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domingo, 22 de julho de 2012

Helena Cidade Moura (1924-2012)

Faleceu esta sexta-feira em Lisboa a responsável pela maior campanha de alfabetização logo a seguir ao 25 de Abril. 
Capa de Jorge Palha com o pormenor de um desenho de Rogério Ribeiro
Editorial Caminho, Lisboa Maio 1979
Deputada do MDP/CDE e ativista da Civitas, teve uma vida dedicada à batalha pela literacia e pela liberdade. 

O combate pela literacia e pela liberdade marcou a vida de Helena Cidade Moura. Foto 96dpi/Flickr
Mas a sua actividade cívica e política não nasceu em 1974. Bem antes, esteve sempre ligada a instituições e iniciativas dos chamados católicos progressistas e afins. Foi presidente do Centro Nacional de Cultura em 1961, subscreveu manifestos importantes, entre os quais refiro, de cor e a título de exemplo, um longo texto de 101 católicos, em 1965, e todos os protestos contra o encerramento da cooperativa Pragma, em 1967. 
Helena Cidade Moura acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização
Helena Cidade Moura acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização (Daniel Rocha)
Era filha do velho professor Hernâni Cidade e cunhada de Francisco Pereira de Moura. E, também, amiga próxima de um conjunto de colegas notáveis que teve no curso de Românicas da Faculdade de letras de Lisboa: entre outros, Sebastião da Gama, Luís Lindley Cintra, Maria de Lourdes Belchior e David Mourão-Ferreira. Sobreviveu-lhes, até ontem. 

Livros:

Entrevista a Helena Cidade Moura
Helena Cidade MouraHelena Tâmega Cidade Moura, responsável pela maior campanha de alfabetização organizada em Portugal no pós 25 de Abril de 1974, realizou e acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização um pouco por todo o país, segundo o método de Paulo Freire, de quem era amiga. Foi deputada à Assembleia da República na I, II e III legislaturas. Publicou, entre outras obras, o "Manual de Alfabetização", que abriu caminho ao interesse da sociedade civil para ações de alfabetização junto das populações. Anotadora das obras de Eça, tem 135 registos na Biblioteca Nacional.

Tem projetos em curso no sentido de diminuir a taxa de analfabetismo?
Sim, tenho. Com a ajuda da sociedade civil e, nomeadamente, com a ajuda de alunos da Universidade Aberta, que já têm em andamento um projeto que tem como objetivo final a diminuição da taxa de analfabetismo a nível nacional em 5 pontos percentuais, de cerca de 10%, número em que se encontra atualmente, para perto dos 5%, até ao final de 2011. Acabei a primeira ação de formação este mês, para habilitar três membros da ANIALL a formarem alfabetizadores. Eu, por mim, encontro-me à disposição de formar mais grupos e iniciaremos brevemente a formação de mais um grupo de 15 indivíduos.

Como conheceu Paulo Freire?
Conheci o Paulo Freire através de um amigo meu, que era funcionário na TAP, no aeroporto de Lisboa e que, sabendo o meu interesse pelas questões da alfabetização de adultos, um dia ligou-me dizendo-me que o Paulo passava diversas vezes em trânsito pelo aeroporto e que não saía de lá porque era perseguido politicamente, e que seria bom eu ir até lá para nas horas em que ele esperava pelo voo de ligação para a Suíça, para falarmos. Depois da primeira abordagem, tornou-se um hábito a cada vez que ele por cá passava, até ao culminar numa grande amizade, até à sua morte. Conto-lhe uma coisa que me impressionou. Um dia, eu e um amigo meu organizámos um encontro no Colégio da Doroteias em Lisboa. O Paulo entrou na sala onde se encontrava gente ávida do ouvir e, antes de ficar quieto, foi inspeccionar todas as tomadas eléctricas que existiam na sala, os candeeiros e outros locais de possível ocultação de aparelhos de escuta, um homem cheio de medo perseguido pelo fascismo.

Qual o maior ensinamento de Paulo Freire para a sociedade da leitura?
A alegria e a persistência. Ele tinha uma alegria imensa de trabalhar e era persistente, persistente, ia contra tudo e contra todos, determinado pelos seus objectivos. Uma pessoa muito inteligente mas muito altruísta. Colocava sempre a sua inteligência ao serviço de qualquer coisa, não era um sábio, era a inteligência em ação, uma pessoa sensacional.

O que pode a sociedade fazer para pôr as crianças a ler?
Eu penso que o mais importante é que as crianças achem que a leitura é um caminho possível para chegar a outras coisas, não será ficarem estagnados a lerem uma banda desenhada ou um jornal mas, com isso, encontrarem caminhos para chegarem a outras coisas e isso aprende-se lendo e, à medida que incrementam o gosto pela leitura, eles criam uma relação diferente com o mundo. Depois de adultos, formam a sua própria personalidade enquanto leitores mas, em crianças, se seguirem o caminho da leitura, sentem-se mais acompanhados e seguros nesse caminhar.

Qual a sua relação com a escrita de Eça?
É muito boa. Eça de Queiroz ensinou-me muita coisa. Além disso, sou muito amiga da pouca família que lhe restava e fui sempre recebida em casa deles, no Douro, com a maior das simpatias e prometi-lhes que seria a primeira região onde, deslocando-me fisicamente, ensinaria a alfabetizar. Talvez para o ano que vem concretize essa promessa.

De que maneiras podem os autores clássicos entrar no quotidiano dos portugueses?
A falta de cultura na generalidade da sociedade portuguesa é uma coisa gritante. Este trabalho que estamos a desenvolver no âmbito da alfabetização de adultos tem como tema "sem cultura não há desenvolvimento", para as pessoas perceberem que é precioso cultivarem-se para terem necessidade do desenvolvimento. Neste momento, nos estamos paralisados de intenções sociais. Cada um trata da sua vida o melhor que pode e acaba por aí a sua intervenção na sociedade e isto é uma maneira de ser muito difícil de remediar. Por isso, tenho a convicção que projetos como este desempenharão um papel importante no gosto pela leitura também dos clássicos.

Qual o conselho que tem para dar aos políticos deste país para elevar o nível de literacia dos portugueses?
Que trabalhassem muito, muito, com muita confiança e com muita ligação à realidade. Os discursos, já ninguém os ouve, mas quanto às ações, as pessoas percebem-nas e, nesse campo do agir, há muita coisa a fazer e eu gostava de ver os políticos mais empenhados na transformação do país, assumindo as próprias culpas. Também existem pessoas a trabalhar, mas sem grande convição, falta-lhes a tal alegria e persistência que tinha Paulo Freire. É preciso acreditar que se possa ter um objectivo.

Escrito por Rogério Mendonça
Entrevista dada à revista Livros&Leituras a 25/04/2010.

História

     A CIVITAS - Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos do Cidadão foi criada em Lisboa, em 1989 e a sua intervenção é de âmbito nacional sendo seus fundadores Coronel Vitor Alves e Helena Cidade Moura. Seguindo  a lógica de uma cultura em rede, nasceram vários núcleos regionais da CIVITAS em diversas cidades portuguesas.

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