Diretora
O HOMEM QUE SONHAVA SER DEUS
03.03.2017 às 12h48
O dinheiro é poder e o poder é dinheiro.
Daí a ser o banqueiro do regime foi um pulo. Tomar conta do regime outro. Só
que ser Espírito Santo e o Dono Disto Tudo não lhe chegava, Ricardo Salgado
queria mais
Foi Thomas Jefferson quem disse que a maior ameaça para a liberdade não são
os exércitos, mas os banqueiros. A história recente de Portugal pode estar
prestes a atestar isso mesmo, se se confirmarem as recentes suspeitas da
investigação no processo Operação Marquês: o primeiro-ministro e o banqueiro
mais importante do País estariam em conluio criminoso num caso que envolvia
corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Os últimos anos têm sido
generosos em atirar-nos às pazadas casos que superam a mais inverosímil ficção
hollywoodesca: será possível que a mais importante figura ativa do Estado e a
mais importante figura do poder económico possam ter feito um todo-poderoso
acordo de vilões?
Ricardo Salgado, constituído arguido no final de janeiro no âmbito deste
processo, é a cereja no topo do bolo de uma investigação que indicava que o
Grupo Espírito Santo estaria na origem de mais de 17,4 milhões de euros
recebidos por Carlos Santos Silva na qualidade de testa de ferro de José
Sócrates. Mais um caso a juntar-se à longa lista de suspeitas e acusações
perante as quais Salgado terá de responder, nomeadamente no âmbito dos
processos Monte Branco e da falência do grupo Espírito Santo.
Olhando agora para trás, não é nada que seja absolutamente inimaginável.
Sempre foi evidente que a parada de Ricardo Salgado era altíssima. Ele queria
chegar ao céu. Foi assim que nasceu e se consolidou a sua ligação com a
Portugal Telecom, a Ongoing, a Mota-Engil e a EDP. Ele queria controlar as
grandes operações financeiras e ter um pé em todos os principais negócios para
estar onde estava o "big money". Afinal, o dinheiro é poder e o poder
é dinheiro. Daí a ser o banqueiro do regime foi um pulo. Tomar conta do regime,
outro.
Ser Espírito Santo e o Dono Disto Tudo não lhe chegava, Ricardo Salgado
queria mais, queria ser Deus. Mesmo que para isso tivesse de corromper um
primeiro-ministro e responsáveis da maior empresa do País, suspeita agora a
investigação.
Como a VISÃO dá conta nesta edição, estimam os procuradores que foram mais
de 90 milhões de euros as transferências feitas pelo GES para responsáveis
políticos, em Portugal e no Brasil, administradores da Portugal Telecom e até
para o próprio Ricardo Salgado, entre 2006 e 2012.
A confirmar-se esta tese, primeiro na acusação até 17 de março, a
data-limite para esta peça processual, e depois em julgamento até prova em
contrário, Ricardo Salgado e José Sócrates gozam da sua legítima presunção de
inocência, este caso obrigará a que se revisite a história financeira e
política do País e perceber como se chegou aqui. O Santo caiu com estrondo e
levou atrás de si prejuízos de vários milhares de milhões de euros (a conta
ainda está por fazer e parte dela vai sair do meu e do seu bolso) e a reputação
da classe política é legítimo perguntar quantos outros contratos públicos
possam ter sido feitos ao serviço de interesses privados.
Mas mais do que perguntar, impõe-se saber as respostas: Como é que se
deixou engordar um monstro deste tamanho à vista de todos? E como é que
monstros deste tamanho escaparam nos intervalos da chuva dos sistemas de
controlo, supervisão e investigação? Algo vai mesmo muito mal no reino de
Portugal.
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