Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A tragédia da Ponte de Barcas


Foi construída no início do século XIX. Uma tragédia, quando a população fugia das tropas francesas, deixou-a famosa na história. Falamos da Ponte das Barcas.
Se o rio Douro foi, desde tempos remotos, um dos polos decisivos do desenvolvimento da cidade do Porto [A cidade do Porto é conhecida como a Cidade Invicta. É a cidade que deu o nome a Portugal – desde muito cedo (c. 200 a.C.) que se designava Portus.]e da região nortenha, constituindo um importante motor da atividade comercial e industrial que caracteriza esta parcela do País, foi também, por outro lado, um fator de certo isolamento em relação ao sul do território.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Por isso, desde sempre os habitantes do Porto e de Gaia procuraram vencer esse obstáculo, deitando mão a todos os meios para unir as duas margens. Inicialmente, antes da utilização de pontes, o recurso eram as designadas «barcas de passagem» (de que há notícia nas inquirições de D. Afonso IV, em 1339, mas deveriam existir desde muito antes), as quais pagavam uma renda que beneficiava sobretudo o bispo, o senhor do burgo.
A partir do século XIV, houve grandes alterações. Antes das atuais cinco pontes que cruzam o Douro ligando as cidades do Porto e Gaia (se incluirmos a Ponte de D. Maria Pia, presentemente fora de serviço e sem destino definitivo à vista), várias outras pontes e de diversos tipos uniram as duas margens ribeirinhas.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Inicialmente, essas pontes não passavam de toscas travessias, montadas sobre barcas, amarradas umas às outras e sobre as quais assentava o tabuleiro de passagem. Ao longo dos tempos, várias destas pontes foram construídas, algumas delas apenas para servidão ocasional ou temporária.
A última dessas pontes ficou tristemente ligada a um dos acontecimentos mais trágicos da história do Porto – a tragédia ocorrida em 29 de março de 1809, que ficou registada exatamente como Desastre da Ponte das Barcas. A primeira ponte de barcas (ou mais exatamente sobre barcas) de que há notícia foi construída muito à pressa e a título provisório, em 1369.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Mandou-a fazer D. Fernando para dar passagem ao seu exército, quando o nosso rei «Formoso» veio ao norte para fazer frente às tropas de Henrique II, de Castela, que, tendo atravessado o Minho, tomara Braga e mantinha cercada a cidade de Guimarães. D. Fernando escreveu então à cidade do Porto, determinando que, sem perda de tempo, se armasse uma ponte de barcas, que permitisse a passagem rápida dos seus soldados.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Dois anos depois (1371), o mesmo rei mandou lançar nova ponte para poder atravessar o Douro, com o seu vistoso séquito, quando pretendia dirigir-se a Leça do Bano, para celebrar no mosteiro local o seu casamento (clandestino ou «a furto», como se dizia na altura) com Leonor Teles. Pinho Leal diz no seu «Portugal Antigo e Moderno» (vol. 6°, pág. 69) que «era essa ponte tão espaçosa que por ela passavam seis cavalos a par…».
Nos séculos seguintes, várias outras pontes deste tipo foram montadas em diversas ocasiões e circunstâncias, quase sempre temporárias, já que a navegação no rio e mesmo a corrente e o nível das águas, com frequentes cheias no Inverno, não permitiam que essas estruturas se mantivessem durante longos períodos.

A última ponte de barcas, segundo uma gravura da época
A última ponte de barcas foi construída em 1806, entrando ao serviço em 15 de agosto, precisamente no dia da festa da Assunção, que levava muitos portuenses à Serra do Pilar, onde se faziam grandes festejos a Nossa Senhora.
Esta ponte, «única no seu género em Portugal, formada por 33 barcas, amarradas com correntes de ferro, tendo perto de mil palmos de extensão, é talvez a obra mais útil de quantas se têm feito no Porto, tanto pelo prazer do passeio que ela inspira e comodidade que presta aos viajantes, como porque, a exemplo da de Ruão, sobe e desce com as marés, abre-se e fecha-se, para dar trânsito às embarcações maiores, e finalmente desmancha-se e restabelece-se, quando as vicissitudes do rio o exigem», diz Monteiro de Azevedo («Descrição Topográfica de Vila Nova de Gaia»).

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Esta ponte lá foi cumprindo a sua função a contento de ambas as populações ribeirinhas, até ao fatídico dia 29 de março de 1809. Neste dia negro para os portuenses, milhares de soldados franceses (alguns cronistas referem 23 mil de todas as armas), sob o comando de Soult, depois de terem entrado em Portugal pela fronteira de Chaves, tinham-se apoderado de Braga e aproximavam-se do Porto.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Soult tinha já mandado à cidade emissários propor a rendição e avisar que, se a cidade não se rendesse, rios de sangue correriam pelas ruas. Conhecidas estas notícias, a população encheu-se de ansiedade e pavor: estavam ainda vivas na memória dos portuenses as atrocidades e as rapinas cometidas pelos franceses durante a primeira invasão, em 1807.
Nesse sentimento de pânico, muitos moradores na cidade, de todas as idades e de ambos os sexos, incluindo frades e freiras, abandonaram as suas casas e fugiram à pressa da cidade; muitos deles precipitaram-se em direção à ponte, na tentativa de alcançarem a outra margem e escaparem às tropas napoleónicas. E deu-se a tragédia.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Dizem alguns relatos que a ponte foi cortada pelas tropas portuguesas, para impedir uma hipotética passagem dos franceses para Gaia; outros dizem que a ponte, por mero acidente e sob o peso dos fugitivos, cedeu num determinado ponto, abrindo-se um traiçoeiro alçapão sobre as águas, no qual mergulharam os inadvertidos fugitivos, muitos deles empurrados pelos que vinham atrás. Como quer que fosse, vários milhares de pessoas pereceram afogadas ou esmagadas pelos fugitivos em tropel.
Em memória dos portuenses que morreram neste desastre, durante muitos anos, no dia 29 de março, a irmandade de S. José das Taipas organizava uma procissão que se dirigia à Ribeira, para sufragar as Alminhas da Ponte.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
O trágico acontecimento marcou para sempre a história do Porto e foi assim descrito por um publicista do tempo (José Acúrcio das Neves), nas suas «Observações sobre os recentes acontecimentos das Províncias de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes», publicado nesse mesmo ano: «Para cúmulo de desgraça, não houve o acordo de se cortar a tempo, e com ordem, a ponte de barcas sobre o Douro; operação que exigia poucos minutos e que veio a efetuar-se tão extemporânea e impropriamente, que só serviu de abrir um despenhadeiro, em que o infeliz povo, que fugia ao inimigo, veio a achar a morte, procurando a vida.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
Entulhou-se de cadáveres, e sobre os cadáveres passou o inimigo, a apoderar-se da margem esquerda do Douro e de todas as obras de fortificação adjacentes…».
Depois desta tragédia, a ponte foi reconstruída. Mas, na madrugada de 12 de maio seguinte, foi queimada pelos franceses, para dificultar a travessia do rio pelo exército de Welesley que, do Sul, se dirigia para o Porto. Reconstruída novamente, ainda durou mais alguns anos, até ser substituída pela elegante ponte pênsil,[ Durante 45 anos serviu de ligação entre Porto e Gaia e ainda hoje é possível ver alguns dos seus vestígios. Falamos da Ponte Pênsil D. Maria II.] aberta ao público em 16 de fevereiro de 1843.

Porto: a tragédia da Ponte de Barcas
O Desastre da Ponte das Barcas está evocado num painel em baixo relevo, da autoria de Teixeira Lopes (pai), feito em 1897 e colocado no Muro da Ribeira, ao lado do primeiro arco, sensivelmente no local onde essa ponte desembocava do lado do Porto.

Sem comentários:

Flag Counter

Pesquisar neste blogue

Seguidores