Desculpe, David
Luiz
*Por Cristovam
Buarque
O Brasil é um País
privilegiado. Sabemos do privilégio na natureza e nas características do povo,
mas tem um privilégio na história: o fato de que não termos traumas que outros países
têm nas suas histórias. Nunca perdemos uma guerra, nem nos nos rendemos. A Alemanha
sofreu duas derrotas e rendições em um mesmo século. A França que foi invadida
e ocupada durante quatro anos pelo exército alemão. Os Estados Unidos tiveram
uma traumática guerra civil e presidentes assassinados. Nossos traumas se
resumem ao suicídio de um presidente, e perda da Copa do Mundo para o Uruguai,
no último minuto, 64 anos atrás.
Agora, neste 8 de
julho de 2014, ficamos com a sensação de um grande trauma nacional por causa da
desastrosa derrota por 7 a 1 que nossa seleção sofreu diante da Alemanha.
Por sermos o país
do futebol, por termos este esporte entrando na alma de nosso povo, e por
sermos atualmente bons, os melhores historicamente, nós temos a razão de
sentirmos o trauma com a derrota da seleção ontem. O que surpreende é como não
temos outros traumas.
Por exemplo,
estamos profundamente abatidos no Brasil inteiro porque perdemos de 7 a 1 para
a Alemanha, mas jamais nos lembramos de que a Alemanha teve 103 Prêmios Nobel e
nós nenhum.
Com toda a tristeza
que sinto pelo fato de termos sido derrotados, e com um escore tão grande, do
ponto de vista do interesse nacional, do ponto de vista das consequências para
o futuro, é muito mais grave para o futuro do País o fato de estarmos perdendo
para a Alemanha de 103 a zero, no campeonato de Prêmio Nobel.
Nós não nos
traumatizamos, no dia 14 de março de 2013, quando foi divulgado o IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano) do Brasil, que nos deixou em 85º lugar, entre 106
países analisados. Entre estes países estão alguns dos mais pobres do mundo, os
106 ficamos em 85º – quase lanterninha –, e não nos traumatizamos. E nós nos
traumatizamos por sermos o quarto ou até o terceiro em futebol, dependendo do
resultado do jogo no próximo sábado. O mundo inteiro disputou para ter seus
times na COPA. Foram selecionados 31 e nós fomos disputar com eles. Apenas 32
foram selecionados como os melhores. Aos poucos foram sendo eliminados. O nosso
chegou ao último estágio, que são os quatro finalistas. Não chegamos à
finalíssima, mas chegamos à anterior. Na pior das hipóteses, sairemos dessa
Copa como a quarta melhor seleção de futebol do mundo. E o Brasil está de luto,
num sofrimento que dói na gente, sobretudo quando vemos as crianças que choraram
no estádio e nas ruas pela derrota que elas não esperavam. Nem entendem.
Mas não nos
traumatizamos no dia 3 de dezembro de 2013, quando foi divulgada a
classificação do Brasil na educação, entre 65 países, e ficamos em 58º. Uma
avaliação que analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º, entre 65 e não houve
nenhum trauma naquele 4 de dezembro, dia seguinte à divulgação do resultado.
Este campeonato que não gerou qualquer tristeza, mas suas consequências para o
Brasil são muito mais trágicas, do que o
resultado do jogo
contra a Alemanha.
Nós não tivemos o
menor constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza, quando, no dia 1º de
março de 2011, a Unesco divulgou a sua classificação da educação para 128
países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um dos piores.
E, quando falamos
em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do mundo, não nos comportamos
apenas com países da elite educacional, não foram apenas os BRICS, nem apenas
os emergentes: Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido
excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a
razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa,
mas também precisamos ficar tristes com as outras nossas classificações: na
educação, na saúde publica, na violência, no quadro social.
Todo o direito à
tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque
são essas outras razões de sofrimento que nos levariam a superar os nossos
problemas e construir um futuro que nos vem sendo negado há séculos.
Precisamos ver,
nessa derrota como jogador David Luiz no final do jogo, quando ainda dentro do
campo, pela televisão, chorando, disse o seguinte: “Desculpa, por não ter feito
vocês felizes nesta hora”. Veja a que grandeza: ele não disse que estava triste
por não ser campeão do mundo.
Estava triste por
não ter feito a nós, os brasileiros, felizes nessa hora. E continuou “Mas aqui
tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja, a derrota foi de um jogo,
não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só 58º. Uma avaliação que
analisa 65 países, feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, da Europa, deixa-nos em 58º, entre 65 e não houve nenhum trauma
naquele 4 de dezembro, dia seguinte à divulgação do resultado. Este campeonato
que não gerou qualquer tristeza, mas suas consequências para o Brasil são muito
mais trágicas, do que o resultado do jogo contra a Alemanha.
Nós não tivemos o
menor constrangimento, o menor trauma, a menor tristeza, quando, no dia 1º de
março de 2011, a Unesco divulgou a sua classificação da educação para 128
países, e nos colocou em 88º. Ou seja, um dos piores.
E, quando falamos
em 128 países, estamos incluindo os mais pobres do mundo, não nos comportamos
apenas com países da elite educacional, não foram apenas os BRICS, nem apenas
os emergentes: Temos toda a razão emocional de estarmos tristes por termos sido
excluídos da finalíssima decisão de quem será o campeão deste ano. Temos toda a
razão de estarmos tristes, porque ainda não foi este ano que ganhamos o hexa,
mas também precisamos ficar tristes com as outras nossas classificações: na
educação, na saúde publica, na violência, no quadro social.
Todo o direito à
tristeza, mas não esqueçamos as outras razões para sofrer também, até porque
são essas outras razões de sofrimento que nos levariam a superar os nossos
problemas e construir um futuro que nos vem sendo negado há séculos.
Precisamos ver,
nessa derrota como jogador David Luiz no final do jogo, quando ainda dentro do
campo, pela televisão, chorando, disse o seguinte: “Desculpa, por não ter feito
vocês felizes nesta hora”. Veja a que grandeza: ele não disse que estava triste
por não ser campeão do mundo.
Estava triste por
não ter feito a nós, os brasileiros, felizes nessa hora. E continuou “Mas aqui
tem um cidadão disposto a ajudar a todos”, Ou seja, a derrota foi de um jogo,
não foi a derrota de uma história. E continua: “Eu só ao quarto, nem ao décimo,
nem ao vigésimo, nem ao quinquagésimo lugar.
Estamos chegando ao
octogésimo quinto no Índice de Desenvolvimento Humano, octogésimo oitavo na
educação. Estamos perdendo de 103 a zero em Prêmio Nobel para a Alemanha.
O mais importante
para o futuro do País não é o campeonato de futebol, embora esse toque mais na
alma da gente, o maior campeonato que estamos perdendo são as condições
sociais, as possibilidades de eficiência na economia, a educação, segurança, a
saúde, a corrupção. Esses são os campeonatos que devem fazer com que nós
brasileiros trabalhemos para superar.
O Davi Luís deu
todo o seu esforço e nos colocou primeiro entre as seleções selecionadas para a
Copa, porque muitas ficaram de fora; depois nos fez passar para oitava, para
quarta e agora estamos nas finais, e apesar disso ele nos pede desculpas, “por
não ter feito o povo sorrir, pelo menos no futebol” – como ele disse – pelo
menos no futebol, mas não basta só o futebol. Pelo menos no futebol porque essa
é a tarefa dele, mas aqui, nesta casa no congresso não basta o futebol.
Sofri ontem como
qualquer brasileiro, mas eu quero agradecer aos jogadores que nos colocaram
nessa posição.
Quero agradecer, ao
David Luiz, quando ele nos deu esta lição: “Eu só queria fazer meu povo sorrir
pelo menos no futebol.” Você não conseguiu, David Luiz, fazer o povo sorrir
plenamente no futebol, mas você conseguiu nos despertar para o fato de que nós
não estamos conseguindo fazer o povo sorrir pelas outras coisas das quais eu
sou um dos responsáveis.
Por isso, desculpa,
David Luiz.
Cristovam Buarque,
Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF
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