Um colégio, casas, terrenos, uma Fundação à procura de um futuro e depósitos bancários. Dois anos após a sua morte, a SÁBADO investigou toda a herança deixada pelo antigo Presidente da República.
Mário Soares, duas vezes primeiro-ministro, duas vezes Presidente da
República, fundador do PS e figura
marcante da democracia portuguesa, morreu há dois anos, a 7 de janeiro de 2017,
sem deixar testamento -, mas deixando uma herança. Valiosa, mas que,
curiosamente, tem sido encarada sem dramas e com tempo pelos dois herdeiros
diretos: os filhos João e Isabel Soares. E há razões para isso, mas o processo
está em curso.
Em junho do ano passado, na última declaração de interesses
que entregou no Tribunal Constitucional (TC), o filho João Soares, deputado, escreveu: "Logo que a divisão do património
herdado esteja feita se fará a descrição detalhada do que passa a ser meu.
Todos os bens estão no País. Não há bens no estrangeiro."
Declarou ainda
500 mil euros num depósito na CGD, "resultante da divisão das contas de Maria de Jesus e Mário Soares", o que permite supor que o total
das mesmas, a dividir por dois - ele e a irmã mais nova, Isabel - ascenderia a
mais de 1 milhão de euros. De resto, essa informação bate certo com o declarado
pelo próprio Mário Soares na última declaração de interesses que entregou no
TC, há 14 anos, e consultada pela SÁBADO, em que os ativos
financeiros e as contas - a grande maioria em fundos de investimento -
totalizavam já perto de 700 mil euros.
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Assim, o que falta dividir é o património imobiliário e o
Colégio Moderno. No início de 2017, a 27 de janeiro, foi feita a habilitação
legal de herdeiros, em Lisboa, tendo ficado claro que Mário Soares não tinha
deixado testamento "nem qualquer outra disposição de última vontade",
pelo que lhe sucediam João Barroso Soares e Maria
Isabel Barroso Lopes Soares. O documento, a que a SÁBADO acedeu
em dezembro na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, tem três outorgantes,
ou testemunhas: o conhecido advogado José Manuel Galvão Teles, Beatriz Capeloa
Gil e Carlos Manuel Brito Marques, todos ligados à mesma sociedade de
advogados, a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados. Os
mesmos três elementos da sociedade tinham já feito a habilitação de herdeiros
de Maria de Jesus Barroso, a 7 de agosto de 2015, na mesma conservatória. Mas
este foi só o primeiro passo e, finalmente, só há três meses, a 24 de outubro
de 2018, se tornou efetiva a transmissão das casas e propriedades de Mário
Soares para os seus dois filhos.
Em concreto, e segundo as várias cadernetas
prediais consultadas pela SÁBADO e depositadas em
várias conservatórias do País: a casa no Algarve, no Vau (2.962 m2 de terreno e
407 m2 de área coberta); um terreno no Alvor (de 13.000 m2), com uma pequena
dependência agrícola; um terreno em Azeitão (11.500 m2); a casa de Nafarros,
Sintra (150 m2 de área coberta e 4.500 m2 de área total) e mais três terrenos
agrícolas contíguos (numa área que soma mais 4.800 m2); e a casa em Lisboa, no
Campo Grande, composta por dois prédios urbanos. Um, com uma área total de
267,2 m2; outro, com uma área total de 620 m2.
De acordo com os dados estatísticos disponíveis para os preços
de oferta do mercado imobiliário, a casa no Vau valeria aproximadamente 763.839
euros (os 407 m2 multiplicados pelo valor médio de oferta para o concelho de
Portimão, que é de 1.877 euros o m2); e a de Nafarros 196.950 euros (os 150 m2
de área coberta multiplicados pelo valor médio para o concelho de Sintra, que é
de 1.313 euros o metro quadrado).
Já as casas no Campo Grande estão situadas numa freguesia em que
o valor médio do m2, avaliado para venda, ronda os 3.450 euros. O que
projetaria o valor-base de mercado dos dois prédios urbanos no Campo Grande
para os 3.060.840 euros.
O total para os prédios urbanos (sem contar com a eventual
valorização dada pelos prédios rústicos que os rodeiam) ascende assim a
4.021.629 euros.
Mas a lentidão com que o processo foi gerido parece indicar que
não houve pressa em tomar posse das casas e dos terrenos. E a transmissão de
propriedade já efetuada também não: a propriedade passou, em todos os casos,
para os dois irmãos, e não foi feita ainda a partilha de quem fica em concreto
com quê. No entanto, ao que a SÁBADO apurou, é provável
que a casa do Algarve (no Vau) fique para Isabel Soares e a de Sintra para João
Soares. Quanto à casa do Campo Grande, onde Isabel Soares vive - e a mais
valiosa das três do ponto de vista patrimonial - é encarada como uma casa de
família. No Natal, João Soares esteve na Bélgica, com a família da mulher, mas
fez questão de vir no dia 25 jantar a casa da irmã. Isabel deverá lá continuar
a viver e nem é absolutamente claro que venha a haver divisão dos dois prédios
urbanos. Até porque não há premência. Os dois irmãos mantiveram sempre uma boa
relação, ao longo da vida, e também ao longo deste processo. Mantêm conversas,
há muito, também sobre o futuro da Fundação. Além do mais, o facto de, em
última instância, serem os netos de Soares - os cinco filhos de João Soares:
Mafalda, Inês, Mário, Jonas e Lilah - a virem a herdar, mais tarde, o
património familiar, retira qualquer pressão ao processo. O mesmo se passa em
relação ao Colégio Moderno.
O Colégio Moderno
O Colégio, 14º no ranking de escolas do Público/Católica, é a
retaguarda da família Soares. Fundado por João Soares (pai de Mário) em 1936,
teve sempre uma sucessão feminina na direção, primeiro com Maria de Jesus
Barroso, que sucedeu ao sogro, e depois com Isabel Soares, que sucedeu à mãe e
está atualmente à frente da instituição. Já lá trabalhou uma das netas de
Soares, Inês, a mais velha, e neste momento é a neta Mafalda, médica, que tem
dado alguma colaboração à tia na gestão do Colégio.
Apesar do sucesso evidente, a escola não parece estar a ser
encarada pela família como um ativo a dividir para já. A estrutura acionista
mantém-se completamente intocada. Assim, no Colégio
Moderno de João Soares e Filhos, Lda., o neto e homónimo João
Soares tem uma quota mínima, de 6%, que reflete o facto de nunca ter tido uma
relação mais próxima com a escola. Aliás, a quota foi-lhe transmitida quando o
pai foi deportado para São Tomé, com a perspetiva de que era preciso haver
alguém maior (tinha já feito os 18 anos) que pudesse assinar os papéis na sua
ausência. E a quota nunca cresceu. Já Isabel tem uma quota maior, de 25%, que
corresponde também à sua maior ligação à instituição de que agora é sócia-gerente.
Os 9% de Maria de Jesus Barroso constam como pertencentes, genericamente, a
"herdeiros de Maria de Jesus Barroso Soares" - nem esses foram
redistribuídos. E a quota maior, de Mário Soares, de 60%, permanece indivisa no
último relatório e contas. Mais uma vez, não parece haver pressa. E, também
aqui, em última instância, acabará por ser herdado pelos cinco filhos de João
Soares.
O Colégio é, de longe, o porta-aviões do património familiar.
Emprega 229 pessoas a tempo inteiro, mais 39 a tempo parcial, e faturou
10.790.953 euros em 2017, com resultados líquidos de 1.584.265 euros. Tem
ativos de mais de 16 milhões de euros e o capital próprio está nos 12.515.778
euros. E mostra resiliência: quer as vendas e prestações de serviços, quer os
resultados líquidos têm mantido valores estáveis nos últimos cinco anos.
Além do valor económico e patrimonial, o colégio tornou-se uma
instituição importante da cidade, com um nível de ensino de excelência, filas
para as candidaturas a matrículas, e com capacidade para atrair a elite. Foi lá
que estudaram, por exemplo, os dois filhos de António Costa. E foi lá que
lecionaram o histórico líder do PCP Álvaro Cunhal, o escritor David Mourão
Ferreira ou o filósofo e ensaísta Agostinho da Silva. Além do próprio Mário
Soares.
Mas é ali que haverá um problema de sucessão, para resolver mais
tarde. Atualmente, familiares e amigos reconhecem que Isabel "vive para
aquilo", e não se afigura no cenário presente quem queira "viver para
aquilo" com a exigência que a instituição acarreta. Mas a saúde financeira
e a dedicação de Isabel permitem que - ao contrário da fundação - essa não seja
para já uma preocupação premente da família. A SÁBADO contactou Isabel
Soares por várias vias, mas a filha de Mário Soares não respondeu.
Em todo o caso, é mesmo o Colégio que faz saltar os valores da
herança de Soares para valores milionários: os 12 milhões e meio de capitais
próprios, somados à casa do Campo Grande e às restantes casas e terrenos, e aos
depósitos já divididos, elevam o valor da mesma para cerca de 17 milhões de
euros.
Nestas contas, não entra a Fundação, cujo património é autónomo
e lá permanecerá, não revertendo, naturalmente, para a família. Esta tem,
segundo o mais recente relatório e contas (de 2017), terrenos e recursos
naturais avaliados em 452 mil euros (incluem os terrenos do polo em Cortes,
Leiria, e os edifícios da sede, arquivo e biblioteca, em Lisboa). E a rubrica
"edifícios e outras construções" inclui 3.163.419 euros dos edifícios
do arquivo e da biblioteca e 213.593 euros do edificado no polo de Leiria.
Num processo calmo, o facto de não ter havido testamento acabou
por enterrar de vez os temores de alguns, de que a família também teve
conhecimento, de que Soares, na fase final da vida, já muito debilitado,
pudesse de alguma forma ter contemplado a enfermeira que o acompanhava. Não
foi, de resto, a primeira vez que surgiram desconfianças quanto a testamentos
na família: a proximidade de Maria de Jesus Barroso com a Igreja Católica, que
se acentuou nos últimos anos de vida, também levou a dúvidas sobre se não
contemplaria doações a alguma instituição como último desejo. Mas em nenhum dos
casos isso se confirmou.
A fundação: pesada e imóvel
Se o destino do Colégio Moderno, assim como do património
imobiliário, parece mais ou menos claro, a maior incógnita surge com o futuro
da Fundação
Mário Soares, que leva o seu nome, e que terá até um maior valor
simbólico enquanto emblema do nome de Mário Soares e do que deixou para trás.
"O Mário nunca quis resolver isso em vida, por mais que a gente insistisse
com ele", lamenta um dos seus maiores amigos, António Campos. Sem
testamento, e sem uma orientação predefinida sobre o que fazer com a missão e
os espólios depositados na FMS, cabe agora aos herdeiros decidir numa situação
que é financeiramente mais difícil e sem o fundador a ajudar. O peso dessa
ajuda concreta ilustra até que ponto ele a levava a sério: "Ele o que
cobrava pelas conferências internacionais, que era por vezes 40 ou 50 mil
euros, doava à fundação", aponta Campos. Outro amigo recorda que nas
negociações com a RTP para os vários programas que organizou, costumava dizer
que por ele abdicava de pagamento, mas tinha de ser, porque os honorários do
contrato eram para financiar a fundação. A generosidade e proatividade na
recolha de fundos ficou por aí: Soares nada estabeleceu para o futuro depois de
si, "nunca quis encarar" isso, diz Campos, e deixou nas mãos do
conselho de administração, e da filha Isabel, que é vice-presidente da
instituição, as decisões. E um problema de sustentabilidade financeira por
resolver.
A Fundação Mário Soares tem um capital próprio de 2.929.621
euros, pelo que, aponta João Ferreira do Amaral, membro do conselho fiscal, à SÁBADO,
a questão da sustentabilidade não se coloca no curto prazo. Ainda assim, o
facto de ter tido um resultado líquido negativo de 388.800 euros em 2017 mostra
que a instituição está a consumir, de forma rápida, o seu próprio capital,
apenas para continuar a subsistir: em 2014, o capital próprio estava ainda
acima dos 4 milhões de euros.
Os gastos com pessoal são ainda elevados: também
em 2017, foram 360.326 euros. E, mesmo assim, os custos com salários são hoje
menores: a FMS tem 19 funcionários, mas fonte da instituição refere que terá
superado, nos tempos áureos, as 30 pessoas. Já foi preciso emagrecer.
No relatório e contas de 2017 a própria FMS admite abertamente
as dificuldades e a "diminuição das receitas", "quer as
provenientes de contribuições regulares ou ocasionais e de apoios mecenáticos,
quer as constituídas por rendimentos gerados pelo património próprio".
Neste contexto de aperto, têm ainda surgido notícias, e também boatos, sobre o
futuro da Fundação e dos seus vários espólios - que não têm caído bem
internamente.
"Há uma coisa muito clara, quer para mim, quer para a minha
irmã [Isabel Soares], que é a de que a Fundação Mário Soares é para se
manter", assegura João Soares à SÁBADO. A forma concreta como
isso será feito, contudo, remete para o conselho de administração, de que não é
membro (saiu quando foi para ministro da Cultura, e não regressou depois de
deixar o cargo). O CA é constituído por três vogais (António Dias da Cunha,
Victor Dias e Carlos Monjardino, este muito ativo na gestão, e que também
preside à Fundação Oriente) e pela vice-presidente Isabel Soares. Mas há linhas
de orientação, reconhece o filho João: "É óbvio que a fundação é para
manter, quer em Lisboa, quer em Leiria", onde funciona a Casa-Museu. É lá
que fica a casa que era do avô (pai de Mário Soares), que foi herdada
diretamente pelos netos João e Isabel, e que estes, por sua vez, a doaram à
Fundação. Era uma espécie de casa de família, pouco usada, mas onde ficaram
algumas memórias da juventude dos dois.
Outra certeza de João Soares: "Não abdicarei dos papéis do
meu pai." Ou seja, o espólio de Mário Soares será para preservar na
Fundação. A forma de o conseguir, deixa, de novo, para a irmã e para o conselho
de administração, que diz não querer pressionar de forma alguma.
Mantendo-se a Fundação, há outra intenção: agregar o nome da
mãe, Maria de Jesus Barroso, à designação da FMS. Maria de Jesus morreu em 2015
(ano e meio antes do marido), e deixou ela própria também uma Fundação, a Pro
Dignitate, presidida por Vítor Ramalho, que tem estado na prática sem
atividade.
Mas que mudanças podem estar em cima da mesa? A via mais
provável é uma articulação com a Torre do Tombo (TT) que permitisse uma gestão
profissional e técnica dos arquivos: se isso acontecerá mantendo-os onde estão,
com gestão técnica da TT, ou mudando-os para a TT, mas com alguma forma de
autonomia, ainda não é claro. A última solução não seria inédita: a TT tem
vários espólios, que lhe foram doados, mas que mantêm autonomia, como, por
exemplo, os de Marcello Caetano (cuja consulta exige aliás autorização da
família) ou Melo Antunes.
As duas instituições têm mantido contactos para
avaliar a situação. Tem havido contactos quer com a TT, quer com o Ministério
da tutela, o da Cultura.
Outro problema menos evidente, mas importante, é a escassa
atividade da FMS.
Com exceção do prémio atribuído em parceria com a EDP, pouco
mais tem acontecido. Até as consultas de investigadores ao arquivo rareiam.
Esta paragem, que já se iniciara nos anos finais de Soares, é hoje uma
evidência. E uma das questões por resolver é: como manter a Fundação com uma atividade
digna do nome do fundador?
A questão reflete a ausência de liderança direta - a
vice-presidente tem já as mãos cheias com a gestão do Colégio Moderno - e a
questão da sucessão: quem presidirá à FMS? João Soares seria o nome mais óbvio,
mas recusa especular sobre esse cenário. No entanto, a Sábado
apurou que, num cenário em que as dificuldades estruturais da FMS estejam
resolvidas, o filho pondera vir a presidir à fundação que o pai fundou.
O que fazer aos arquivos?
O arquivo a preservar na FMS será o do próprio Soares,
naturalmente, e também alguns de amigos mais próximos e de figuras da Primeira
República. Quanto aos restantes - e são cerca de duas centenas -, o destino
mais provável é mesmo a transferência para a TT. Muitos poderão implicar contactos
prévios com os familiares dos depositantes, para permitir a transferência, um
trabalho longo, e que ainda não arrancou, "nem faria sentido que
arrancasse quando a solução definitiva ainda não está desenhada", refere
fonte conhecedora do processo. Por isso, as notícias vindas a público com
críticas de Pedro Pires, o ex-Presidente de Cabo Verde e presidente da Fundação
Amílcar Cabral (à Lusa) e de Iva Cabral, filha de Amílcar Cabral (ao Público) à
eventual transferência do espólio, geraram mal-estar interno. Carlos Barroso,
primo dos irmãos Soares e desde há décadas o secretário-geral da instituição,
apenas diz: "A Fundação não tem receitas próprias e vive da remuneração
dos seus capitais. A solução não é fácil. E a pressão que se tem sentido de fora,
na comunicação social, não é positiva." Outras fontes indicam que as
notícias sobre o "fim" da FMS tal como existe refletirão, em alguma
medida, divisões internas entre funcionários históricos da fundação.
A SÁBADO contactou
formalmente o conselho de administração da FMS, no sentido de obter
esclarecimentos sobre o futuro da fundação, mas não obteve qualquer resposta.
A biblioteca e os livros sobre "os papéis" de Soares
Na declaração que entregou no TC em 2005, no contexto da sua
última candidatura presidencial, Mário Soares referia já uma biblioteca de mais
de 40 mil volumes, que continua na casa da família no Campo Grande. Pelo menos
durante mais uma década continuou a aumentá-la: Soares era um bibliófilo
militante, que colecionava primeiras edições das obras marcantes da literatura
portuguesa do século XX e que continuou, enquanto a saúde lho permitiu, a
frequentar alfarrabistas com entusiasmo. E tinha até, porque era amigo de
muitos, obras autografadas de autores marcantes como Aquilino Ribeiro, Miguel
Torga, ou dos neorrealistas Alves Redol ou Carlos de Oliveira, entre muitos
outros. Também colecionou alguns quadros de autores portugueses e outros com
valor simbólico, como o que lhe foi oferecido por Xanana Gusmão, pintado
enquanto esteve detido numa prisão indonésia. Quando a situação da fundação
vier a ficar mais clara, um dos cenários considerados pelos dois filhos de
Soares é a doação da biblioteca pessoal do pai à FMS - ainda que os netos
possam guardar como memória do avô algumas obras escolhidas mais
significativas.
A iniciativa mais destacada prevista para este ano de forma a
dar uso ao espólio do próprio Mário Soares, depositado na Fundação, é a
publicação, pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, e com coordenação de José
Manuel dos Santos, seu antigo assessor cultural, de um primeiro volume da sua
correspondência pessoal, com foco na correspondência cultural. Estão já
identificadas, neste âmbito, cerca de 1.500 cartas, que incluem trocas com
Sophia de Mello Breyner, Miguel Torga, Jaime Cortesão, José Saramago, Júlio
Pomar, com o historiador Vitorino Magalhães Godinho e o cientista António
Damásio, entre outros. Num século em que o meio privilegiado de contacto entre
as elites culturais começou por ser a escrita, Soares correspondeu-se, a partir
dos seus 18 ou 19 anos, com algumas das figuras que marcaram o País nesta área,
e guardou até cópias do que ele próprio enviou.
A intenção da Imprensa Nacional Casa da Moeda em parceria com a
FMS é publicar todos os anos um livro de Soares com inéditos e outro a partir
de títulos já publicados. Há um investigador, Pedro Marques Gomes, a fazer a
recolha e a catalogação dos inéditos - e ainda faltará tratar cerca de sete ou
oito anos.
Para 2024, ano em que se celebrarão os 50 anos do 25 de Abril e
os 100 anos do nascimento de Mário Soares, está pensada a edição do primeiro
volume das obras completas de Soares, incluindo os escritos inéditos que se
encontram depositados no arquivo. Pode supor-se que Soares gostaria: ao longo
da vida, guardou todos os papéis que lhe passaram pelas mãos. Agora terão uso.
Este artigo foi
originalmente publicado na edição de 10 de Janeiro de 2019 da SÁBADO.
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