“Operação Mar Verde”
Durante o mandato de Spínola e já com Marcello Caetano como Presidente do Conselho de Ministros, foi realizada a Operação “Mar Verde” (novembro de 1970). Esta ambiciosa manobra militar secreta, concebida e executada pelo capitão-tenente Guilherme de Alpoim Calvão, visava uma série de objetivos na cidade de Conacri, na República da Guiné, onde os guerrilheiros do PAIGC tinham uma importante base de apoio e o próprio líder do movimento Amílcar Cabral se encontrava radicado.
Estes objetivos contemplavam:
- A destruição das instalações do PAIGC e de alguns caças soviéticos utilizados pela República da Guiné estacionados na cidade;
- A libertação de 26 militares portugueses;
- A captura de Cabral pelas forças portuguesas;
- O derrube e assassinato do presidente Sékou Touré por um grupo oposicionistas guineenses auxiliados pelas tropas portuguesas
O sucesso da operação foi relativo: embora os militares portugueses tenham sido libertados e as instalações do PAIGC destruídas, nem Cabral nem os caças visados se encontravam nos locais indicados; além disso, o golpe de estado contra Sekou Touré fracassou completamente, tendo os oposicionistas guineenses sido capturados e executados. O governo português negaria o seu envolvimento na operação, apesar da condenação da comunidade internacional e do próprio Conselho de Segurança da ONU.
O agravamento da situação na Guiné-Bissau levaria Spínola a duvidar cada vez mais da solução militar para este território. Em maio de 1972, o general encontrou-se no Senegal com o presidente Leopold Senghor a fim de preparar negociações de cessar-fogo com o PAIGC e de encontrar uma solução política para a guerra. Esta solução seria, no entanto, rejeitada por Marcello Caetano.
Amílcar Cabral assassinado
No dia 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral era assassinado à porta da sua residência em Kaloum, perto do centro Conacri. Os autores do atentado deixaram a cidade por mar e levaram como reféns outros dirigentes do PAIGC, entre os quais Aristides Pereira, mas acabariam por ser intercetados pela marinha da República da Guiné, que libertou os reféns. O PAIGC atribuiria a autoria do atentado a alguns elementos do movimento, julgados e fuzilados em julho do mesmo ano. Segundo algumas versões, a PIDE ou o próprio Spínola teriam estado envolvidos na organização e aprovação do atentado. Tal como na Operação Mar Verde, o governo português negou sempre qualquer responsabilidade.
Declaração unilateral da independência
No mês de fevereiro seguinte, a direção do PAIGC reuniu-se em Conacri reafirmando a necessidade de “dar continuidade à acção política” no interior da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, e de declarar unilateralmente a independência do novo estado ainda durante o ano de 1973. Tal pretensão seria concretizada já depois da reestruturação interna do PAIGC, com a subida de Aristides Pereira ao cargo de secretário-geral. A 24 de setembro de 1973, na região libertada de Madina do Boé (no sudeste do território), foi proclamada a República da Guiné-Bissau, tendo o meio-irmão de Amílcar Cabral, Luís Cabral, sido empossado Presidente do Conselho de Estado. A independência do território seria reconhecida no espaço de poucos meses por mais de cinquenta países, muito embora o governo português insistisse em considerá-la uma “fantasia” e um “ato de propaganda” por parte do PAIGC.
Spínola recusa continuar na Guiné
A verdade é que, desde meados de 1973, a presença militar portuguesa na Guiné-Bissau estava numa situação altamente precária, com guarnições isoladas e vulneráveis aos ataques da guerrilha. A partir de março desse ano, o PAIGC começara também a utilizar misseis soviéticos terra-ar, acabando assim com a supremacia aérea portuguesa, essencial à contra-guerrilha. Em agosto, Spínola regressava à metrópole, recusando um novo mandato como governador e comandante-chefe das tropas no território. Antevia-se uma derrota militar. No início de 1974, negociações secretas entre o governo português e o PAIGC tiveram lugar em Londres, tendo em vista uma saída política para a guerra, o que não excluiria uma independência do território.
Em Angola, a situação era, apesar de tudo, bem menos grave.
Porquê?
Devido as divisões internas dentro dos diferentes movimentos:
MPLA e FNLA:
Os dois movimentos de libertação – o MPLA e a FNLA – encontravam-se profundamente divididos por quezílias pessoais, ideológicas e étnicas. O MPLA viu-se a braços, a partir de dezembro de 1972, com a chamada “Revolta do Leste”, provocada pelo descontentamento de alguns dos seus membros liderados por Daniel Chipenda com o acordo assinado em Kinshasa com a FNLA. Esta revolta levaria a uma profunda cisão no MPLA e ao abandono de muitos dos seus efetivos militares no Leste, cortando assim as ligações entre as várias frentes de combate no território angolano. No início de 1974 seria a vez de Mário Pinto de Andrade, um dos fundadores do MPLA, romper com a liderança de Agostinho Neto (que considerava autoritária), originando a chamada “Revolta Ativa”. Por fim, a FNLA, também confrontada por dissidências internas, via-se confinada a um teatro de operações muito reduzido, junto à fronteira com o Congo.
A UNITA
Nem mesmo a fundação de um novo movimento, a UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola – por Jonas Savimbi (um antigo membro da UPA/FNLA) e a abertura de uma nova frente no leste do território pelo MPLA em 1966 fizeram as forças portuguesas perder o controlo da situação. De facto, a UNITA, cujo apoio se centrava sobretudo nos ovimbundos (grupo étnico ao qual Savimbi pertencia), teve que enfrentar a competição dos dois outros movimentos de libertação que se encontravam já muito mais implantados no território. As autoridades portuguesas souberam aproveitar esta rivalidade para aliciar Savimbi, em diversas ocasiões a partir de 1971, a colaborar com elas.
Em Moçambique, a situação era não muito diferente
Apesar de existir apenas um movimento de libertação significativo, a FRELIMO encontrava-se também dividida:
- De um lado, os velhos chefes tribais apoiados pelas populações rurais
- Do outro, os quadros políticos formados no estrangeiro
O segundo congresso do movimento, realizado no distrito do Niassa em julho de 1968, viria a consagrar a segunda tendência, defendida pelo presidente Eduardo Mondlane, pelo secretário para os negócios estrangeiros Marcelino dos Santos e pelo chefe do departamento de defesa, Samora Machel. Esta vitória política não impediu, no entanto, o assassinato de vários dirigentes do movimento às mãos de apoiantes de Lázaro Kavandame, chefe maconde que se opunha à liderança de Mondlane.
Mondlane é assassinado
A 3 de fevereiro de 1969 o próprio Mondlane seria assassinado na então capital da Tanzânia Dar-es-Salam, onde se encontrava a sede da FRELIMO. Ainda hoje é discutido o envolvimento de Kavandame, bem como do vice-presidente do movimento Uria Simango e da PIDE neste atentado. Após a morte de Mondlane, o seu lugar temporariamente foi ocupado por um Conselho da Presidência constituído por Simango, dos Santos e Machel. Confrontado com acusações de Simango, em maio de 1970, o Comité Central da FRELIMO acabaria por designar Samora Machel presidente do movimento, com Marcelino dos Santos como vice-presidente. A liderança de Machel acabaria por unir mais o núcleo dirigente da FRELIMO e impulsionar a expansão geográfica das ações de guerrilha, até aí praticamente confinadas aos distritos de Cabo Delgado e do Niassa.
Entretanto, as autoridades portuguesas procuravam consolidar as suas posições no território tanto a nível estratégico como militar.
O Vice-Almirante Torres Sobral explica qual foi o posicionamento da Marinha:
Já quanto à Força Aérea em 1963 os meios disponíveis ainda eram escassos. As explicações do Major General, Ricardo Cuba.
Kaúlza e o “Nó Górdio”
Em 1969, haviam iniciado a construção da barragem de Cahora Bassa no rio Zambeze, que seria uma das maiores de África e o maior empreendimento material jamais gizado no império português. Em março de 1970, o general Kaúlza de Arriaga, engenheiro militar e especialista em estratégia de guerra subversiva, ascendia ao cargo de comandante-chefe das forças armadas em Moçambique. Kaúlza de Arriaga ficaria conhecido sobretudo pela operação militar denominada “Nó Górdio”, a mais ambiciosa realizada em território moçambicano durante toda a guerra, envolvendo mais de oito mil efetivos militares. O seu objetivo era destruir as principais bases da FRELIMO no distrito de Cabo Delgado e criar uma zona-tampão a sul do rio Rovuma a fim de que a guerrilha aí não conseguisse voltar a instalar-se.
Sucesso ou fracasso?
Porém, o sucesso da manobra militar, realizada entre julho e agosto de 1970, foi altamente questionado. Se Kaúlza de Arriaga se congratulou pelo cumprimento do primeiro objetivo e pelo reduzido número de baixas portuguesas, generais como Spínola e Costa Gomes consideraram-na um fracasso militar; já Joaquim Silva Cunha, ministro do Ultramar na altura, afirmou que a operação teve um “êxito momentâneo” e que havia conduzido ao enfraquecimento involuntário das defesas a sul do rio Zambeze e no distrito de Tete. Através daí, a FRELIMO conseguiria penetrar nos distritos de Manica e Sofala, no centro do território moçambicano, já em julho de 1972.
As táticas militares musculadas de Kaúlza de Arriaga incluíam a deslocação forçada de populações para “aldeamentos estratégicos”, a fim de as manter sob controlo e de isolar a guerrilha. A resistência ao aldeamento forçado degeneraria em massacres com os de Mukumbura, Chaworha, Juawu e Wiriyamu, todos ocorridos no distrito de Tete entre 1971 e 1972. Estes acontecimentos seriam denunciados na imprensa internacional por padres católicos com ligações às missões da região, como Adrian Hastings e Enrique Ferrando.
Declarações de Adrian Hastings na ONU sobre o massacre de Wiriyamu. Fonte: Arquivo da RTP, LX11004823XD.
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Entrevista em inglês ao padre espanhol Enrique Ferrando sobre os massacres em Mukumbura. Fonte: Arquivo da RTP, LX11004823XD.
Massacres?
O governo português sempre desmentiu publicamente a existência dos massacres, apesar de ter ordenado a realização de dois inquéritos no terreno, que se revelaram inconclusivos. A divulgação do massacre de Wiriyamu na imprensa inglesa coincidiu com a visita de Marcelo Caetano a Londres em julho de 1973, que foi alvo de fortes protestos. Na mesma altura, Kaúlza de Arriaga era substituído no cargo de comandante-chefe das forças portuguesas em Moçambique, reconhecendo numa entrevista ao jornal alemão Die Welt que haviam sido cometidos “excessos” contra a população moçambicana por parte de alguns militares.
Programa de Lusaca
Em setembro do mesmo ano, o engenheiro Jorge Jardim, cônsul do Malawi no distrito da Beira e antigo membro do governo de Salazar, firmava na capital da Zâmbia o chamado “Programa de Lusaca”, sob o patrocínio do presidente deste país. Este programa previa a instalação de um governo multipartidário em Moçambique que teria a possibilidade de optar pela independência, embora sob a alçada de Portugal e conservando os interesses económicos portugueses. O plano seria rejeitado por Marcello Caetano e pela FRELIMO. Nos primeiros meses de 1974, a situação militar em Moçambique estava longe de estar controlada: a FRELIMO realizava cada vez mais ataques nos distritos de Manica e Sofala, além de manter a sua atividade no norte do território.
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