Correm em meios restritos de Luanda, políticos e empresariais, rumores
segundo os quais estalaram “desentendimentos graves” entre Kundi
Paihama e António Ferreira, seu principal sócio e gestor de negócios.
Uma das causas do problema terá sido uma sugestão de A Ferreira,
repelida por K Paihama, tendo em vista a realização de auditorias a
empresas comuns.
A Ferreira, vulgo “Tony”, português, tem participações e/ou cargos
sociais em negócios de K Paihama tais como o BANC-Banco Angolano de
Negócios e Comércio; Finangest, hotelaria e jogo; Gestimóvel, construção
e imobiliário; Geogeste, mineração, com interesses nos granitos ngeros
da Huíla e diamantes.
António Ferreira e Kundi Paihama detêm o monopólio dos casinos em Angola
Luanda
– 1 . Ministro da Defesa de Angola desde 30.Jan.1999; faz parte,
também, da chamada “cúpula do MPLA” (BP), mas não é na área da
governança nem da actividade partidária que, por ora, a sua vida se
exerce em plenitude – salvo casos episódicos. Os seus negócios privados,
que cuida de expandir e diversificar, é que, de facto, o absorvem.
A saber:
- É sócio principal de um empreendimento turístico (primeira pedra lançada em Mai.2007), que por estar a ser implantado em local dos arredores de Luanda onde no tempo colonial existiu a “Quinta Rosa Linda”, recebeu o nome de “Rosa Linda”; compreende um hotel de 5 estrelas e um grande casino.
- É sócio principal de um empreendimento turístico (primeira pedra lançada em Mai.2007), que por estar a ser implantado em local dos arredores de Luanda onde no tempo colonial existiu a “Quinta Rosa Linda”, recebeu o nome de “Rosa Linda”; compreende um hotel de 5 estrelas e um grande casino.
- É um dos accionistas, eventualmente o
mais importante, do BANC, um banco lançado em Jan.2007, com o apoio
técnico do BES (solicitado a título de “emergência” a fim de colmatar a
lacuna da não concretização de uma prevista participação da Geocapital
no projecto).
- É dono e/ou tem quotas societárias
dominantes em empresas de ramos diversos: Geogest, mineração (explora
granitos negros na Huíla e diamantes nas Lundas); Gestimóvel, construção
e imobiliário; Finangest, hotelaria e jogo (gestão dos casinos dos
hoteis Tivoli e Marinha); Multiauto, comércio automóvel.
O mundo dos negócios pelo qual enveredou nos últimos anos, mais a
tendência que revela de se associar nos mesmos a portugueses, constituem
uma ironia do destino – a que não escaparam muitos outros dirigentes do
MPLA oriundos dos tempos da “trincheira firme da revolução em África”,
como eles próprios chamavam a Angola, na versão comunista por que
dolorosamente passou.
Nos idos da revolução e dos dogmas que a marcaram, ninguém mais que
Kundi Paihama (talvez só Lúcio Lara e Paulo Jorge), se deixou fascinar
tanto e tão briosamente por ideais de despojamento material. Era
austero, ufanava-se da condição de espartano e cultivava afincadamente
esses traços do seu ser de então.
Houve mesmo uma altura, então arvorado em ministro de Estado para a
Inspecção e Controlo, em que se anunciou como uma espécie de D. Quixote
em denodada luta contra a corrupção. O alvo principal foi a Endiama – em
concreto as actividades pouco claras ou mesmo escusas de muita gente
que prosperava à volta da produção diamantífera – tudo dando lugar a um
volumoso relatório, carregado de denúncias.
Por esses tempos também não exibia as actuais simpatias e/ou
preferências por Portugal ou pelos portugueses – embora se conheçam
testemunhos de portugueses presos nas cadeias angolanas nos anos a
seguir à independência (p ex, Cardoso Botelho), que lhe apontam atitudes
benevolentes; era então ministro do Interior e da Segurança de Estado.
A transfiguração por que Kundi Paihama passou é espírito do tempo. A
nova ideologia manda que os dirigentes adquiram também a dupla faceta de
empresários, de modo a fomentar a afirmação de uma oligarquia,
centralmente opulenta, a que compete, pela via simples da acumulação de
poder e influências, proteger e perpetuar o regime.
Também se deixou tentar por mordomias pessoais, muito ao gosto da
elite angolana, embora sem incorrer em extravagâncias de outros. Tem uma
fazenda (de rendimento e lazer), em Chimbolelo, Huíla, a meias com o
“amigo de peito”, Faustino Muteka e uma vivenda no Minho, Portugal, onde
aprecia refugiar-se.
2 . A acrimónia anti-portuguesa que deixava transparecer nos tempos
pós-independência, era um diapasão pelo qual muitos afinavam. Parte
substancial da direcção do MPLA tinha laços com portugueses ou provinha
da administração colonial e do Exército Português; todos sentiam
necessidade de se fazer passar por “mais papistas que o papa”, tentando
esbater assim aspectos menos cómodos do passado.
Kundi Paihama era mesmo um caso especial. Na sua biografia oficial há
referência a “actividades clandestinas” no tempo colonial. Mas são
consideradas fantasiosas. De facto, foi 1º Cabo do Exército Português
(1965/68), depois empregado civil numa unidade do mesmo, o ASMA. Em
1973, acabado de admitir nos Serviços de Registos e Notariado, foi
colocado em Porto Alexandre (Tômbwa, actualmente) onde estava à data do
25.Abr.74.
A preferência considerada autêntica que revela hoje por Portugal e
pelos portugueses como parceiros de Angola, esteve apenas “adormecida”
enquanto convinha que estivesse. Logo que deixou de estar, por alturas
da queda do muro de Berlim, ei-lo “feito” com Portugal onde conta com um
enorme e transversal círculo de amigos.
O mais prestigiado é Pinto da Costa que tem para com ele a deferência
extrema de o convidar a assistir aos jogos do F.C. Porto instalado a
seu lado, na tribuna do Estádio do Dragão; do seu círculo de amigos e
parceiros, todos apreciando-o pela sua franqueza e simpatia, contam-se
Emídio Rangel, Jorge Coelho, Jaime Neves, etc.
3 . Apesar da presente dedicação aos negócios, Kundi Paihama não
perdeu o gosto pela política – no exercício da qual sempre se deixou
tentar por tiradas tonitruantes.”É preciso acabar com a corrupção e a
indisciplina nas FAA” , “Os terroristas de Savimbi e os seus patrões
devem ser combatidos” – são afirmações avulsas dele.
A par do “bichinho” da política e da “certaine idée” que tem da
mesma, há outro traço do carácter de Kundi Paihama que se mantém
intacto: a sua apurada noção de “lealdade ao chefe”, na pessoa de José
Eduardo dos Santos (JES), a qual inclui excessos de zelo – que “o chefe”
retribui com manifestações de confiança e reconhecimento úteis para
tudo – inclusivé para os negócios.
Kundi Paihama é natural do Quipungo, uma aldeia situada na faixa de
junção das províncias do Huambo e Huíla, onde também se misturam etnias
cujas diferentes linguagens domina. Mas também tem influências entre os
cuanhamas, advindas de ligações familiares e do tempo em que foi
governador (então comissário) da prov do Cunene, 1976-79.
É a singela particularidade das influências e o prestígio que tem
entre os cuanhamas, que explica a ascensão que conheceu no MPLA e no
regime. A Guarda Presidencial e departamentos chave da antiga polícia
política, a DISA, eram de regra constituídos por cuanhamas que Kundi
Paihama tratava de mobilizar, organizar e controlar.
Sempre exteriorizou aversão a Jonas Savimbi e à UNITA – uma evidência
vista como outro afloramento da liturgia que pratica de lealdade ao
“chefe”. As suas bravatas contra Jonas Savimbi eram não apenas
manifestações de lealdade ao “chefe”, como serviam de elemento
mobilização e coesão do próprio regime.
Esteve em vias de ser capturado pela UNITA nos tempos da guerra. Era
então governador de Benguela; o vice-governador, Ndaka Yessunga, não
escapou e foi levado cativo para a Jamba. Mas não se descortina em tal
apuro razão para o ódio que publicamente votava a Jonas Savimbi. Eram
também gestos para “agradar ao chefe”, como se diz.
4 . Desde há vários meses correm cíclicos rumores de que Kundi
Paihama está prestes a deixar o ministério da Defesa para se dedicar à
direcção da campanha eleitoral do MPLA. O cenário suscita dúvidas por
razões entre as quais sobressai a de que a truculenta verborreia de
Kundi Paihama e a sua falta de polidez não o recomendam.
Tais facetas foram úteis na campanha de 1992, em que a sua
contundência verbal serviu, como convinha, para fustigar Jonas Savimbi.
Mas o antigo líder da UNITA já não faz parte do mundo dos vivos e toda a
realidade da política angolana está alterada. Agora convém alguém mais
sereno, mais culto e com prestígio e aceitação popular diversos.
Há cerca de duas semanas Kundi Paihama fez declarações segundo as
quais a UNITA mantinha secretos depósitos de armas, associando isso a
fins insinuadamente nefastos. De acordo com antigos métodos de acção
psicológica e de propaganda do MPLA, foi nitidamente uma declaração
destinada a amedrontar a UNITA e a mobilizar o MPLA face às eleições que
se avizinham.
As circunstâncias devastadoras para a UNITA que marcaram o fim da
guerra civil, em Fevereiro de 2002, constituem, por si só, uma negação
das declarações de Kundi Paihama – eventualmente também calculadas para
prevenir “ousadias” como as ocorridas no Quénia. Mas a maioria da
população, obscurecida, não vê as coisas com tal discernimento.
O trauma que a guerra civil deixou na população e a sua atitude de
rejeição absoluta a qualquer vago cenário de ruptura do actual clima de
paz e estabilidade, leva-a a reagir quase instintintivamente a ameaças
como a que se perfilou nas declarações de Kundi Paihama – com a vantagem
de identificar a UNITA como sujeito da ameaça.
Do discurso de Kundi Paihama só constam algumas declarações feitas
por sua própria e livre vontade: os laudatórios elogios a JES, como
aconteceu na sua última mensagem de Ano Novo dirigida às FA. Chamou-lhe
“arquitecto promotor da paz e da reconstrução em Angola”. Todas as
outras precisam do seu beneplácito.
As circunstâncias desta incursão de Kundi Paihama na política
partidária levam a supor que a campanha do MPLA combinará uma componente
branda com outra, agreste. A Kundi Paihama, mudado que está o ambiente,
mas não o objectivo de conservação do poder, parece ter sido dada a
batuta do lado agreste da campanha.
* Xavier de FigueiredoFonte: Africa Monitor
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