Os instrumentos económicos existem mas a opinião política dominante
proíbe o fim da crise. Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia, apela ao
fim dessa corrente austeritária, sacrificial e assassina de empregos.
Nestes últimos três anos caiu-nos uma depressão em cima da cabeça, e o
que fizemos? Procurámos culpados. O “viver acima das nossas
possibilidades” e “os malefícios do endividamento” são duas cantigas
populares dos últimos anos. E, no entanto, antes de a crise ter
rebentado na América e de se ter propagado à Europa, o nível de
endividamento de alguns dos países do sul da Europa, como Portugal e
Espanha, tinha vindo a reduzir-se. Os gráficos estão lá e mostram que
sim (como mostram que o gigante alemão também está fortemente
endividado). Mas porque é que as pessoas não querem acreditar nisto? Nem
sequer apreender o facto de terem sido “praticamente todos os
principais governos” que, “nos terríveis meses que se seguiram à queda
do banco de investimento Lehman Brothers, concordaram em que o súbito
colapso das despesas do sector privado teria de ser contrabalançado e
viraram-se então para uma política orçamental e monetária expansionista
num esforço para limitar os danos”? A Comissão Europeia e a Alemanha
estavam “lá”. E, de repente, tudo mudou.
Uma das maiores dificuldades de lidar com esta crise é, em primeiro
lugar, o facto natural de tanto o cidadão comum como Jesus Cristo não
perceberem nada de finanças, a menos quando lhe vão ao seu próprio bolso
(ou perde o emprego). A outra é o poder da narrativa do “vivemos acima
das nossas possibilidades”, aquilo a que Krugman chama a “narrativa
distorcida” europeia , “um relato falso sobre as causas da crise que
impede verdadeiras soluções e conduz de facto a medidas políticas que só
pioram a situação”. Krugman ataca “uma narrativa absolutamente errada”,
consciente de que “as pessoas que apregoam esta doutrina estão tão
relutantes como a direita americana em ouvir a evidência do contrário”.
Três quartos do livro-manifesto “Acabem com esta crise já” é dedicado
aos Estados Unidos, pátria de Krugman. Mas tendo em conta o nosso
“interesse nacional”, centremo-nos no que diz sobre a Europa.
Krugman refuta a explicação popular e maioritária sobre a situação
actual na Europa – países sob tutela de troika e pedidos de resgate à
média de dois por ano. “Eis, então, a Grande Ilusão da Europa: é a
crença de que a crise da Europa foi essencialmente causada pela
irresponsabilidade orçamental. Diz essa história que os países europeus
incorreram em excessivos défices orçamentais e se endividaram demasiado –
e o mais importante é impor regras que evitem que isto volte a
acontecer”.
Krugman aceita que a Grécia (e Portugal, “embora não à mesma escala)
incorreu em “irresponsabilidade orçamental”, mas recusa a “helenização”
do problema europeu. “A Irlanda tinha um excedente orçamental e uma
dívida pública reduzida na véspera do deflagrar da crise (...) A Espanha
também tinha um excedente orçamental e uma dívida reduzida. A Itália
tinha um alto nível de endividamento herdado das décadas de 1970 e 1980,
quando a política era realmente irresponsável, mas estava a conseguir
fazer baixar de forma progressiva o rácio do endividamento em relação ao
PIB”. Ora um graficozinho do FMI demonstra que, enquanto grupo, “as
nações europeias que se encontram actualmente a braços com problemas
orçamentais conseguiram melhorar de forma progressiva a sua posição de
endividamento até ao deflagrar da crise”. E foi só com a chegada da
crise americana à Europa que a dívida pública disparou. Explicar isto
aos “austeritários” é uma tarefa insana. Diz Krugman: “Muitos europeus
em posições-chave – sobretudo políticos e dirigentes na Alemanha, mas
também as lideranças do Banco Central Europeu e líderes de opinião
espalhados pelo mundo das finanças e da banca – estão profundamente
comprometidos com a Grande Ilusão e nada consegue abalá-los por mais
provas que haja em contrário. Em consequência disso, o problema de
responder à crise é muitas vezes formulado em termos morais: as nações
estão com problemas porque pecaram e devem redimir-se por via do
sofrimento”. Ora é esta exactamente a história que nos conta o governo e
que é, segundo Paul Krugman, “um caminho muito mau para se abordar os
problemas que a Europa enfrenta”.
Ao contrário do que muita gente possa pensar, Krugman não é um perigoso
socialista. E, céus, até defende a austeridade (alguma, mas não esta).
Vejam como ele explica a crise espanhola, que considera a crise
emblemática da zona euro: “Durante os primeiros oito anos após a criação
da zona euro a Espanha teve gigantescos influxos de dinheiro, que
alimentaram uma enorme bolha imobiliária e conduziram a um grande
aumento de salários e dos preços relativamente aos das economias do
núcleo europeu [Alemanha, França e Benelux]. O problema essencial
espanhol, do qual derivam todos os outros, é a necessidade de voltar a
alinhar custos e preços. Como é que isso pode ser feito?”. O Nobel
explica: “Poderia ser feito por via da inflação nas economias do núcleo
europeu. Imagine-se que o BCE seguia uma política de dinheiro fácil
enquanto o governo alemão se empenhava no estímulo orçamental; isto iria
implicar pleno emprego na Alemanha mesmo que a alta taxa de desemprego
persistisse em Espanha. Os salários espanhóis não iriam subir muito, se é
que chegavam a subir, ao passo que os salários alemães iriam subir
muito; os custos espanhóis iriam assim manter-se nivelados, ao passo que
os custos alemães subiriam. E para a Espanha seria um ajustamento
relativamente fácil de fazer: não seria fácil, seria relativamente
fácil”.
Ora, esta maneira “relativamente fácil” de resolver a crise europeia
tem estado condenada (vamos ver o que se segue ao novo programa de
compra de dívida do BCE, criticado pelo presidente do Bundesbank) pela
irredutibilidade alemã relativamente à inflação, “graças às memórias da
grande inflação ocorrida no início da década de 1920”. Krugman lembra
bem que estranhamente “estão muito mais esquecidas as memórias relativas
às políticas deflacionárias do início da década de 1930, que foram na
verdade aquilo que abriu caminho para a ascensão daquele ditador que
todos sabemos quem é”.
O que trama as nações fracas do euro (como Espanha e Portugal) é, não
tendo meios de desvalorizar a moeda – como fez a Islândia no rescaldo da
crise com sucesso – estão sujeitas ao “pânico auto--realizável”. O
facto de não poderem “imprimir dinheiro” torna esses países vulneráveis
“à possibilidade de uma crise auto-realizável, na qual os receios dos
investidores quanto a um incumprimento em resultado de escassez de
dinheiro os levariam a evitar adquirir obrigações desse país,
desencadeando assim a própria escassez de dinheiro que tanto receiam”. É
este pânico que explica os juros loucos pagos por Portugal, Espanha e
Itália, enquanto a Alemanha lucra a bom lucrar com a crise do euro –
para fugir ao “pânico” os investidores emprestam dinheiro à Alemanha sem
pedir juros e até dando bónus aos alemães por lhes deixarem ter o
dinheirinho guardado em Frankfurt.
Se Krugman defende que “os países com défices orçamentais e problemas
de endividamento terão de praticar uma considerável austeridade
orçamental”, defende que para sair da crise seria necessário que “a
curto prazo, os países com excedentes orçamentais precisam de ser uma
fonte de forte procura pelas exportações dos países com défices
orçamentais”.
Nada disto está a acontecer. “A troika tem fornecido pouquíssimo
dinheiro e demasiado tardiamente” e, “em resultado desses empréstimos de
emergência, tem-se exigido aos países deficitários que imponham
programas imediatos e draconianos de cortes nos gastos e subidas de
impostos, programas que os afundam em recessões ainda mais profundas e
que são insuficientes, mesmo em termos puramente orçamentais, à medida
que as economias encolhem e causam uma baixa de receitas fiscais”.
Conhece esta história, não conhece?
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