A troika entrou há um ano em Portugal. De madrugada e determinada. Como funcionários de penhoras. Mas podia ter chegado cheia de salamaleques, a pedir licença para entrar, talvez surpreendida com as medidas propostas pelos portugueses, menos viradas para a austeridade nos rendimentos do trabalho e mais para a verdadeira reforma do país, desmantelando interesses e negócios (talvez até com uma pontinha de admiração, porque nem a troika gosta de ver o roubo aos pobres e às classes médias que está a ser praticado)
Bastava talvez Sócrates já ter o curso de Sciences Po que hoje frequenta em Paris. Há aberturas de espirito que só a teoria dá, com muita leitura de Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu, Toccqueville.... E tempo para pensar. Para ajudar a quebrar os instintos mais primários do político viciado em manobras tácticas.
Há um ano Ricardo Salgado dava ordens ao primeiro-ministro. Há um ano os bancos faziam chantagem com o Estado e fechavam-lhe a torneira para que pedisse ajuda internacional. E o ministro das Finanças Teixeira dos Santos alinhava. José Sócrates ficou estirado ao comprido.
Mas havia dinheiro nos cofres do Estado para sobreviver uns meses e tentar dar a volta por cima. O que o governo já não tinha era poder e legitimidade para reagir ao ultimato dos bancos porque estava demissionário. O poder económico ganhava uma vez mais ao poder político. O que um homem já formado em Sciences Po nunca poderia aceitar.
Sócrates demitiu-se de primeiro-ministro em Março de 2011 após a rejeição do PEC IV por todos os partidos da oposição. Foi este o erro político original. Que lesou também os interesses do país.
Espanta que um homem que lutou até ao último minuto para que Portugal não fosse socorrido, parece que convicto que Portugal ia ser carne para canhão dos mercados insaciáveis, não tenha previsto que precisava de conservar o poder para o evitar. Ou, pelo menos conservá-lo para não ter de ceder aos bancos, impor medidas novas e negociar um pacote de resgate mais adequado aos problemas do país.
Mas Sócrates só viu a manobra táctica à frente. Parecia tudo tão perfeito. A vertigem andava no ar, Cavaco nem sabia do PEC IV para não avisar Passos e este ter tempo para votar talvez a... favor. A restante oposição também não. Os portugueses iam perceber que o PS queria salvar o país mas que a oposição não deixava.
Este plano tinha uma premissa: não haver pedido de ajuda internacional. Mas houve. E era previsível que houvesse. Sócrates é mais um homem que fica na história pelos erros cometidos.
E porque não o Bloco?
Com a rejeição do PEC, Sócrates podia ter aproveitado a última grande oportunidade que lhe restava (depois da vitória nas legislativas de 2005 e 2009) para construir uma solução e fazer alguma coisa de diferente. Sócrates podia ter construído uma solução governativa... à esquerda.
Convém lembrar que o Parlamento eleito em 2009 foi aquele que ofereceu melhores soluções de governo à esquerda desde o 25 de Abril. O PS tinha 97 deputados, o Bloco de Esquerda 21 e o PCP 16.
PS e Bloco de Esquerda tinham maioria absoluta no Parlamento. Sócrates, que nunca foi um "compagnon de route" (ao contrário, por exemplo de Ferro Rodrigues), era o melhor líder do PS para o fazer. O Bloco de Esquerda dava uso à sua maior bancada de sempre e fazia o que o PCP nunca conseguiu: entrar num governo constitucional.
Só com o acordo firmado com o Bloco, Sócrates apresentaria a demissão e, em simultâneo a nova solução governativa. Cavaco não teria margem para recusar um governo de maioria. Nem Jorge Sampaio o fez quando Durão Barroso fugiu para Bruxelas e deu uma oportunidade a Santana Lopes.
É claro que os bancos entravam em pânico com o governo PS-BE mas logo amansariam quando fossem eles a precisar de dinheiro (já sem falar no espectro de uma segunda nacionalização, que não foi só o gonçalvismo a fazer mas também Mitterrand em 1981).
É claro que a Europa ficava tremeliques com a solução portuguesa mas depois talvez achasse piada à esquerda caviar. E a senhora Merkel poderia desabar em Bruxelas que se fossem os comunistas era muito pior...
O medo do desconhecido
Loucura total? O medo do desconhecido há muito que mata à nascença soluções nunca experimentadas. A começar, claro, na cabeça de Sócrates e de Francisco Louçã. É por isso que foram ambos derrotados nas legislativas de 2011 (em mais uma sábia lição eleitoral dos portugueses). Talvez seja por isso que Sócrates foi a correr para Sciences Po. Pode ter-se tornado um homem diferente quando Ricardo Salgado lhe fechou a torneira e ordenou que pedisse ajuda financeira. A dar valor ao mandato conferido pelos portugueses e a políticas de Estado a sério, sem jogos e manobras constantes. É claro que já não vai a tempo porque "a mesma água não passa duas vezes por baixo da mesma ponte". Fica-lhe para realização pessoal. Quanto a Louçã vai andar por cá, igual a si próprio, empedernido, perito na blague e nos trocadilhos, a perseguir os dois dígitos de deputados. Um curso de Sciences Po não lhe serviria para nada.
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