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sábado, 24 de agosto de 2013

Abortos intelectuais

(...)Gonçalo Portocarrero sabe que eu sei que ele sabe que nenhuma mulher aborta de ânimo leve ou porque sim. Sabe que, apesar do folclore, tantas vezes pernicioso a um lado e a outro das barricadas morais, ninguém defende o aborto livre do tipo "a barriga é minha" ou "em cada mulher uma abortadeira". O que se pretende e pretendeu, sem prejuízo do inalienável direito à vida, é acabar com uma prática sucedânea da santa inquisição em que, como aconteceu nos julgamentos da Maia em 2002 ou de Aveiro em 2004, as mulheres sejam humilhadas e devassadas em público. Isto já para não falar daquelas, demasiadas, que morreram por serem forçadas a recorrer ao vão de escada. E isso é, a par de outros, um avanço civilizacional que não tem preço. O exercício do sacerdote é pois ética e intelectualmente desonesto porque, na melhor prática estalinista, deturpa e reescreve as palavras de Álvaro Cunhal e ignora deliberadamente a verdade factual de quem defendeu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Mas é também um ato de cobardia. Ao descontextualizar as palavras do antigo líder comunista, redigidas há mais de 70 anos, Gonçalo Portocarrero sabe que não será contraditado simplesmente porque o autor já cá não está para se defender e repor a verdade. 
(...)
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