A inflamada declaração de Angela Merkel,
numa entrevista à televisão pública alemã, ARD, em que sugere a perda de
soberania para os países incumpridores das metas orçamentais, bem
como a revelação sobre o papel da célebre família alemã Quandt, durante o Terceiro Reich, ligam-se, como peças de puzzle, a
uma cadeia de coincidências inquietantes. Gunther Quandt foi, nos anos 40, o
patriarca de uma família que ainda hoje controla a BMW e gere uma fortuna de 20 mil milhões de euros. Compagnon de route de
Hitler, filiado no partido Nazi, relacionado com Joseph Goebbels, Quandt
beneficiou, como quase todos os barões da pesada indústria alemã, de mão-de-obra escrava, recrutada entre judeus, polacos,
checos, húngaros, russos, mas também franceses e belgas. Depois da guerra, um BMW mas não o antigo chefe do clã Quandt, pode ser a abertura de uma
verdadeira caixa de Pandora. A seu filho, Herbert, também envolvido com Hitler,
salvou a BMW da insolvência, tornando-se, no final dos anos 50, uma das grandes
figuras do milagre económico alemão. Esta investigação, que iliba afinal, o
poderio da indústria alemã assentaria diretamente num sistema bélico baseado na
escravatura, na pilhagem e no massacre. E os seus beneficiários nunca teriam
sido punidos, nem os seus empórios desmantelados. As discussões do pós-Guerra,
incluíam, para alguns estrategas, a desindustrialização pura e simples da
Alemanha - algo que o Plano Marshal, as necessidades da Guerra Fria e os
fundadores da Comunidade Económica Europeia evitaram. Assim, o poderio
teutónico manteve-se como motor da Europa. Gunther e
Herbert Quandt foram protagonistas deste desfecho. Esta história invoca um
romance recente de um jornalista e escritor de origem britânica, a viver na
Hungria, intitulado "O protocolo Budapeste". No livro, Adam Lebor
ficciona sobre um suposto diretório alemão, que teria como missão restabelecer
o domínio da Alemanha, não pela força das armas, mas da economia. Um dos passos
fulcrais seria o da criação de uma moeda única que obrigasse os países a
submeterem-se a uma ditadura orçamental imposta desde Berlim. O outro,
descapitalizar os Estados periféricos, provocar o seu endividamento,
atacando-os, depois, pela asfixia dos juros da dívida, de forma a passar a
controlar, por preços de saldo, empresas estatais estratégicas, através de
privatizações forçadas. Para isso, o diretório faria eleger governos dóceis em
toda a Europa, munindo-se de políticos-fantoche em cargos decisivos em Bruxelas
- presidência da Comissão e, finalmente, presidência da União Europeia. Adam
Lebor não é português - nem a narração da sua trama se desenvolve cá. Mas os
pontos de contacto com a realidade, tão eloquentemente avivada pelas declarações
de Merkel, são irresistíveis. Aliás, "não é muito inteligente imaginar que
numa casa tão apinhada como a Europa, uma comunidade de povos seja capaz de
manter diferentes sistemas legais e diferentes conceitos legais durante muito
tempo." Quem disse isto foi Adolf Hitler. A pax germânica seria o destino
de "um continente em paz, livre das suas barreiras e obstáculos, onde a
história e a geografia se encontram, finalmente, reconciliadas" - palavras
de Giscard d'Estaing, redator do projeto de Constituição europeia.É um facto
que a Europa aparenta estar em paz. Mas a guerra pode ter já recomeçado.
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