Foi construída no início do século XIX. Uma tragédia,
quando a população fugia das tropas francesas, deixou-a famosa na história.
Falamos da Ponte das Barcas.
Se o rio Douro foi, desde tempos remotos, um dos
polos decisivos do desenvolvimento da cidade
do Porto [A cidade do Porto é
conhecida como a Cidade Invicta. É a cidade que deu o nome a Portugal – desde
muito cedo (c. 200 a.C.) que se designava Portus.]e da região nortenha, constituindo um importante motor
da atividade comercial e industrial que caracteriza esta parcela do País, foi
também, por outro lado, um fator de certo isolamento em relação ao sul do
território.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Por isso, desde sempre os habitantes do
Porto e de Gaia procuraram vencer esse obstáculo, deitando mão a todos os meios
para unir as duas margens. Inicialmente, antes da utilização de pontes, o
recurso eram as designadas «barcas de passagem» (de que há notícia nas
inquirições de D. Afonso IV, em 1339, mas deveriam existir
desde muito antes), as quais pagavam uma renda que beneficiava sobretudo o
bispo, o senhor do burgo.
A partir do século XIV, houve grandes
alterações. Antes das atuais cinco pontes que cruzam o Douro ligando as cidades
do Porto e Gaia (se incluirmos a Ponte de D. Maria Pia, presentemente fora de
serviço e sem destino definitivo à vista), várias outras pontes e de diversos
tipos uniram as duas margens ribeirinhas.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Inicialmente, essas pontes não passavam
de toscas travessias, montadas sobre barcas, amarradas umas às outras e sobre
as quais assentava o tabuleiro de passagem. Ao longo dos tempos, várias destas
pontes foram construídas, algumas delas apenas para servidão ocasional ou
temporária.
A última dessas pontes ficou tristemente
ligada a um dos acontecimentos mais trágicos da história do Porto – a tragédia
ocorrida em 29 de março de 1809, que ficou registada exatamente como Desastre
da Ponte das Barcas. A primeira ponte de barcas (ou mais exatamente sobre
barcas) de que há notícia foi construída muito à pressa e a título provisório,
em 1369.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Mandou-a fazer D. Fernando para dar
passagem ao seu exército, quando o nosso rei «Formoso» veio ao norte para fazer
frente às tropas de Henrique II, de Castela, que, tendo atravessado o Minho,
tomara Braga e mantinha cercada a cidade de Guimarães. D. Fernando escreveu então à cidade do Porto,
determinando que, sem perda de tempo, se armasse uma ponte de barcas, que
permitisse a passagem rápida dos seus soldados.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Dois anos depois (1371), o mesmo rei mandou
lançar nova ponte para poder atravessar o Douro, com o seu vistoso séquito,
quando pretendia dirigir-se a Leça do Bano, para celebrar no mosteiro local o
seu casamento (clandestino ou «a furto», como se dizia na altura) com Leonor Teles. Pinho Leal diz no seu «Portugal
Antigo e Moderno» (vol. 6°, pág. 69) que «era essa ponte tão espaçosa que por
ela passavam seis cavalos a par…».
Nos séculos seguintes, várias outras
pontes deste tipo foram montadas em diversas ocasiões e circunstâncias, quase
sempre temporárias, já que a navegação no rio e mesmo a corrente e o nível das
águas, com frequentes cheias no Inverno, não permitiam que essas estruturas se
mantivessem durante longos períodos.
A última ponte de barcas, segundo uma gravura da época
A última ponte de barcas foi construída
em 1806, entrando ao serviço em 15 de agosto, precisamente no dia da festa da
Assunção, que levava muitos portuenses à Serra do Pilar, onde se faziam grandes
festejos a Nossa Senhora.
Esta ponte, «única no seu género em Portugal,
formada por 33 barcas, amarradas com correntes de ferro, tendo perto de mil
palmos de extensão, é talvez a obra mais útil de quantas se têm feito no Porto,
tanto pelo prazer do passeio que ela inspira e comodidade que presta aos
viajantes, como porque, a exemplo da de Ruão, sobe e desce com as marés,
abre-se e fecha-se, para dar trânsito às embarcações maiores, e finalmente
desmancha-se e restabelece-se, quando as vicissitudes do rio o exigem», diz
Monteiro de Azevedo («Descrição Topográfica de Vila Nova de Gaia»).
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Esta ponte lá foi cumprindo a sua função
a contento de ambas as populações ribeirinhas, até ao fatídico dia 29 de março
de 1809. Neste dia negro para os portuenses, milhares de soldados franceses
(alguns cronistas referem 23 mil de todas as armas), sob o comando de Soult, depois de terem entrado em Portugal
pela fronteira de Chaves, tinham-se apoderado de Braga e aproximavam-se do
Porto.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Soult tinha já mandado à cidade
emissários propor a rendição e avisar que, se a cidade não se rendesse, rios de
sangue correriam pelas ruas. Conhecidas estas notícias, a população encheu-se
de ansiedade e pavor: estavam ainda vivas na memória dos portuenses as
atrocidades e as rapinas cometidas pelos franceses durante a primeira invasão,
em 1807.
Nesse sentimento de pânico, muitos
moradores na cidade, de todas as idades e de ambos os sexos, incluindo frades e
freiras, abandonaram as suas casas e fugiram à pressa da cidade; muitos deles
precipitaram-se em direção à ponte, na tentativa de alcançarem a outra margem e
escaparem às tropas napoleónicas. E deu-se a tragédia.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Dizem alguns relatos que a ponte foi
cortada pelas tropas portuguesas, para impedir uma hipotética passagem dos
franceses para Gaia; outros dizem que a ponte, por mero acidente e sob o peso
dos fugitivos, cedeu num determinado ponto, abrindo-se um traiçoeiro alçapão
sobre as águas, no qual mergulharam os inadvertidos fugitivos, muitos deles
empurrados pelos que vinham atrás. Como quer que fosse, vários milhares de
pessoas pereceram afogadas ou esmagadas pelos fugitivos em tropel.
Em memória dos portuenses que morreram
neste desastre, durante muitos anos, no dia 29 de março, a irmandade de S. José
das Taipas organizava uma procissão que se dirigia à Ribeira, para sufragar as
Alminhas da Ponte.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
O trágico acontecimento marcou para
sempre a história do Porto e foi assim descrito por um publicista do tempo
(José Acúrcio das Neves), nas suas «Observações sobre os recentes
acontecimentos das Províncias de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes»,
publicado nesse mesmo ano: «Para cúmulo de desgraça, não houve o acordo de se
cortar a tempo, e com ordem, a ponte de barcas sobre o Douro; operação que
exigia poucos minutos e que veio a efetuar-se tão extemporânea e
impropriamente, que só serviu de abrir um despenhadeiro, em que o infeliz povo,
que fugia ao inimigo, veio a achar a morte, procurando a vida.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Entulhou-se de cadáveres, e sobre os
cadáveres passou o inimigo, a apoderar-se da margem esquerda do Douro e de
todas as obras de fortificação adjacentes…».
Depois desta tragédia, a ponte foi
reconstruída. Mas, na madrugada de 12 de maio seguinte, foi queimada pelos
franceses, para dificultar a travessia do rio pelo exército de Welesley que, do
Sul, se dirigia para o Porto. Reconstruída novamente, ainda durou mais alguns
anos, até ser substituída pela elegante ponte
pênsil,[ Durante 45 anos serviu de
ligação entre Porto e Gaia e ainda hoje é possível ver alguns dos seus
vestígios. Falamos da Ponte Pênsil D. Maria II.] aberta ao público em 16 de fevereiro de 1843.
Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
O Desastre da Ponte das Barcas está
evocado num painel em baixo relevo, da autoria de Teixeira Lopes (pai), feito
em 1897 e colocado no Muro da Ribeira, ao lado do primeiro arco, sensivelmente
no local onde essa ponte desembocava do lado do Porto.
Sem comentários:
Enviar um comentário