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domingo, 29 de agosto de 2021

Vivaldi

 As Quatro Estações, na verdade, são os 4 primeiros concertos de uma série de 12, publicados em Amsterdam em 1725 como Opus 8 e sob o título Il Cimento dell’Armonia e dell’Invenzione, em italiano, A Disputa da Harmonia e da Invenção. Com este título, Vivaldi queria apresentar obras inovadoras e experimentais em diversos aspectos, contrapondo a sua criatividade (a “invenção”) com o tradicionalismo da escrita musical (a “harmonia”).

À primeira vista, a inovação que mais salta aos olhos é o caráter programático não só dos quatro primeiros concertos mas também de mais 3 outros: o nº5 RV.253 La Tempesta di Mare (A tempestade do mar), o nº6 RV. 180 Il Piacere (O prazer) e o nº10 RV.362 La caccia (A caça). Estes, porém, não trazem nenhuma outra indicação na partitura explicitando seu conteúdo, muito menos sonetos anexados.

A primeira edição do Opus 8 traz uma dedicatória ao Conde Wenzel von Morzin, a quem Vivaldi endereçou uma carta provavelmente com uma cópia da publicação. Nesta carta, as seguintes linhas são bem reveladoras:

Não se surpreenda se, entre estes poucos e fracos concertos, Vossa Excelência encontre As Quatro Estações, as quais têm por tanto tempo desfrutado da amável generosidade de Vossa Excelência. Mas acredite, eu considerei imprimi-las porque, apesar de serem as mesmas, eu acrescentei a elas, além dos sonetos, uma indicação muito clara de todas as coisas que nelas se explicam, assim eu estou certo de que elas parecerão novas para você.

Não se sabe o que surgiu primeiro, se a música ou os sonetos. O fato é que, desde que As Quatro Estações de Antonio Vivaldi surgiram, os concertos vêm acompanhados de quatro sonetos que descrevem muito bem a música e cada uma das estações.

Não há provas de que os sonetos tenham sido escritos pelo próprio Vivaldi.

Marc Pincherle, grande estudioso da vida do compositor, acreditava que os sonetos teriam sido escritos por um fã, depois dos concertos já estarem compostos – ou seja, primeiro surgiu a música, e depois surgiram os sonetos. O próprio Vivaldi dá a entender isso numa carta escrita após a publicação dos concertos.

 

Soneto

La PrimaveraA Primavera
Giunt’è la Primavera e festosetti
La salutan gl’augei con lieto canto,
E i fonti allo spirar de’Zeffiretti
Con dolce mormorio scorrono intanto:
Chegada é a Primavera e festejando
A saúdam os pássaros com alegre canto,
E as fontes ao expirar dos Zéfiros (*)
Com doce murmúrio correm entanto:
Vengon’ coprendo l’aer di nero amanto
E lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti
Indi tacendo questi, gl’augelletti;
Tornan’ di nuovo al lor canoro incanto:
Vem [um temporal] cobrindo o ar com negro manto
E relâmpagos e trovões eleitos a anunciá-la
Logo que eles se calam, os passarinhos
Tornam de novo ao sonoro encanto.
E quindi sul fiorito ameno prato
Al caro mormorio di fronde e piante
Dorme’l caprar col fido can’ à lato.
Então sobre o florido e ameno prado,
Ao caro murmúrio das folhas e plantas
Dorme o pastor com fiel cão ao lado.
Di pastoral zampogna al suon festante
Danzan ninfe e pastor nel tetto amato
Di primavera all’apparir brillante.
Da pastoral gaita de foles ao som festejante,
Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Da primavera surgindo brilhante.

 

L’EstateO Verão
Sotto dura staggion dal sole accesa
Langue l’uom, langue ‘l gregge, ed arde il pino;
Scioglie il cucco la voce, e tosto intesa
Canta la tortorella e ‘l gardelino.
Sob a dura estação de sol aceso
Definha homem, definha rebanho e arde o pinho;
Solta o cuco a voz, e logo com ele
Canta a rolinha e o pintassilgo.
Zèfiro dolce spira, ma contesa
Muove Borea improviso al suo vicino;
E piange il pastorel, perche sospesa
Teme fiera borasca, e ‘l suo destino;
Zéfiro doce expira mas, desafiado,
Surge Bóreas (*) de repente ao seu lado;
E chora o pastor, porque decerto
Teme feroz tempestade e seu destino.
Toglie alle membre lasse il suo riposo
Il timore de’ Lampi, e tuoni fieri
E de mosche, e mosconi il stuol furioso.
Rouba dos membros cansados o seu repouso,
O temor dos relâmpagos e trovões ferozes
E de moscas e moscões o zumzum furioso.
Ah, che purtroppo i suoi timor son veri!
Tuona e fulmina il ciel e grandioso:
Tronca il capo alle spiche e a’ grani alteri.
Ah, que pena, seus temores eram verdadeiros!
Troveja e fulmina o céu e majestoso
Quebra o topo das espigas e danifica os grãos.


Soneto

L’AutunnoO Outono
Celebra il vilanel con balli e canti
Del felice raccolto il bel piacere
E del liquor di Bacco accesi tanti
Finiscono col sonno il lor godere.
Celebra o camponês com danças e cantos
Da feliz colheita o belo prazer
E pelo licor de Baco um tanto aceso (*)
Termina com sono a sua diversão.
Fà ch’ogn’uno tralasci e balli e canti
L’aria che temperata dà piacere,
E la staggion ch’invita tanti e tanti
D’ un dolcissimo sonno al bel godere.
Faz cada um renunciar danças e cantos
O clima moderado que é prazeroso,
E a estação que convida tantos e tantos
De um dulcíssimo sono a desfrutar.
I cacciator alla nov’alba a caccia
Con corni, schioppi, e canni escono fuore
Fugge la belva, e seguono la traccia;
O caçador na alvorada sai à caça
Com trompas, espingardas e cães
Foge a fera, e seguem-lhe o rastro;
Già sbigottita, e lassa al gran rumore
De’Schioppi e canni, ferita minaccia
Languida di fuggir, ma oppressa muore.
Já apavorada, e cansada do grande rumor
De espingardas e cães, ferida ameaça
Debilitada de fugir, mas oprimida morre.


O Inverno
Agghiacciato tremar tra nevi algenti
Al severo spirar d’orrido vento,
Correr battendo i piedi ogni momento;
E pel soverchio gel batter i denti;
Tremer congelado em meio a neve fria
Ao rigoroso expirar do horrível vento,
correr batendo os pés a todo momento;
E pelo excessivo frio bater os dentes;
Passar al foco i dì quieti e contenti
Mentre la pioggio fuor bagna ben cento

Caminar sopra il ghiaccio, e a passo lento
Per timor di cader girsene intenti;
Passar os dias calmos e felizes ao fogo
Enquanto a chuva lá fora molha a tudo

Caminhar sobre o gelo, e devagar
Por temor de cair nesse intento;
Gir forte sdruzziolar, cader a terra
Di nuovo ir sopra ‘l giaccio e correr forte
Sin ch’il giaccio si rompe, e si disserra;
Andar rápido e escorregar, cair no chão
De novo andar sobre o gelo e correr rápido
Sem que o gelo se rompa e se dissolva;
Sentir uscir dalle ferrate porte
Scirocco, Borea, e tutti i venti in guerra
Quest’è ‘l verno, ma tal, che gioia apporte.
Ouvir sair das fechadas portas
Siroco (*), Bóreas e todos os ventos em guerra
Este é o inverno, mas tal que alegria traz.

 






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