Desfile na Avenida da Liberdade Em Lisboa, centenas de pessoas saíram a rua para assinalar os 38 anos da Revolução dos Cravos.
Segui os olhares de tantos e tantos no limiar do descontentamento, um olhar no infinito que à muito não se via. Escondidos não das promessas mas da chuva miudinha que se infiltrava na carne tão rente dos ossos. Afinal o que estavam ali a comemorar? Que gentes de tantos lugares gritavam palavras de ordem que à muito não se ouvia! Ali mesmo , uma senhora de voz já arrastada não pela idade mas pelo tempo que se fazia ouvir “Fascismo nunca mais” e é neste aconchego de mar de gente que verificamos afinal o povo esta vivo. Mas farto de tanta injustiça que bate sempre à mesma porta e favorece sempre os mesmos.
Senhor da Assembleia amigos dos senhores da Assembleia, primos dos senhores da Assembleia, filhos dos senhores da Assembleia e por ai adiante até chegar aos netos, amigos e amigos dos amigos.
Não fugindo as comemorações sejam entre portas ou fora delas, alguns que deviam estar presentes resolveram sair e outros que deveria sair entraram. Mas é isto mesmo um pouco de nada misturado com um pouco do mesmo. Palavras soltas ou muito bem alinhadas e depois uma alcateia de comentadores a tirar e colocar pontos finais no que disse e no que julga ter dito. “O pão estava muito salgado” não a quantidade de sal estava correcta a farinha é que foi pouca para o sal que tínhamos colocado.
Voltando à Avenida onde em tempos o Marquês se passeava com a “troika” nessa altura cavalos brancos.
Pessoas aos "magotes" não tantos como se previa mas devido ao tempo à falta de dinheiro enfim falta de emoção falta de vontade. Mas o 25 são recordações e eu recordo-me de alguém me marcou como herói de Abril, Salgueiro Maia, orientou, conduziu e consegui a Liberdade. Depois afastou-se para o seu "castelo" e por lá ficou e nunca quis promoções e tantas (ões) que todos os outros ainda hoje reformados são promovidos e julgam-se donos do 25 Abril esquecendo-se de todos nós o POVO.
1944: Em 1 de Julho, nasce
em Castelo de Vide, Fernando José Salgueiro Maia, filho de Francisco da Luz Maia,
ferroviário, e de Francisca Silvéria Salgueiro. Frequenta a escola primária em São
Torcato, Coruche. Faz os estudos secundários em Tomar e em Leiria. - 1945: Termina
a 2ª Guerra Mundial. - 1958: Eleições presidenciais. Delgado é «oficialmente»
derrotado por Américo Tomás. - 1961: Começa a guerra em Angola. A Índia invade
os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu. - 1963: Desencadeiam-se as
hostilidades na Guiné e em Moçambique. - 1964: Salgueiro Maia ingressa em
Outubro na Academia Militar, em Lisboa. - 1965: Humberto Delgado é assassinado
pela PIDE. - 1966: Salgueiro Maia apresenta-se na EPC (Escola Prática de
Cavalaria), em Santarém para frequentar o tirocínio. - 1968: Integrado na 9ª
Companhia de Comandos, parte para o Norte de Moçambique. - 1970: É promovido a
capitão. - 1971: Em Julho embarca para a Guiné. - 1973: Regressa a
Portugal, sendo colocado na EPC. Começam as reuniões do MFA. Delegado de Cavalaria, faz
parte da Comissão Coordenadora do Movimento. - 1974: Em 16 de Março,
«Levantamento das Caldas». Em 25 de Abril, comanda a coluna de carros de combate que,
vinda de Santarém, põe cerco aos ministérios no Terreiro do Paço e força depois, já
ao fim da tarde, a rendição de Marcelo Caetano no Quartel do Carmo. - 1975: Em 25
de Novembro sai da EPC, comandando um grupo de carros às ordens do presidente da
República. - 1979: Após ter sido colocado nos Açores, volta a Santarém onde
comanda o Presídio Militar de Santa Margarida. - 1984: Regressa à EPC. - 1989-90:
Declara-se a doença cancerosa que o irá vitimar. É submetido a uma intervenção
cirúrgica. - 1991: Nova operação. A última. -1992: Morre em 4 de Abril.
3.25: ALEA JACTA EST: MÓNACO, MÉXICO E TÓQUIO SÃO OCUPADOS |
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Na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, na
esquina com a Sampaio Pina, perto do Liceu Maria Amália, há um café-restaurante chamado
«Pisca-Pisca». É quase meia-noite do dia 24 de Abril de 1974. Uma noite fria e ventosa,
apesar da Primavera. Um grupo de cinco clientes entra no estabelecimento onde as cadeiras
estão já arrumadas sobre as mesas. Pedem cafés. Um deles pergunta a um empregado se
vão fechar.
- Claro, diz o homem - amanhã é dia de trabalho!
- Se calhar não vai ser - responde o freguês. - E, olhe, no futuro até vai ser
feriado!
O empregado olha surpreendido aqueles clientes tardios e com um sentido de humor
tão estranho. Se reparasse que apesar dos casacos diferentes, todos vestem calças, meias
e sapatos iguais, ainda ficaria mais surpreendido.
São jovens, pouco mais de trinta anos os mais velhos, e estão excitadamente
alegres. Com alguns outros, estiveram até agora fechados nos seus automóveis desde as
nove da noite, suportando o vento fresco do alto do Parque Eduardo VII. São o 10º Grupo
de Comandos. Às 22.55, nos rádios dos carros, sintonizados para os Emissores Associados
de Lisboa, a voz do locutor João Paulo Diniz anunciou o Paulo de Carvalho na canção do
Eurofestival «E Depois do Adeus» e provocou-lhes esta excitação de felicidade.
Preparam-se para assaltar o Rádio Clube Português, na Rua Sampaio Pina, e para o
transformar no emissor do posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
À meia-noite e vinte, na Rádio Renascença, a voz de Zeca Afonso irrompe com a
«Grândola, Vila Morena». É o segundo sinal. O MFA está em marcha, já nada o pode
travar.
Na EPA, Escola Prática de Artilharia, de Vendas Novas, o coronel que comanda a
unidade é preso no seu gabinete por um grupo de capitães e tenentes. A central
telefónica e a central rádio são ocupadas, as entradas do quartel colocadas sob
controlo.
Na EPAM, Escola Prática de Administração Militar, no Lumiar, em Lisboa, os
capitães e subalternos preparam-se, com as forças sob o seu comando, para se dirigirem
para ali perto, para a Alameda das Linhas de Torres, e ocupar os estúdios da
Radiotelevisão Portuguesa.
Do Batalhão de Caçadores 5, em Campolide, sai uma coluna apeada para reforçar o
comando de assalto ao Rádio Clube Português, que os tardios clientes do «Pisca-Pisca»
e os seus companheiros ocuparam já.
Do Campo de Tiro da Serra da Carregueira (CTSC), pouco depois das 2.00 sai uma
coluna motorizada para ocupar a Emissora Nacional, na Rua do Quelhas, em Lisboa.
Entre as 3.15 e as 3.25 da madrugada de 25, ao posto de comando, instalado no
Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, onde o major Otelo Saraiva de Carvalho coordena as
operações, chegam sucessivamente as mensagens de que Mónaco, México e Tóquio foram
tomados. São os nomes de código para a Radiotelevisão Portuguesa, para o Rádio Clube
Português e para a Emissora Nacional. Os capitães sabem que a guerra da informação é
fundamental ser ganha. Por isso, deram prioridade aos objectivos que lhes irão permitir
dominar as comunicações e ter o controlo da informação.
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CAI NOVA IORQUE |
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Salgueiro Maia e o 25 de Abril de 1974. |
Tudo está a correr de acordo com a
ordem de operações. Todas as forças vão atingindo os seus objectivos. A coluna do
Regimento de Infantaria 10, de Aveiro, chega junto dos portões do Regimento de Artilharia
Pesada, da Figueira da Foz, às 3.40. O comandante é preso. Aguarda-se a chegada das
forças do CICA 2, também da Figueira, e do Regimento de Infantaria 14, de Viseu. É o
agrupamento Norte que, depois de concentrado, se dirigirá aos seus alvos, controlando um
segmento da fronteira com Espanha, ocupando o Forte de Peniche, a Pide/DGS do Porto...
Outras forças correm para outros objectivos: quartéis da Legião Portuguesa, unidades da
GNR e da PSP, as fronteiras mais próximas, as antenas de rádio... Tudo corre bem. No
posto de comando, na Pontinha, apenas uma preocupação: o aeroporto da Portela ainda não
foi tomado. A Escola Prática de Infantaria (EPI), de Mafra, deveria ali ter chegado à
hora H (às 3.00) para tomar a torre de controlo, ocupar as pistas, interditando a
descolagem e aterragem de aviões. Terá corrido mal alguma coisa? Finalmente, às 4,20
recebe-se uma comunicação:
- Nova Iorque, conquistada e controlada!
O aeroporto de Lisboa está em poder da Revolução!
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AQUI POSTO DE COMANDO... |
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Às 4,26 o Rádio Clube Português emite
o primeiro comunicado. Joaquim Furtado lê pausada e solenemente:
«Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas.
As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no
sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma.
Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente
assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos
comandos das forças militarizadas, no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com
as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderá conduzir a sérios
prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os Portugueses, o que há
que evitar a todo o custo. Não obstante a expressa preocupação de não fazer correr a
mínima gota de sangue de qualquer português, apelamos para o espírito cívico e
profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de
prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária».
Segue-se A Portuguesa e, depois, marchas militares.
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SINAL VERMELHO É PARA AVANÇAR |
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Entretanto, às 3.30, a porta de armas
da Escola Prática de Cavalaria (EPC), de Santarém, fora atravessada por dez viaturas
blindadas, doze de transporte, duas ambulâncias, um jipe e uma viatura civil de
exploração à frente da coluna comandada pelo capitão Salgueiro Maia. Objectivo
principal: Toledo ou, descodificando, o Terreiro do Paço e os seus ministérios.
As viaturas atravessam a lezíria sem impedimento. Chegam à auto-estrada e,
procurando recuperar o atraso com que tinham saído da unidade, vêm a grande velocidade.
Chegam à portagem da auto-estrada do Norte às 5.30, saem da 2ª Circular para o Campo
Grande. Em duas horas, a coluna percorreu 90 quilómetros, o que é uma grande velocidade
para as autometralhadoras. Salgueiro Maia ouve num dos rádios um carro-patrulha da PSP a
informar o seu Comando da passagem da coluna, impressionado com o número de
autometralhadoras. Mas passemos a palavra ao comandante Maia: «Enquanto ouvia estas
informações, o jipe trava de repente e dou comigo parado no sinal vermelho do cruzamento
da Cidade Universitária. Olho para o lado e vejo um autocarro da Carris também parado.
Achei que era de mais parar a Revolução ao sinal vermelho, quando o que distinguia os
carros do MFA era um triângulo vermelho no lado esquerdo das viaturas ou tapando a
matrícula. Mando avançar tocando as sirenes das autometralhadoras EBR até chegar
ao Terreiro do Paço».
Às 6.00 a coluna atinge finalmente Toledo, o coração do regime! Os carros de
combate cercam os ministérios, a divisão da PSP aquartelada no Governo Civil, a Câmara
Municipal, a Marconi e o Banco de Portugal. No centro da praça uma Chaimite e uma
autometralhadora EBR, com o jipe do comandante, constituem o posto de comando e a
força de intervenção de Salgueiro Maia. A primeira parte da sua missão é cumprida com
êxito - chega ao seu objectivo antes de ser dado o alarme geral. Charlie Oito, ou seja,
Salgueiro Maia, comunica a Tigre, ou seja, a Otelo:
- Ocupámos Toledo e controlamos Bruxelas e Viena (Banco de Portugal e Rádio
Marconi)!
Entretanto, os comunicados vão-se sucedendo na rádio. Às 4.45, aconselha-se às
forças militarizadas e policiais que recolham aos seus quartéis e aí aguardem as ordens
que o MFA lhes transmita. Às 5.15 sobe o tom e adverte-se as forças repressivas do
regime que serão severamente responsabilizadas caso enveredem pela luta armada. Às 5.45,
num comunicado mais extenso reforça-se o que foi dito nos anteriores, e apela-se para o
civismo de todos os portugueses no sentido de ser evitado qualquer confronto armado. Nos
intervalos, cantam José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria,
Francisco Fanhais, Luís Cília, José Mário Branco. Os Portugueses adormeceram cinzentos
e escravos num país cinzento onde nada acontecia. A madrugada vai-se enchendo de sons e
de cores. Os Portugueses acordam noutro país. Um país onde tudo acontece.
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UMA ESTRELA DO MFA VITORIOSO |
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A partir da chegada da coluna de
Salgueiro Maia ao centro físico do poder político, a acção deste capitão confunde-se
com a história do próprio 25 de Abril. É óbvio que ao mesmo tempo, em Lisboa e no
País, ocorrem factos, o MFA cumpre objectivos, a Revolução assume o controlo. Porém
ali, entre o nascer do dia e o meio da tarde, verificam-se os acontecimentos centrais do
25 de Abril. Se Otelo é o estratega, o cérebro da operação, Salgueiro Maia é o seu
braço mais importante. Diz Otelo («Alvorada em Abril»): Salgueiro Maia iria ser o
comandante das forças do Movimento mais sujeito a situações de perigo e de tensão ao
longo do dia 25. O número de homens que tem sob o seu comando e o potencial bélico de
que dispõe permitem-lhe, todavia, encarar com certo optimismo as situações de
responsabilidade que se lhe vão deparando e sendo resolvidas e que farão concentrar
sobre ele e as forças da EPC as preocupações do posto de comando e as atenções e o
carinho das massas populares que, a partir do Terreiro do Paço, não mais deixarão de o
acompanhar e aos seus homens, guindando desde logo o jovem capitão às culminâncias de
primeira estrela do MFA vitorioso».
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ALGUMAS NUVENS |
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Porém, sobre esta estrela rutilante
algumas nuvens se vão acastelando.
Os guardiães do regime começam a acordar no meio daquilo que, para eles, é um
verdadeiro pesadelo. Desde as 3.30 que, no Porto, o comandante da PSP local telefona para
o Comando da GNR a informar sobre a tomada do Quartel General da Região Militar pelos
revoltosos. A partir deste primeiro alarme, as comunicações sucedem-se por todo o País.
Até que, pelas 5.00, Silva Pais, director-geral da PIDE, telefona a Marcelo Caetano:
- Senhor Presidente, a Revolução está na rua!
É então que se decide que o chefe do Governo se deve acolher ao quartel do
Carmo.
É surpreendente que um regime ditatorial, com uma experiência de repressão de
quase cinco décadas e em cujas estruturas os militares tinham um peso tão significativo,
estivesse afinal tão mal preparado para resistir a um golpe militar. Em todo o caso,
algumas medidas foram sendo tomadas. Assim, pouco depois das 6.00 chega ao Terreiro do
Paço um pelotão de AML/Chaimites pertencente ao Regimento de Cavalaria 7,
comandado por um alferes miliciano que às primeiras palavras de Salgueiro Maia adere ao
Movimento. O mesmo acontece a dois pelotões de Lanceiros 2. No Ministério do Exército,
o ministro e outros elementos do Governo estão reunidos de emergência para fazer face à
rebelião. Ao verem que as forças que vão sendo enviadas para os proteger vão aderindo
à Revolução, os valorosos cabos de guerra encontram uma única saída para a
situação: abrem à picareta um buraco na parede e, passando para a biblioteca do
Ministério da Marinha, dão às de vila-diogo!
No Atlântico, a fragata Almirante Gago Coutinho, integrada numa esquadra
da NATO, participa no exercício «Dawn Patrol». Recebe ordens para abandonar as
manobras, entrar no Tejo e abrir fogo sobre as forças insurrectas que ocupam o Terreiro
do Paço. Cerca das 9.00 a silhueta esguia da fragata surge diante do centro de Lisboa.
Uma bateria da Escola Prática de Artilharia, de Torres Novas, segue em Londres , ou seja
no morro do Cristo-Rei de Almada, os movimentos do navio. Porém sabe-se que o elevado
poder de fogo do vaso de guerra pode causar grandes estragos. Tigre ordena a Charlie Oito
que proteja o pessoal e os blindados, metendo o que for possível sob as arcadas da
praça. O comandante Vítor Crespo consegue que seja anulada a ordem e que a fragata acabe
por ir fundear, cerca do meio-dia, em frente ao Alfeite.
Quando Salgueiro Maia e o posto de comando ainda estão a suspirar de alívio por
ter passado a ameaça da Gago Coutinho, surgem cinco carros de combate M/47
de Cavalaria 7 seguidos de atiradores do Regimento de Infantaria 1, da Amadora, e alguns
soldados da PM de Lanceiros 2. Um brigadeiro comanda a coluna. Salgueiro Maia, de braços
erguidos, agitando um lenço branco, tenta o diálogo, mas o brigadeiro não aceita
encontrar-se com ele a meio caminho. Dá ordem a um alferes que abra fogo. O jovem não
obedece. Irado, o brigadeiro, repete a ordem directamente aos apontadores dos carros e aos
atiradores de infantaria. Salgueiro Maia está a descoberto debaixo da mira das torres dos
blindados e das espingardas dos atiradores. Nem as tripulações dos carros nem os outros
soldados obedecem. Dando vozes de prisão a torto e a direito, disparando para o ar, o
brigadeiro salta do carro e desaparece. Toda a coluna fica sob as ordens do capitão Maia.
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RUMO AO CARMO | |
Antes do meio-dia, pelo posto de comando, Salgueiro Maia é
informado de que Marcelo Caetano está no Carmo. Deixando forças a guardar os
ministérios, avança para lá. Quando entra no Rossio, aparece-lhe pela frente uma coluna
militar com uma companhia de atiradores que o Governo enviara para fazer frente aos
revoltosos. O Capitão salta do seu jipe e vai perguntar ao comandante da coluna o que
está ali a fazer. É-lhe respondido que tem ordens para o prender, mas que está com a
Revolução. E também esta coluna é integrada nas forças que avançam para o Carmo.
As edições especiais dos jornais começam a circular. O Rossio, a Rua do Carmo,
todo o percurso, está cheio de populares que vitoriam os soldados. Os cravos vermelhos
começam a ser enfiados nos canos das G-3. É cerca de 12,30. Diz o capitão: «No
Carmo, ao chegar houve desde senhoras a abrir portas e janelas para colocar os homens nas
posições dominantes sobre o Quartel, até ao simples espectador que enrouquecia a cantar
o Hino Nacional. O ambiente que lá se viveu não tem descrição, pois foi de tal maneira
belo que depois dele nada de mais digno pode acontecer na vida de uma pessoa».
Após a intimação para que a guarnição se renda e entregue Marcelo Caetano,
não sendo obedecido, Maia recebe ordem do posto de comando para abrir fogo sobre o
edifício. Porém, ele sabe que as granadas explosivas das autometralhadoras num largo
apinhado de gente irão provocar centenas de mortes. Manda disparar armas automáticas
para a parte superior do Quartel .
Entra uma primeira vez dentro do edifício, mas não consegue a rendição. Entra
uma segunda vez e exige falar com o Presidente do Conselho. Numa antecâmara, Rui
Patrício chora como uma criança e Moreira Baptista olha, ausente, o infinito. Deixemos
que ele nos descreva o seu diálogo com Marcelo Caetano:
«Marcelo estava pálido, barba por fazer, gravata desapertada, mas digno.
Fiz-lhe a continência da praxe e disse-lhe que queria a rendição formal e
imediata. Declarou-me já se ter rendido ao Sr. General Spínola, pelo telefone, e só
aguardava a chegada deste para lhe transferir o Poder, para que o mesmo não caísse na
rua! Estive para lhe dizer que estava lá fora o Poder no povo e que este estava na rua.
Declarou esperar que o tratassem com a dignidade com que sempre tinha vivido e perguntou o
que ia ser feito dele. Declarei que certamente seria tratado com dignidade, mas não sabia
para onde iria, pois isso não me competia a mim decidir. Perguntou a quem competia.
Declarei que a «Óscar». Perguntou quem era «Óscar». Declarei ser a Comissão
Coordenadora. Perguntou-me quem eram os chefes. Declarei serem vários oficiais, incluindo
alguns generais, isto para que ele não ficasse mal impressionado por a Revolução ser
feita essencialmente por capitães.
Perguntou-me ainda o que ia ser feito do Ultramar. Declarei-lhe que a solução
para a guerra seria obtida por conversações. Toda esta conversa, tida a sós, teve por
fundo o barulho do povo a cantar o Hino Nacional e o Está na hora».
Depois, pouco antes das 18.00, chega Spínola, que embora tenha dito a Marcelo
nada ter a ver com o Movimento, rapidamente assume ares de «dono da guerra», no dizer de
Salgueiro Maia. Às 19,30, Marcelo, Moreira Baptista e Rui Patrício entram numa viatura
blindada que encostou a traseira à porta de armas do Quartel. Na confusão que se
estabelece, com a multidão a gritar «assassinos!», e com os militares a proteger os
homens do regime da ira popular, Henrique Tenreiro que deveria também seguir preso no
transporte blindado, mistura-se com os populares e escapa-se, gozando mais umas horas de
liberdade.
Após a rendição de Marcelo Caetano e a sua saída do Quartel, pode dizer-se que
a Revolução estava ganha, embora, ali perto, na Rua António Maria Cardoso, os agentes
da PIDE, encurralados como feras dentro da sua sede, disparassem das janelas, matando
cinco pessoas. As únicas mortes verificadas durante o 25 de Abril.
A noite iria ser longa. Muita coisa iria passar-se até que nos ecrãs da
televisão os Portugueses tivessem ocasião de ver a Junta de Salvação Nacional, com uns
senhores empertigados, com um vago ar de golpistas sul-americanos, viessem, armados em
«donos da guerra», ditar as leis de uma Revolução para a qual nada tinham
contribuído, deixando na sombra os jovens oficiais que, como Salgueiro Maia, tudo tinham
feito, que tudo tinham arriscado.
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E DEPOIS, O ADEUS | |
Naquele dia do princípio de Abril de
1992, no cemitério de Castelo de Vide, quatro presidentes da República (António de
Spínola, Costa Gomes, Ramalho Eanes e Mário Soares), vêem descer à terra num modesto
caixão o corpo de um dos homens que mais contribuiu para que tivessem podido ascender à
mais alta magistratura da Nação. No dia 4, Fernando Salgueiro Maia fora vencido pela
doença. «O gajo ganhou», dissera ele a um oficial da EPC, referindo-se ao cancro quando
se convenceu do carácter terminal da sua doença.
Quem é este homem, vencedor de batalhas, de revoluções, que agora desce à
terra, em campa rasa, ao som do «Grândola, Vila Morena»?
Nasce ali, em Castelo de Vide, em 1 de Julho de 1944. Muito novo, fica órfão de
mãe. Faz os estudos primários em São Torcato, Coruche, e os secundários no Colégio
Nun'Álvares de Tomar e no Liceu Nacional de Leiria. Em 1964, ingressa na Academia
Militar.
«Filho de uma família de ferroviários, é a situação de guerra nas colónias
que me permite o acesso à Academia Militar, pois o conflito fez perder as vocações
habituais, e assim a instituição foi obrigada a abrir as suas portas», diz-nos ele em
«Capitão de Abril». Dois anos depois, apresenta-se na Escola Prática de Cavalaria.
Depois, a guerra.
Porém, tudo se pode resumir a uma breve legenda: Salgueiro Maia, soldado
português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25
de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um
regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do
Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de
tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da
generosidade dos capitães de Abril.
E quase tudo terá ficado dito.
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