dinheiro ao bolso – e esperou
calmamente que o Estado viesse socializar os prejuízos enquanto eles privatizaram
os lucros..
Sem comentários:
Enviar um comentário