No final do dia 25 de Abril de 1974, a PIDE/DGS cometeu os últimos assassinados da sua longa história, matando quatro manifestantes na Rua António Maria Cardoso.
Por Álvaro Arranja.
Diário Popular de 26 de Abril
de 1974. Fuzileiros prendem agentes da PIDE.
Alfredo
Dinis (Alex), Humberto Delgado, Dias Coelho, Ribeiro dos Santos…muitos foram os
assassinados pela PIDE/DGS, nos longos anos de existência da polícia política,
principal instrumento de repressão da ditadura. No último dia da sua ação, a
PIDE atuou em coerência com a sua história.
No
dia 25 de Abril, quando as tropas de Salgueiro Maia abandonam o Terreiro do
Paço e se dirigem para o Carmo, a população tem a noção de que a ditadura está
a caminho da derrota e manifesta o seu apoio aos militares do MFA, com uma
enorme multidão nas ruas.
A
PIDE/DGS, como principal organização repressiva do regime, concentra o ódio
popular.
A Revolução de Abril
na imprensa italiana
De
manhã, por iniciativa do então Capitão-Tenente Almada Contreiras, já uma força
de fuzileiros tinha tentado ocupar a sede da PIDE/DGS, mas tinha retirado
quando constatou não ter armamento suficiente para conduzir a operação com
eficácia.
Uma
primeira manifestação tinha avançado pela rua António Maria Cardoso, provocando
os primeiros disparos e os primeiros feridos, por volta das 13h30.
Mas
será só depois de terminada a ação das forças de Salgueiro Maia, com a rendição
de Marcelo Caetano, que a sede da PIDE/DGS se tornará o centro dos
acontecimentos, com os manifestantes a concentrarem ali as suas atenções.
Segundo
o Diário
de Notícias, “após a partida do Chaimite conduzindo o Prof. Marcelo
Caetano e restantes individualidades do Governo deposto, algumas centenas de
pessoas juntaram-se no Terreiro do Paço, percorrendo em seguida as ruas da
Baixa. A passagem pela Rua António Maria Cardoso ficaria tristemente
assinalada. Funcionários da Direção Geral de Segurança dispararam rajadas de
metralhadora contra os manifestantes. Eram vinte horas e dez minutos.”i.
O
jornal República refere
que, apesar de a revolução não ter sido violenta, “elementos da PIDE/DGS,
último reduto de resistência às tropas do movimento, dispararam rajadas de metralhadora
sobre um numeroso grupo de populares que desfilou junto à sede daquela
corporação, na Rua António Maria Cardoso, quando percorria, ao princípio da
noite de ontem, toda a Baixa da cidade, manifestando o seu apoio às forças
triunfantes”ii.
Tal
como o Diário
de Notícias, o República publica
a foto de um ferido pela PIDE, José Morgado Rodrigues, escriturário, atingido
na primeira manifestação, pelas 13h30.
A
Capital dá a notícia correta do número de mortos junto à sede da PIDE/DGS.
Segundo o jornal, “dezenas de feridos, alguns ainda por identificar, e quatro
mortos, dois deles já identificados, recolheram, entre ontem à noite e esta
madrugada, respetivamente ao Hospital S. José e ao Instituto de Medicina Legal”iii.
A
identificação de três dos mortos é revelada, no dia 28, pelo jornal O
Século. São eles: “José James Harteley Barneto, escriturário, de 37
anos, casado, natural de Vendas Novas; Fernando Luís Barreiros dos Reis, de 24,
natural de Lisboa, soldado da 1ª Companhia Disciplinar, em Penamacor; João
Guilherme Rego Arruda, de 20 anos, estudante de Filosofia, natural de S.
Miguel, Açores”iv.
Faltava
identificar a mais jovem das vítimas, Fernando Carvalho Gesteira, de 17 anos,
empregado do comércio, natural de Vila Pouca de Aguiar.
A
estes se juntaram 45 feridos, transformando a Rua António Maria Cardoso num
cenário de guerra urbana que tinha sido evitada nos outros palcos da revolução.
Após
o fim do tiroteio, a reação de muitos populares foi correr ao Largo do Carmo,
para pedir auxílio às tropas do MFA que ali se encontravam. Eram forças do
Regimento de Cavalaria 3, de Estremoz.
A
descrição completa do que aconteceu após o tiroteio, podemos encontrá-la no
relatório da operação “25 Abril 74”, assinado pelo Capitão Andrade Moura:
A libertação dos
presos políticos na revolução de Abril
“Cerca
das 20h30, fui alertado pela população de que elementos da DGS tinham aberto
fogo de que resultou a morte de, pelo menos, um civil e vários feridos. Em face
desta informação, dirigi-me para a rua António Maria Cardoso e fim de evitar
mais derramamento de sangue.
Foram
enormes as dificuldades para que uma EBR e dois jeeps atingissem o local pois a
população com o seu desejo de vingança e completamente fora de si impedia
qualquer manobra. Atingida a rua acima mencionada, estacionou a EBR junto ao
Teatro S. Luís. A população pedia vingança e que se atacasse o edifício, em
cujas janelas se viam alguns elementos da corporação.
Verificando
que a força era pequena para iniciar o cerco, ordenei a comparência de reforços
que estavam junto ao Quartel do Carmo. Vindo estes mantive a EBR junto ao S.
Luís e coloquei vários atiradores nessa rua enquanto outra EBR e atiradores
tomaram posição na rua Duques de Bragança e, mais tarde na rua Vítor Cordon.
Após este dispositivo montado e verificando que as forças eram insuficientes,
solicitei ao comando do Movimento instruções e reforços para fechar
completamente o cerco. Como não foram recebidas ordens para um ataque que
continuava a ser exigido pela população, este não foi realizado. Tentei
explicar à população a nossa atitude. Após bastantes esforços, fui compreendido
e, apesar de não arredarem pé, não interferiram, pedindo unicamente para não os
deixarmos fugir”v.
A
informação dos acontecimentos da Baixa chega ao Posto de Comando do MFA, na
Pontinha. Otelo diz a Spínola para ordenar ao ex-Ministro do Interior, Moreira
Batista que “entre em ligação com a sede da PIDE/DGS e exorte o Major Silva
Pais a promover a rendição (…) isto para evitar que o edifício tenha de ser
bombardeado a curta distância. César Moreira Batista obedece”vi.
Mas
é só no dia seguinte que termina este momento de tensão. Dá-se a rendição da
PIDE/DGS. Segundo o Diário Popularvii, “eram 9 e 30 quando o Tenente Melo
Saigão, dos Fuzileiros Navais, se aproximou dos jornalistas e anunciou:
-
Pronto, renderam-se.”
O
Programa do MFA que previa expressamente a “extinção imediata da DGS”, depois
dos mortos do dia 25 tinha de ser rapidamente executado, ignorando as
reticencias levantadas por Spínola.
Essa
era a exigência popular, proclamada a mil vozes nas ruas onde se vive a festa
da liberdade.
i Diário
de Notícias, 26.04.1974
ii República,
26.04.1974
iii A
Capital, 26.04.1974
iv O
Século, 28.04.1974
v Relatório
publicado em Almeida, Diniz de, Origem e Evolução do Movimento dos Capitães,
Lisboa, Edições Sociais,1977, pág.383
vi Saraiva
de Carvalho, Otelo, Alvorada em Abril, Lisboa, Ulmeiro, 1984, pág. 473
vii Diário
Popular, 26.04.1974
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