Vale a pena ler. Pelo menos, ficamos a
saber como a corrupção grassa, como os banqueiros estão a ser subsidiados por
nós, contribuintes (ai aguentamos, aguentamos), do tipo de políticos que temos
(nada valem, pior ainda, incompetentes e/ou corruptos).
É um artigo/entrevista longo mas vale a
pena.
Para quem não teve oportunidade de ler o Publico, do dia 11 de Maio
de 2014 , domingo!
A política seguida fica sem alternativa e de via única: a Meca Bancária!
Philippe Legrain, ex-conselheiro do actual presidente da Comissão Europeia
Ajudas a Portugal e
Grécia foram resgates aos bancos alemães
Por Isabel
Arriaga e Cunha (Bruxelas)
11/05/2014 - 08:10
É incorrecta a
narrativa que os alemães contaram a si próprios de que a crise do euro teve a
ver com o Sul a querer levar o dinheiro deles, diz ex-conselheiro de Durão
Barroso. Philippe Legrain, ex-conselheiro do actual presidente da Comissão
Europeia
Philippe
Legrain, foi conselheiro económico independente de Durão Barroso, presidente da
Comissão Europeia, entre Fevereiro de 2011 e Fevereiro deste ano, o que lhe
permitiu acompanhar por dentro o essencial da gestão da crise do euro.
A sua
opinião, muito crítica, do que foi feito pelos líderes do euro, está expressa
no livro que acabou de publicar “European Spring: Why our Economies and
Politics are in a mess”.
A tese
do seu livro é que a gestão da crise da dívida, ou crise do euro, foi
totalmente inepta, errada e irresponsável, e que todas as consequências
económicas e sociais poderiam ter sido evitadas.
Porque
é que as coisas se passaram assim? O que é que aconteceu?
Uma
grande parte da explicação é que o sector bancário dominou os governos de todos
os países e as instituições da zona euro. Foi por isso que, quando a crise
financeira rebentou, foram todos a correr salvar os bancos, com consequências
muito severas para as finanças públicas e sem resolver os problemas do sector
bancário.
O
problema tornou-se europeu quando surgiram os problemas da dívida pública da
Grécia. O que teria sido sensato fazer na altura – e que era dito em privado
por muita gente no FMI e que este acabou por dizer publicamente no ano passado
– era uma reestruturação da dívida grega.
Como o
Tratado da União Europeia (UE) tem uma regra de “no bailout” [proibição de
assunção da dívida dos países do euro pelos parceiros] – que é a base sobre a
qual o euro foi criado e que deveria ter sido respeitada – o problema da Grécia
deveria ter sido resolvido pelo FMI, que teria colocado o país em
incumprimento, (default), reestruturado a dívida e emprestado dinheiro para
poder entrar nos carris. É o que se faz com qualquer país em qualquer sítio.
Mas
não foi o que foi feito, em parte em resultado de arrogância – e um discurso do
tipo ‘somos a Europa, somos diferentes, não queremos o FMI a interferir nos
nossos assuntos’ – mas sobretudo por causa do poder político dos bancos
franceses e alemães.
É
preciso lembrar que na altura havia três franceses na liderança do Banco
Central Europeu (BCE) – Jean-Claude Trichet – do FMI – Dominique Strauss-Kahn –
e de França – Nicolas Sarkozy. Estes três franceses quiseram limitar as perdas
dos bancos franceses. E Angela Merkel, que estava inicialmente muito relutante
em quebrar a regra do “no bailout”, acabou por se deixar convencer por causa do lobby dos bancos alemães e da persuasão dos
três franceses. Foi isto que provocou a crise do euro.
Como
assim?
Porque
a decisão de emprestar dinheiro a uma Grécia insolvente transformou de repente
os maus empréstimos privados dos bancos em obrigações entre Governos. Ou seja,
o que começou por ser uma crise bancária que deveria ter unido a Europa nos
esforços para limitar os bancos, acabou por se transformar numa crise da dívida
que dividiu a Europa entre países credores e países devedores. E em que as
instituições europeias funcionaram como instrumentos para os credores imporem a
sua vontade aos devedores.
Podemos
vê-lo claramente em Portugal: a troika (de credores da zona euro e FMI) que
desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo
democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos
credores de Portugal.
E pior
que tudo, impondo as políticas erradas. Já é mau demais ter-se um patrão
imperial porque não tem base democrática, mas é pior ainda quando este patrão
lhe impõe o caminho errado.
Isso
tornou-se claro quando em vez de enfrentarem os problemas do sector bancário, a
Europa entrou numa corrida à austeridade colectiva que provocou recessões
desnecessariamente longas e tão severas que agravaram a situação das finanças
públicas. Foi claramente o que aconteceu em Portugal.
As
pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as
previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para
se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido.
Portugal
está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não
caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.
Quando
diz que os Governos e instituições estavam dominados pelos bancos quer dizer o
quê?
Quero
dizer que os Governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses
dos cidadãos. Por várias razões.
Em
alguns casos, porque os Governos identificam os bancos como campeões nacionais
bons para os países. Em outros casos tem a ver com ligações financeiras. Muitos
políticos seniores ou trabalharam para bancos antes, ou esperam trabalhar para
bancos depois.
Há uma
relação quase corrupta entre bancos e políticos.
No meu
livro defendo que quando uma pessoa tem a tutela de uma instituição, não pode
ser autorizada a trabalhar para ela depois.
Também
diz no seu livro que quando foi conselheiro de Durão Barroso, o avisou
claramente logo no início sobre o que deveria ser feito, ou seja, limpar os
balanços dos bancos e reestruturar a dívida grega. O que é que aconteceu? Ele
não percebeu o que estava em causa, ou percebeu mas não quis enfrentar a
Alemanha e a França?
Sublinho
que isto não tem nada de pessoal. O presidente Barroso teve a abertura de
espírito suficiente para perceber que os altos funcionários da Comissão estavam
a propor receitas erradas. Não conseguiram prever a crise e revelaram-se
incapazes de a resolver. Ele viu-me na televisão, leu o meu livro anterior (*)
e pediu-me para trabalhar para ele como conselheiro para lhe dar uma
perspectiva alternativa. O que foi corajoso, e a mim deu-me uma oportunidade de
tentar fazer a diferença. Infelizmente, apesar de termos tido muitas e boas
conversas em privado, os meus conselhos não foram seguidos.
Porquê?
Será que a Comissão não percebeu? A Comissão tem a reputação de não ter nem o
conhecimento nem a experiência para lidar com uma crise destas. Foi esse o
problema?
Foram
várias coisas. Claramente a Comissão e os seus altos funcionários não tinham a
menor experiência para lidar com uma crise. Era uma anedota!
O FMI
é sempre encarado como a instituição mais detestada [da troika], mas quando foi juntamente com
a Comissão à Irlanda, as pessoas do FMI foram mais apreciadas porque sabiam do
que estavam a falar, enquanto as da Comissão não tinham a menor ideia.
Por
isso, uma das razões foi inexperiência completa e, pior, inexperiência agravada
com arrogância. Em vez de dizerem “não sei como é que isto funciona, vou
perguntar ao FMI ou ver o que aconteceu com as anteriores crises na Ásia ou na
América Latina”, os funcionários europeus agiram como se pensassem “mesmo que
não saiba nada, vou na mesma fingir que sei melhor”.
Ou
seja, foram incapazes e arrogantes.
A
segunda razão é institucional: não havia mecanismos para lidar com a crise e,
por isso, a gestão processou-se necessariamente sobretudo através dos Governos.
E o
maior credor, a Alemanha, assumiu um ponto de vista particular. Claro que isto
não absolve a Comissão, porque antes de mais, muitos responsáveis da Comissão,
como Olli Rehn [responsável pelos assuntos económicos e financeiros], partilham
a visão alemã. Depois, porque o papel da Comissão é representar o interesse
europeu, e o interesse europeu deveria ter sido tentar gerar um consenso de
tipo diferente, ou pelo menos suscitar algum tipo de debate. Ou seja, a
Comissão poderia ter desempenhado um papel muito mais construtivo enquanto
alternativa à linha única alemã.
E, por
fim, é que, embora seja politicamente fraca, a Comissão tem um grande poder
institucional. Todas as burocracias gostam de ganhar poder. E neste caso, a
Comissão recebeu poderes centralizados reforçados não apenas para esta crise,
mas potencialmente para sempre, que lhe dão a possibilidade de obrigar os
países a fazer coisas que não conseguiram impor antes.
É por
isso que parte da resposta é também uma tomada de poder.
A
impressão que tivemos, em Portugal, é que a arrogância destes altos
funcionários europeus vinha de uma falta de orientações políticas e de
liderança, de Barroso e de Rehn...
Como é
que foi possível que uma instituição com uma responsabilidade tão grande sobre
a vida das pessoas pudesse ter funcionado em roda livre sem orientação
política?
Houve
orientação política, só que vinha da Alemanha. E a Alemanha aconselhou mal, em
parte por causa da forma particular como os alemães olham para a economia, por
causa da ideologia conservadora, e porque agiu no seu próprio interesse egoísta
de credor em vez de no interesse europeu alargado.
A UE
sempre funcionou com a Alemanha integrada nas instituições europeias, mas aqui,
a Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. É por isso que
temos uma Alemanha quase-hegemónica, o que é muito destrutivo.
Pensa
que isso foi uma decisão tomada conscientemente por Angela Merkel?
Os
erros vieram todos da violação da regra do “no bailout”. Merkel tem a seu favor
o facto de ter atrasado durante muito tempo [a ajuda à Grécia]. Penso que ela
não queria violar a regra do “no bailout”. Só que foi convencida a fazê-lo
pelos três franceses e pelos bancos alemães, que disseram todos que seria
irresponsável deixar a Grécia entrar em default.
E, por causa deste erro fatal, de repente os contribuintes alemães sentem que
são responsáveis pelas dívidas de todos os outros países.
Por
isso, a resposta natural dos alemães foi dizerem que querem maior controlo
sobre os orçamentos e políticas económicas dos outros. Este foi o erro crasso.
Transformou
a natureza da UE, que passou de uma comunidade voluntária entre iguais para
esta relação hierárquica entre credores exercendo o seu controlo sobre os
devedores.
Uma
coisa é Portugal e outros, numa altura de desespero, aceitarem termos injustos,
outra completamente diferente é aceitar numa base duradoura este sistema antidemocrático.
Se nas
próximas eleições for eleito um Governo diferente do actual e o sucessor de
Olli Rehn for à televisão dizer que é preciso manter exactamente as mesmas
políticas do governo anterior, naturalmente que os portugueses vão ficar
escandalizados porque acabaram de eleger um novo Governo, pessoas diferentes e
quem diabo é este comissário europeu não eleito que me diz que decisões sobre
despesas e receitas é que tenho de tomar?
Isto
não é politicamente sustentável.
Então
para si, a crise do euro foi antes de mais uma crise bancária mal gerida....
Foi. É
antes de mais uma crise bancária.
Se
olhar para Portugal, o principal problema era a dívida privada. Antes da crise,
a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha – 67/68% do PIB –
mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a dívida privada que
estava acima de 200% do PIB.
Antes
da crise, o que aconteceu em Portugal era, no essencial, bancos estrangeiros a
emprestarem a bancos portugueses e estes a emprestar aos consumidores
portugueses.
A
subida da dívida pública era reduzida, houve uns pequenos aumentos nos
primeiros anos do euro, mas bastante menos do que na dívida privada. Este é que
era o problema real, mas que os portugueses não enfrentaram, a UE e o FMI não
ligaram, só se concentraram na redução da dívida pública.
Por
isso, como não resolveram os problemas reais do sector bancário, não resolveram
o problema da dívida privada, só se concentraram na consequência, que foi o
aumento da dívida pública. Só que as consequências sociais para Portugal desta
profunda, longa e desnecessária recessão económica são trágicas. E ninguém é
responsabilizado.
Se
tivesse sido um erro feito pelo Governo português, bom, podia ser corrido nas
próximas eleições.
Mas
aqui as pessoas que fizeram os erros não são responsabilizadas. E depois as
pessoas perguntam-se porque é que os europeus já não gostam da Europa. É
surpreendente?
Pensa
que a dívida portuguesa também deveria ter sido reestruturada, a pública e a
privada?
Depende.
Com base nas políticas seguidas, a dívida portuguesa atingiu um nível perigoso
[129% do PIB]. Os bancos deveriam ter sido reestruturados e a dívida do sector
privado deveria ter sido resolvida.
Nas
empresas, através de procedimentos de insolvência do FMI que lhes permite
continuar a funcionar enquanto a dívida é reduzida. Para os consumidores, com
reduções de dívida a partir do momento em que os bancos reconhecem as perdas e
as incluem nos balanços.
Se
isto tivesse sido feito, a trajectória da dívida pública portuguesa poderia ter
permanecido sustentável, porque o sector bancário estaria a funcionar, a dívida
privada seria inferior e por isso haveria mais crédito para investimento e
maior consumo.
Mas
por causa dos erros feitos Portugal está numa situação difícil.
Há
quem pense que o que eu digo é uma loucura, alegando que os mercados estão a
emprestar a Portugal a taxas muito baixas e que por isso a crise acabou, blá
blá, blá, mas isso simplesmente não é verdade.
Isso
também aconteceu nos anos da bolha [financeira], antes de 2007, em que os
mercados também emprestavam de forma incrivelmente fácil, o que não significava
que não havia problemas.
Neste
momento tem havido entrada de liquidez, que está a tapar os problemas
subjacentes, mas essa liquidez pode inverter-se se o BCE, como penso que vai
acontecer, nos desiludir da ideia de que poderá haver um Quantitative Easing (injecção de liquidez).
Mas a
situação vai mudar na mesma, porque as taxas de juro americanas vão subir, o
que afectará todas as taxas de juro no mundo inteiro, incluindo em Portugal.
Ao
mesmo tempo, se olharmos para a economia subjacente, há agora um crescimento do
PIB positivo, mas a inflação caiu tanto que o crescimento nominal do PIB é
muito, muito baixo.
E é
muito difícil sair de uma dívida gigantesca quando se tem um crescimento
nominal do PIB muito baixo.
Por
isso, na ausência de inflação, é preciso reestruturar a dívida.
Neste momento?
Penso que
Portugal deve procurar obter uma redução da dívida oficial [dos empréstimos dos
países do euro]. Também deve aproveitar agora a estupidez do mercado que está a
emprestar a baixo custo para levantar o máximo possível de fundos e usar
parte desse dinheiro para pagar parte da velha dívida. Mas não se deixem
enganar que os problemas estão resolvidos, porque não estão.
Então, em sua opinião, os resgates a
Portugal e Grécia foram sobretudo resgates disfarçados aos bancos alemães e
franceses para os salvar dos empréstimos irresponsáveis, e que estão a ser
pagos pelos contribuintes portugueses e gregos?
Claro que foram.
No caso de
Portugal, também havia bancos espanhóis, mas que também tinham obtido
empréstimos dos bancos franceses e alemães. Era uma cadeia....
Isso significa que o sofrimento dos
portugueses, o desemprego astronómico, os cortes de salários e pensões e os
aumentos de impostos, tudo isto foi feito para salvar os bancos alemães e
franceses?
Bom, é preciso sublinhar que dado o
crescimento gigantesco do crédito que aconteceu em Portugal antes de 2007,
Portugal sofreria de alguma forma.
Não estou a dizer que seria tudo perfeito.
Mas a recessão
foi desnecessariamente longa e profunda e, em resultado dos erros cometidos, a
dívida pública é muito mais alta do que teria sido. A austeridade foi
completamente contraproducente, as pessoas sofreram horrores e isso prejudicou
imenso a economia.
Mas pelo menos parte da dívida pública foi
assumida para salvar dívida privada, incluindo dos bancos, portugueses e
alemães. O que significa que são os contribuintes portugueses que estão a pagar
para salvar esses bancos?
Sim, é verdade.
Numa união europeia, numa união monetária,
governos e instituições europeias puseram os interesses dos bancos à
frente do bem estar das pessoas?
Essa é a questão essencial. Estou
inteiramente de acordo. Na primeira fase da crise, já foi suficientemente mau
que os contribuintes tenham tido de salvar os bancos dos seus próprios países.
Mas quando o problema alastrou a toda a UE, o que aconteceu foi que a zona euro
passou a ser gerida em função do interesse dos bancos do centro – ou seja,
França e Alemanha – em vez de ser gerida no interesse dos cidadãos no seu
conjunto. O que é profundamente injusto e insustentável.
E destrutivo para a UE...
Exactamente. Essa é a tragédia. Em
resultado dos erros cometidos, a Europa está a ser destruída, o apoio à Europa
caiu a pique, velhos ressentimentos foram reavivados, outros nasceram, a par de
tensões sociais no interior dos países.
Podemos esperar que as eleições europeias
sejam um sinal de alarme, mas duvido, porque o sentimento contra a Europa tem
assumido frequentemente a forma de extremismos.
Ora, é muito
fácil atacar o extremismo, o que está certo, mas sem olhar para as causas
subjacentes. Há pessoas que votam para partidos nazis porque são racistas, mas
há outras que votam nesses partidos porque estão infelizes, perderam a
esperança, sentem-se injustiçadas.
É preciso
olhar para as causas subjacentes, porque se não a UE está em muitos maus
lençóis.
Em concreto:
como a Alemanha e os outros países do centro são co-responsáveis pelos erros
cometidos nos países ajudados para salvar os seus bancos, não deveriam agora
aceitar um perdão de pelo menos uma parte dos empréstimos concedidos ao abrigo
dos resgates?
Sim, deveriam, necessariamente. Só que o
problema, agora, é que os contribuintes alemães vão sentir que os outros estão
atrás do seu dinheiro e acham injusto. E têm razão, é injusto.
Só que a culpa
não é dos ‘mal-comportados’ portugueses ou gregos, a culpa é de Angela Merkel
que aceitou resgatar os bancos alemães com os empréstimos a Portugal e Grécia.
É isso que é
tão terrível, é que ao fazer justiça a Portugal e Grécia, está-se a confirmar,
de facto, a narrativa incorrecta que os alemães se contaram a si próprios de
que esta crise tem a ver com os maus do sul a quererem levar o dinheiro deles.
Mas, de facto, o que aconteceu foi que
Angela Merkel permitiu que os contribuintes alemães resgatassem, de forma
indirecta, os bancos alemães. Esta é a tragédia.
Qual e a solução agora?
É preciso um discurso de verdade. Não
acredito que Merkel seja capaz de o fazer porque teria de admitir os erros.
Seria preciso que algum líder ou político alemão explicasse a verdadeira
história sobre o que aconteceu. Mas tem de haver um reconhecimento da verdade.
Mas pelo menos no caso da Grécia, a
Alemanha vai ter de fazer alguma coisa, porque a dívida é totalmente
insustentável...
Totalmente insustentável. [O ex-chanceler
alemão] Helmut Schmidt disse que deveria haver uma conferência de dívida e
Trichet poderia expiar os seus pecados fazendo-o, enquanto gesto de
solidariedade europeia, como aconteceu com a dívida da Alemanha em 1924 e 1928.
Se pensarmos
bem, o que a Alemanha, a Comissão e as instituições da UE em geral fizeram foi
abusar do facto de Portugal e Grécia quererem desesperadamente ser europeus e
estarem aterrados com o que lhes poderia acontecer se saíssem do euro e por
isso puderam impôr-lhes condições muito injustas.
É um pouco
como um marido violento que bate na mulher e que sabe que pode continuar porque
ela ainda gosta dele e porque tem medo de o deixar.
Isto é
exactamente o oposto da solidariedade em que é suposto a Europa ser baseada.
Por isso, quando digo que precisamos de um gesto de solidariedade, não é para
resgatar o mau comportamento de Portugal e Grécia, mas um gesto de
solidariedade para corrigir os erros horríveis dos últimos anos.
Se os
contribuintes alemães ficarem zangados, então a solução poderá ser uma taxa
sobre os bancos alemães para recuperar o dinheiro, porque não?
O que sugere para Portugal poder começar a
crescer?
É preciso uma reestruturação dos bancos, um
perdão de dívida tanto pública como privada, é preciso investimento do Banco
Europeu de Investimentos (BEI), dos fundos estruturais da UE e através dos
ganhos de um perdão de dívida que reduza os pagamentos dos juros.
Se os bancos
estiverem a funcionar como deve ser, também haverá crédito ao investimento. E é
preciso reformas, porque durante esta crise, as reformas defendidas pela
Comissão e Alemanha foram, no essencial, redução de salários. Isto foi baseado
num falso diagnóstico.
Não é verdade
que os aumentos salariais no sul da Europa foram excessivos nos anos pré-crise.
Em termos de peso no PIB, os salários até caíram.
Por isso não é
verdade que esta foi a causa da crise, não é verdade que os salários precisavam
de ser reduzidos. Só que esmagar salários provoca o colapso do consumo, agrava
a recessão e agrava o peso da dívida, porque se os salários baixam, é mais
difícil pagá-la.
Tudo isto é
baseado no erro de concepção alemão de que os custos salariais são uma coisa má
e têm de ser reduzidos, quando, de facto, deveriam ser tão altos quanto
possível, desde que justificados pela produtividade.
Uma das
histórias bonitas aqui é a dos fabricantes portugueses de calçado que ignoraram
os conselhos da UE de reduzir salários, porque perceberam que com a
concorrência de baixo custo da Turquia e China, se cortassem os salários,
entrariam numa corrida para baixo. Em vez disso, decidiram investir para chegar
ao topo do mercado, e em resultado disso, as exportações aumentaram, os
salários aumentaram, o emprego aumentou.
Este é o
modelo que é preciso seguir, não caminhar para salários cada vez mais baixos.
E para a UE?
Qual é a solução para a crise? Falar de maior integração, de união política e
orçamental tem sentido?
Não creio que seja preciso maior integração
para resolver a crise. O plano em três pontos que dei a Durão Barroso em 2010 –
reestruturação de bancos, reestruturação de dívidas, investimento e reformas –
pode ser feito com as actuais instituições.
Mas é preciso,
sim, uma reforma institucional para fazer a zona euro funcionar melhor no
futuro.
E, a esse
respeito, penso que é preciso ter um mecanismo verdadeiramente independente de
resolução dos bancos, porque o actual não é.
É preciso que
o papel do BCE enquanto credor de último recurso dos governos seja tornado
permanente em vez do actual mecanismo temporário e condicional [OMT].
Terceiro, é preciso restaurar a regra do “no bailout”.
E é preciso
dar aos Governos muito mais liberdade e flexibilidade para contrair crédito e
para gastar – para isso, é preciso deitar fora o Tratado orçamental – embora
prevendo, em última análise, a possibilidade de default. Esta é a disciplina.
Os Governos e
os mercados têm de saber que há o risco de default.
A longo prazo,
será preciso criar um tesouro da zona euro, com algum poder de tributação
fiscal e de contrair crédito, que responda democraticamente perante o
Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais.
Seria bom que
houvesse um mecanismo de partilha de risco no seio da zona euro, mas
infelizmente penso que ainda não existem condições para isso, porque os alemães
olham para qualquer mecanismo de partilha de riscos como uma forma de
transferência, e com todo o sentimento anti-europeu do momento, não há condições
políticas.
Mesmo que, de
facto, fosse mais respeitador das democracias nacionais do que o sistema que
temos agora. Porque teríamos mais integração ao nível europeu, com um orçamento
da zona euro, mas igualmente muito maior liberdade ao nível nacional.
Sobre os
resgates em si: disse que no caso do programa da Grécia as projecções
macro-económicas eram totalmente irrealistas e que as condições impostas a
Portugal foram “bárbaras”. Quem foi responsável por isto, o FMI ou a Comissão
Europeia?
Foi a troika que o fez em conjunto, mas penso que o
essencial da responsabilidade da parte orçamental dos programas é da Comissão.
As projecções
eram completamente falsas.
Dá vontade de
rir quando se comparam as projecções de 2011 com os resultados de 2013,
é uma anedota.
Isto resultou
em parte da incompetência das pessoas responsáveis, mas há outro problema que é
o da responsabilidade democrática.
Olli Rehn e os
seus altos funcionários decretam que o desemprego vai ser 12% mas se afinal é
20%, dizem “ah, ok, temos de mudar aqui este número na folha de cálculo”. Ou
seja, não estão a lidar com a realidade. Esta instituição é uma redoma
completamente desligada da realidade.
Estas mesmas
pessoas vão continuar a mandar nas nossas vidas....
Pois é, é
assustador. Além das alterações que é preciso fazer na zona euro, é preciso que
a Comissão Europeia seja muito mais controlada no plano democrático.
O que
significa um presidente da Comissão eleito e maior controlo democrático perante
o PE e os parlamentos nacionais. É preciso ligar o debate em Bruxelas com o que
está a acontecer nos Estados membros.
Porque este
tipo de sistema quase imperial sem controlo democrático não é sustentável. Isto
não vai mudar com as próximas eleições.
Mas vai ser
preciso, nos próximos cinco anos, construir uma democracia europeia a sério,
mudar a natureza da Europa. Ou seja, precisamos de uma
Primavera Europeia.
(*) European Spring: Why
our Economies and Politics are in a mess” (2014); Aftershock: Reshaping
the World Economy After the Crisis (2010); Immigrants:
Your Country Needs Them (2007); Open
World: The Truth About Globalisation (2002)
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