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domingo, 22 de abril de 2012

Patrimônio e trajectoria de Kundi Paihama


Correm em meios restritos de Luanda, políticos e empresariais, rumores segundo os quais estalaram “desentendimentos graves” entre Kundi Paihama e António Ferreira, seu principal sócio e gestor de negócios. Uma das causas do problema terá sido uma sugestão de A Ferreira, repelida por K Paihama, tendo em vista a realização de auditorias a empresas comuns.
 A Ferreira, vulgo “Tony”, português, tem participações e/ou cargos sociais em negócios de K Paihama tais como o BANC-Banco Angolano de Negócios e Comércio; Finangest, hotelaria e jogo; Gestimóvel, construção e imobiliário; Geogeste, mineração, com interesses nos granitos ngeros da Huíla e diamantes.
 
António Ferreira e Kundi Paihama detêm o monopólio dos casinos em Angola
Luanda – 1 . Ministro da Defesa de Angola desde 30.Jan.1999; faz parte, também, da chamada “cúpula do MPLA” (BP), mas não é na área da governança nem da actividade partidária que, por ora, a sua vida se exerce em plenitude – salvo casos episódicos. Os seus negócios privados, que cuida de expandir e diversificar, é que, de facto, o absorvem.
A saber:
- É sócio principal de um empreendimento turístico (primeira pedra lançada em Mai.2007), que por estar a ser implantado em local dos arredores de Luanda onde no tempo colonial existiu a “Quinta Rosa Linda”, recebeu o nome de “Rosa Linda”; compreende um hotel de 5 estrelas e um grande casino.
- É um dos accionistas, eventualmente o mais importante, do BANC, um banco lançado em Jan.2007, com o apoio técnico do BES (solicitado a título de “emergência” a fim de colmatar a lacuna da não concretização de uma prevista participação da Geocapital no projecto).
- É dono e/ou tem quotas societárias dominantes em empresas de ramos diversos: Geogest, mineração (explora granitos negros na Huíla e diamantes nas Lundas); Gestimóvel, construção e imobiliário; Finangest, hotelaria e jogo (gestão dos casinos dos hoteis Tivoli e Marinha); Multiauto, comércio automóvel.
O mundo dos negócios pelo qual enveredou nos últimos anos, mais a tendência que revela de se associar nos mesmos a portugueses, constituem uma ironia do destino – a que não escaparam muitos outros dirigentes do MPLA oriundos dos tempos da “trincheira firme da revolução em África”, como eles próprios chamavam a Angola, na versão comunista por que dolorosamente passou.
Nos idos da revolução e dos dogmas que a marcaram, ninguém mais que Kundi Paihama (talvez só Lúcio Lara e Paulo Jorge), se deixou fascinar tanto e tão briosamente por ideais de despojamento material. Era austero, ufanava-se da condição de espartano e cultivava afincadamente esses traços do seu ser de então.
Houve mesmo uma altura, então arvorado em ministro de Estado para a Inspecção e Controlo, em que se anunciou como uma espécie de D. Quixote em denodada luta contra a corrupção. O alvo principal foi a Endiama – em concreto as actividades pouco claras ou mesmo escusas de muita gente que prosperava à volta da produção diamantífera – tudo dando lugar a um volumoso relatório, carregado de denúncias.
Por esses tempos também não exibia as actuais simpatias e/ou preferências por Portugal ou pelos portugueses – embora se conheçam testemunhos de portugueses presos nas cadeias angolanas nos anos a seguir à independência (p ex, Cardoso Botelho), que lhe apontam atitudes benevolentes; era então ministro do Interior e da Segurança de Estado.
A transfiguração por que Kundi Paihama passou é espírito do tempo. A nova ideologia manda que os dirigentes adquiram também a dupla faceta de empresários, de modo a fomentar a afirmação de uma oligarquia, centralmente opulenta, a que compete, pela via simples da acumulação de poder e influências, proteger e perpetuar o regime.
Também se deixou tentar por mordomias pessoais, muito ao gosto da elite angolana, embora sem incorrer em extravagâncias de outros. Tem uma fazenda (de rendimento e lazer), em Chimbolelo, Huíla, a meias com o “amigo de peito”, Faustino Muteka e uma vivenda no Minho, Portugal, onde aprecia refugiar-se.
2 . A acrimónia anti-portuguesa que deixava transparecer nos tempos pós-independência, era um diapasão pelo qual muitos afinavam. Parte substancial da direcção do MPLA tinha laços com portugueses ou provinha da administração colonial e do Exército Português; todos sentiam necessidade de se fazer passar por “mais papistas que o papa”, tentando esbater assim aspectos menos cómodos do passado.
Kundi Paihama era mesmo um caso especial. Na sua biografia oficial há referência a “actividades clandestinas” no tempo colonial. Mas são consideradas fantasiosas. De facto, foi 1º Cabo do Exército Português (1965/68), depois empregado civil numa unidade do mesmo, o ASMA. Em 1973, acabado de admitir nos Serviços de Registos e Notariado, foi colocado em Porto Alexandre (Tômbwa, actualmente) onde estava à data do 25.Abr.74.
A preferência considerada autêntica que revela hoje por Portugal e pelos portugueses como parceiros de Angola, esteve apenas “adormecida” enquanto convinha que estivesse. Logo que deixou de estar, por alturas da queda do muro de Berlim, ei-lo “feito” com Portugal onde conta com um enorme e transversal círculo de amigos.
O mais prestigiado é Pinto da Costa que tem para com ele a deferência extrema de o convidar a assistir aos jogos do F.C. Porto instalado a seu lado, na tribuna do Estádio do Dragão; do seu círculo de amigos e parceiros, todos apreciando-o pela sua franqueza e simpatia, contam-se Emídio Rangel, Jorge Coelho, Jaime Neves, etc.
3 . Apesar da presente dedicação aos negócios, Kundi Paihama não perdeu o gosto pela política – no exercício da qual sempre se deixou tentar por tiradas tonitruantes.”É preciso acabar com a corrupção e a indisciplina nas FAA” , “Os terroristas de Savimbi e os seus patrões devem ser combatidos” – são afirmações avulsas dele.
A par do “bichinho” da política e da “certaine idée” que tem da mesma, há outro traço do carácter de Kundi Paihama que se mantém intacto: a sua apurada noção de “lealdade ao chefe”, na pessoa de José Eduardo dos Santos (JES), a qual inclui excessos de zelo – que “o chefe” retribui com manifestações de confiança e reconhecimento úteis para tudo – inclusivé para os negócios.
Kundi Paihama é natural do Quipungo, uma aldeia situada na faixa de junção das províncias do Huambo e Huíla, onde também se misturam etnias cujas diferentes linguagens domina. Mas também tem influências entre os cuanhamas, advindas de ligações familiares e do tempo em que foi governador (então comissário) da prov do Cunene, 1976-79.
É a singela particularidade das influências e o prestígio que tem entre os cuanhamas, que explica a ascensão que conheceu no MPLA e no regime. A Guarda Presidencial e departamentos chave da antiga polícia política, a DISA, eram de regra constituídos por cuanhamas que Kundi Paihama tratava de mobilizar, organizar e controlar.
Sempre exteriorizou aversão a Jonas Savimbi e à UNITA – uma evidência vista como outro afloramento da liturgia que pratica de lealdade ao “chefe”. As suas bravatas contra Jonas Savimbi eram não apenas manifestações de lealdade ao “chefe”, como serviam de elemento mobilização e coesão do próprio regime.
Esteve em vias de ser capturado pela UNITA nos tempos da guerra. Era então governador de Benguela; o vice-governador, Ndaka Yessunga, não escapou e foi levado cativo para a Jamba. Mas não se descortina em tal apuro razão para o ódio que publicamente votava a Jonas Savimbi. Eram também gestos para “agradar ao chefe”, como se diz.
4 . Desde há vários meses correm cíclicos rumores de que Kundi Paihama está prestes a deixar o ministério da Defesa para se dedicar à direcção da campanha eleitoral do MPLA. O cenário suscita dúvidas por razões entre as quais sobressai a de que a truculenta verborreia de Kundi Paihama e a sua falta de polidez não o recomendam.
Tais facetas foram úteis na campanha de 1992, em que a sua contundência verbal serviu, como convinha, para fustigar Jonas Savimbi. Mas o antigo líder da UNITA já não faz parte do mundo dos vivos e toda a realidade da política angolana está alterada. Agora convém alguém mais sereno, mais culto e com prestígio e aceitação popular diversos.
Há cerca de duas semanas Kundi Paihama fez declarações segundo as quais a UNITA mantinha secretos depósitos de armas, associando isso a fins insinuadamente nefastos. De acordo com antigos métodos de acção psicológica e de propaganda do MPLA, foi nitidamente uma declaração destinada a amedrontar a UNITA e a mobilizar o MPLA face às eleições que se avizinham.
As circunstâncias devastadoras para a UNITA que marcaram o fim da guerra civil, em Fevereiro de 2002, constituem, por si só, uma negação das declarações de Kundi Paihama – eventualmente também calculadas para prevenir “ousadias” como as ocorridas no Quénia. Mas a maioria da população, obscurecida, não vê as coisas com tal discernimento.
O trauma que a guerra civil deixou na população e a sua atitude de rejeição absoluta a qualquer vago cenário de ruptura do actual clima de paz e estabilidade, leva-a a reagir quase instintintivamente a ameaças como a que se perfilou nas declarações de Kundi Paihama – com a vantagem de identificar a UNITA como sujeito da ameaça.
Do discurso de Kundi Paihama só constam algumas declarações feitas por sua própria e livre vontade: os laudatórios elogios a JES, como aconteceu na sua última mensagem de Ano Novo dirigida às FA. Chamou-lhe “arquitecto promotor da paz e da reconstrução em Angola”. Todas as outras precisam do seu beneplácito.
As circunstâncias desta incursão de Kundi Paihama na política partidária levam a supor que a campanha do MPLA combinará uma componente branda com outra, agreste. A Kundi Paihama, mudado que está o ambiente, mas não o objectivo de conservação do poder, parece ter sido dada a batuta do lado agreste da campanha.
* Xavier de Figueiredo
Fonte: Africa Monitor

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