BES Salgado apanhado em operação falhada na Suíça
Duarte Lima foi o primeiro a denunciar o esquema que inclui Michel Canals e Nicolas Figueiredo, gestores e mentores da sociedade suíça Akoya. O branqueamento de dinheiro (leia-se milhões de euros) acontecia pelas mãos destes dois gestores e as dúvidas começaram a levantar-se. Mais de um mês antes do escândalo que envolve algumas empresas do Grupo Espírito Santo (GES), os suíços abriram as contas de Ricardo Salgado ao Ministério Público (MP) português, conta o Diário de Notícias (DN).
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Salgado é agora suspeito de se ter apropriado de algo a que tinha acesso mas que não lhe pertencia. Além disso, o antigo presidente do BES terá colocado este ‘seu’ dinheiro nas mãos dos gestores de fortuna Michel Canals e Nicolas Figueiredo, mentores da sociedade suíça Akoya, e já denunciados por Duarte Lima aquando do caso BPN.
O dinheiro entregue a estes gestores - já denunciados por Duarte Lima - era depositado numa conta sedeada no BPN IFI de Cabo Verde e mais tarde transportado, por carro ou avião, até à Suíça.
Michel Canals, a Akoya e o RERT
A teia do Monte Branco foi desvendada aqui
Entre maio e setembro de 2012, a VISÃO revelou o
essencial sobre a complexa teia do "Monte Branco" e os negócios
suspeitos. E trazia à luz do dia as suspeitas que já então envolviam o BES, a
ESCOM e a advogada Ana Bruno.
Confira todos os artigos relacionados. E o que ainda
falta saber Miguel Carvalho (Texto
publicado na VISÃO 1019, de 13 de Setembro)
12:20 Sexta feira, 25 de Julho de 2014 |
Vai ser um dos folhetins mais mediáticos da rentrée
judicial.
Mas continuará sem fim à vista, pelo menos por mais
algum tempo. Desencadeada em maio, numa ação conjunta do Ministério Público, da
GNR e da Inspeção Tributária de Braga, a denominada Operação Monte Branco levou
à detenção do gestor suíço Michel Canals, antigo quadro da UBS, e de Nicolas
Figueiredo e José Pinto, seus sócios na Akoya Asset Management, com sede em
Genebra. Francisco Canas, alegado cúmplice do esquema de branqueamento de
capitais e fraude fiscal através daquela sociedade gestora de fortunas, também
foi preso. Ricardo Arcos, antigo financeiro da UBS em Lisboa, é outra das
pontas. Detido e libertado sob caução, estava à frente da ArcoFinance, empresa
suíça que utilizaria métodos idênticos aos da Akoya.
As notícias sobre o âmbito da investigação provocaram,
desde logo, uma corrida sem freio à regularização tributária de capitais
depositados no estrangeiro, originando uma receita fiscal de 259 milhões de
euros. Admite-se, porém, que este é um dos casos com a cauda à vista e gato
escondido... lá fora. "Nas últimas semanas entraram malas de dinheiro em
Portugal.
Dinheiro que havia saído ilegalmente passou por cá,
foi amnistiado, pagou imposto e voltou, quase todo, a sair. Sem cheiro nem
mácula, uma limpeza", escreveu Pedro Santos Guerreiro, no Jornal de
Negócios, considerando que a culpa ficará "arquivada no esquecimento do
sistema" com a cumplicidade do Estado.
Os clientes de Canals seriam empresários,
políticos, autarcas, futebolistas e, talvez em maior número, industriais
habituados a desviar dinheiro dos balancetes das empresa para fins pessoais,
soube a VISÃO.
A "especial complexidade" do processo
Monte Branco levou, entretanto, o MP a enviar uma carta aos advogados dos cinco
arguidos conhecidos informando-os da necessidade de prolongar as investigações
por mais uns meses. As perícias relativas à documentação e ficheiros
informáticos apreendidos em diversas buscas a escritórios de advogados
constituem uma das razões. Mas há outras. A VISÃO compilou oito histórias que
trazem alguma luz à face oculta deste processo e de alguns dos seus
protagonistas.
1 - DUARTE LIMA, OS CHEQUES E AS CONTAS
Michel Canals foi o gestor de conta de Duarte Lima
na UBS. Conhecem-se desde os anos 90, mas a relação não acabou aí.
Ouvido duas vezes pelo Ministério Público no âmbito
das averiguações do caso Monte Branco, o advogado acusado em dois processos
separados por um oceano (morte de Rosalina Ribeiro, no Brasil, e alegada fraude
no caso BPN), falou das suas relações com a Akoya Asset Management, a sociedade
gestora de fortunas, de Canals, que, a troco de uma comissão, abriu, pelo
menos, uma conta no estrangeiro em nome do ex-deputado do PSD. Atualmente em
prisão domiciliária, Lima terá admitido aos investigadores a entrega, através
de interposta pessoa, de dois cheques relacionados com o crédito do BPN ao
Fundo Homeland de 2 milhões de euros a Francisco Canas ("Zé das
Medalhas"). Esse valor terá sido posteriormente aplicado no exterior, no
âmbito dos esquemas da Akoya. Francisco Canas, dono de uma loja de troféus na
Rua do Ouro, em Lisboa, é um dos elementos relacionado com a rede suíça de
Canals e encontra-se detido preventivamente. Lima terá ainda consentiu o acesso
do MP a contas bancárias em seu nome registadas no estrangeiro, permitindo
assim à investigação ganhar um tempo que habitualmente se perde com cartas
rogatórias, sem garantias de sucesso.
2 - OS ENCONTROS NO RITZ
O local preferido de Michel Canals para os seus
encontros com clientes ou potenciais investidores era o Hotel Ritz, em Lisboa.
Duarte Lima e outros políticos iam lá.
Jogadores de futebol de topo idem. Pelo menos numa
ocasião, também Alexandre Soares dos Santos foi visto em conversas com Canals,
naquela unidade hoteleira de luxo. Segundo o presidente do Conselho de
Administração do grupo Jerónimo Martins, os encontros ocorreram, sem sombra de
pecado, no tempo em que o gestor ainda estava na banca suíça. "Conheci o
senhor Michel Canals no final dos anos 90, no âmbito do relacionamento que o
Grupo Jerónimo Martins manteve com a UBS, à semelhança, aliás, dos encontros
periódicos que mantivemos e mantemos com diversos bancos de investimento
internacionais que nos procuram", esclarece o dono da cadeia de
supermercados Pingo Doce. Soares dos Santos, que não é visado nas investigações
relacionadas com o gestor suíço, confirmou à VISÃO ter-se encontrado com Canals
"várias vezes", mas nega qualquer relação pessoal ou do grupo a que
preside com a Akoya. Segundo diz, as "reuniões regulares" com a UBS,
via Canals, cessaram em meados da década passada.
3 - ANA BRUNO E O TELEFONEMA DE CANALS
Detido na manhã de 17 de maio num quarto de hotel,
no Porto, Michel Canals terá tido autorização para efetuar um único telefonema.
E esse foi para Ana Bruno.
"Fui, de facto, contactada pelo senhor Canals
aquando da sua detenção em Portugal ", confirmou a própria à VISÃO. Dois
elementos do seu escritório ter-se-ão então deslocado à unidade hoteleira da
Invicta para conhecer os motivos da prisão do suíço e abandonado o local sem
que se constituíssem advogados no processo, mas Ana Bruno desmente parcialmente
a versão. "Não sabendo, à data do referido contacto, a razão do mesmo,
interpretei-o como um pedido de auxílio vindo de um cidadão estrangeiro em vias
de ser detido pela polícia para interrogatório judicial", refere, por
escrito. Ana Bruno assume ter "indicado o nome de um colega de escritório
para averiguar o que se passou. Daí a deslocação do mesmo ao Porto",
explicou à VISÃO, recusando, porém, qualquer ligação da sua sociedade ao gestor
suíço.
"Apesar dos contactos no dia da detenção, nem
eu nem qualquer advogado do meu escritório alguma vez patrocinou o senhor
Canals", refere. Uma dúvida permanece, porém: em que moldes, e com que
justificação, Canals foi autorizado a telefonar para Ana Bruno no momento da
detenção? Interrogado no dia seguinte por Carlos Alexandre, juiz de instrução
criminal, Canals tinha a defendê-lo o advogado Nuno Casanova, do escritório
Uría MenéndezProença de Carvalho, em representação de Godinho de Matos. Conhecido
maçon, advogado de Armando Vara no Face Oculta e de Luís Horta e Costa no caso
Portucale, Godinho de Matos também abandonou pouco depois a defesa de Canals
por motivos que o colega Casanova se recusou a esclarecer à VISÃO. O gestor
suíço, diga-se, é visado noutros processos, relacionados com o caso da Herança
Feteira, conduzidos por Eduarda Proença de Carvalho, do mesmo escritório, em
representação de vários herdeiros do milionário de Vieira de Leiria. Henrique
Salinas, sócio da CCA (Carlos Cruz Advogados), é, desde junho, o advogado de
Michel Canals.
4 - CANALS E RICARDO CASTRO SUBSTITUÍDOS
Apesar de estar detido há quase cinco meses em
Portugal, só no dia 7 de agosto Canals foi afastado do cargo de administrador
do fundo de investimento que vai gerir o novo aeroporto internacional de
Berlim-Brandenburgo. O suíço foi substituído por Monika Reist, sua sócia na
Akoya. A especialista em investimentos imobiliários, contudo, "não se
encontra em posição de comentar quaisquer factos sob investigação em Portugal. Não
está envolvida em quaisquer atividades ilegais e não gostaria de ver o seu nome
associado a este caso", esclareceu à VISÃO Laurent Marie, advogado de
Monika. Na administração do fundo mantém-se Ana Bruno.
Ricardo Castro, também ele arguido no âmbito do
caso Monte Branco, só no dia 28 de agosto foi substituído na administração da
Arcofinance, outra das sociedades sob investigação do MP, que atuaria com
métodos idênticos à Akoya, de Canals. Ricardo foi detido a 23 de maio e saiu
com uma caução de 300 mil euros.
5 - INVESTIDOR 'POTENTE' IMPÔS ANA BRUNO
Ertan Isen, gerente do grupo imobiliário Acron, na
sucursal de Dusseldorf, foi, como ele próprio assume, o cérebro que concebeu o
fundo de investimento que vai gerir o hotel do novo aeroporto internacional
Berlim-Brandenburgo, cuja inauguração está prevista para o próximo ano, depois
de sucessivos adiamentos. Para o conselho de administração do fundo foram
escolhidos Ana Bruno e Michel Canals, tendo este sido afastado recentemente por
causa das investigações em curso. Ana Bruno "foi imposta como
administradora do fundo por um investidor potente", confirmou Ertan Isen à
VISÃO, escusando-se, porém, a revelar a sua identidade. "Esse dado não é
público, uma vez que não se trata de um fundo comercializável na bolsa de Berna
nem em qualquer outra parte", esclareceu aquele responsável.
O Ministério Público estará nteressado em descobrir
as ligações ao referido fundo e a circulação do dinheiro. Mas, adverte fonte do
MP, "é cedo para tirar conclusões, a dimensão das investigações é
imensa".
Este é, aliás, um dos casos de especial
complexidade que poderá atrasar eventuais diligências, apesar dos pedidos de
colaboração às autoridades suíças e alemãs. De qualquer forma, sabe a VISÃO,
suspeita-se que terá sido a Akoya, de Michel Canals, a intermediar o
investimento no hotel do novo aeroporto. Na sombra do mesmo estará um
investidor angolano com ligações à banca, em Luanda, e a uma sociedade com sede
nas Ilhas Virgens britânicas. "A natureza da minha relação com os
investidores ligados ao aeroporto Berlim-Brandenburgo, a existir, é
profissional e, como tal, não pode ser comentada", referiu Ana Bruno à
VISÃO, acrescentando: "Uma das funções mais comuns aos advogados reputados
em matéria de negócios é a da representação de clientes em órgãos sociais de
empresas.
Isto acontece em todo o mundo e Portugal não é
exceção. A carteira de clientes do escritório em que exerço advocacia não tem
clientes de apenas uma nacionalidade", assinala.
A construção do novo aeroporto Berlim-Brandenburgo
está envolta em polémica, configurando, segundo a revista Der Spiegel,
"uma receita para o desastre". A inauguração foi adiada pela terceira
vez em dois anos, com evidentes prejuízos para investidores, operadores aéreos
e, possivelmente, para o erário público alemão.
Além de diversas batalhas legais que incluem
queixas do operador do aeroporto à empresa de arquitetura começa a falar-se de
uma megalomania de reduzida funcionalidade, onde até os testes aos sistemas de
videovigilância e prevenção de incêndios falharam. O atraso na inauguração
abriu um buraco orçamental e isso implica necessidades de novos financiamentos
públicos que o Governo alemão poderá recusar. O Financial Times referiu-se a
uma situação de "calamidade" e a um autêntico "pesadelo"
para os políticos diretamente envolvidos na supervisão do projeto.
Os investidores do fundo a que está ligada Ana
Bruno e a sócia da Akoya, Monika Reist, estão, porém, descansados, uma vez que
os contratos preveem indemnizações, caso os planos para o aeroporto não se
concretizem como previsto.
6 - OS SEGREDOS DO 'PRÉDIO DOS ANGOLANOS'
O Estoril Sol Residence, controverso projeto de
luxo da orla marítima de Lisboa, tem andado nas bocas do mundo. No último ano,
foi noticiado a abertura de um processo de branqueamento de capitais relacionado
com a compra de cinco apartamentos naquele empreendimento por parte de Álvaro
Sobrinho, presidente do BES-Angola. O visado, porém, já obteve vitórias no
Tribunal de Relação, tendo sido ilibado, "por ora", da acusação de
branqueamento de capitais e da suspeita de associação criminosa, e obtido o
descongelamento das contas bancárias e a revogação do arresto das casas. "Ganhámos
todos os recursos", sustenta Artur Marques, advogado de Sobrinho.
O Estoril-Sol poderá, contudo, ser uma das peças
importantes para descodificar alguns aspetos menos claros do processo Monte
Branco. Que complexo residencial é este, afinal? Segundo uma investigação do
conhecido jornalista angolano Rafael Marques, os três blocos do polémico
edifício constituem o símbolo "do novo-riquismo angolano". Com preços
que oscilam entre um milhão e 5 milhões de euros, alguns dos apartamentos serão
propriedade de várias figuras das elites de Luanda ou seus familiares.
Na lista de compradores divulgada por Rafael
Marques no site Maka Angola aparecem, entre outros, o ministro Costa Neto e a
filha, o general Hélder Dias Vieira "Kopelipa ", o ex-ministro das
Finanças José Pedro de Morais e o banqueiro Álvaro Sobrinho, além dos seus
irmãos Sílvio e Emanuel Madaleno. Este último substituiu recentemente Ana Bruno
na administração da Newshold, dona do semanário Sol. A sociedade da advogada
foi alvo de buscas e apreensões, no âmbito das investigações dos casos
Estoril-Sol e Monte Branco.
7 - ANGOLANOS JÁ PAGARAM A ESCOM?
A ESCOM, antiga empresa da área não financeira do
Grupo Espírito Santo, foi vendida, no final de 2010, a um grupo de investidores
angolanos. O negócio englobou a alienação da participação do GES na construtora
Opway Angola. Oficialmente, o GES não confirma que a compra tenha sido efetuada
pela petrolífera estatal Sonangol, como é público, e escuda-se na
confidencialidade das condições contratuais para recusar comentar a operação.
Ora, esta é precisamente uma das dúvidas que o MP
está a tentar esclarecer, uma vez que, segundo as informações da VISÃO, os
angolanos só terão pago cerca de 10% do valor acordado no negócio, que terá
sido ligeiramente inferior a 500 milhões de euros. O GES garante, porém, que a
ESCOM-entretanto visada, também, no caso dos submarinos -já não pertence ao
grupo, remetendo eventuais explicações quanto aos objetivos da mesma para os
seus novos órgãos sociais. Presidida por Hélder Bataglia, antigo sócio do GES
na empresa e atual administrador do BES-Angola, a ESCOM terá estado associada à
fundação da Akoya, de Canals. O GES desmente. Bataglia garantiu, em maio, à
VISÃO, através do seu advogado Cunha Vaz, que canalizou aplicações financeiras
através de Canals e da Akoya, mas apenas a título particular.
8 - RERT III, SEGREDOS DE UM PERDÃO
Taxar, lavar e voltar a dar: foi este o resultado
do terceiro Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT), a forma que
permitiu ao Estado recuperar cerca de 259 milhões de euros em contas escondidas
fora do País. O susto provocado pelo Monte Branco fez com que fortunas
depositadas no estrangeiro fizessem escala em Portugal para serem taxadas a 7,5
por cento e voltassem a sair, "lavadinhas" e tudo.
"O perdão fiscal do RERT III foi das coisas
mais inauditas a que assisti", resume Carlos Pimenta, do Observatório de
Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia do Porto. "É verdade
que esses capitais foram taxados, mas que medidas foram tomadas para impedir
que saíssem novamente, pela via legal e ilegal? No fundo, taxaram-se e
lavaram-se fortunas que continuarão no exterior. Caso sejam detetadas, pagam
menos do que o cidadão comum paga no IRS", explica Carlos Pimenta.
Trata-se, pois, "de uma verdadeira
despenalização criminal. Quem coloca a fortuna lá fora continuará a fazê-lo
porque compensa mesmo sendo apanhado.
É uma espécie de risco do negócio". Os custos,
esses, são elevados do ponto de vista económico e criminal, mas "é sabido
que, para os juristas, estas fraudes são sempre resolúveis", ironiza o
catedrático de Economia.
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