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quarta-feira, 22 de março de 2017
15 minutos à Benfica: o mito nasceu com uma vitória, a história lembra uma derrota
Estádio da Luz a fervilhar.
Segundo os relatos da época, 69.021 espectadores nas bancadas a acreditarem que
o Benfica treinado por Jimmy Hagan seria capaz de dar a volta a uma
eliminatória que tinha começado mal, na Holanda, onde o Feyenoord havia ganha
por 1-0 a primeira mão. O titularíssimo António Simões era uma carta fora do
baralho para a partida de Lisboa, pois escorregou numa escada quando ia para o
treino e partiu um braço. Mas nem o azar do esquerdino tirava a crença dos
benfiquistas numa reviravolta do marcador e na passagem às meias-finais da Taça
dos Clubes Campeões Europeus. Afinal, havia Jaime Graça, havia Artur Jorge,
havia Jordão, havia Nené, até havia Eusébio…
E o jogo não podia ter começado
melhor para as “águias”. Estavam decorridos apenas cinco minutos quando Nené
igualou a eliminatória. A Luz incendiava-se e começou a arder 26 minutos
depois, após o golo de Jordão. Em pouco mais de meia-hora o Benfica dava a
volta à eliminatória e fazia o austríaco Ernst Happel, treinador da equipa
holandesa, engolir as palavras proferidas depois do triunfo em Roterdão - no
campeonato holandês, os portugueses jogariam para “não descer de divisão".
Só que o Feyenoord não era uma
equipa qualquer. Os campeões holandeses tinham muitos internacionais e dois
anos antes tinham vencido a Taça dos Clubes Campeões Europeus e a Taça
Intercontinental. A um quarto de hora do fim, um golo de Schoemaker colocou o resultado
em 2-1 e emudeceu a Luz. Os “encarnados” estavam fora da prova e, com apenas um
quarto de hora para jogar, muitos foram os que desistiram.
Centenas começaram a dirigir-se
para o exterior do estádio sem imaginar no que estava prestes a acontecer. Num
assomo de raiva, num ímpeto de galhardia, o capitão Jaime Graça rouba a bola
aos holandeses, que a passavam com algum desdém de jogador para jogador no seu
meio-campo. Num ápice ela acaba nos pés de Nené, que marca o seu segundo da
noite (o terceiro dos benfiquistas) aos 81’ e dá início a uma goleada que
terminaria com o triunfo dos “encarnados” por 5-1, depois de mais dois golos –
um de Jordão (87’) e outro de Nené (89’). Três golos nos últimos 15 minutos.
O que se passou naquele período,
no relvado da Luz, entrou para a história como os 15 minutos à Benfica. Uma
expressão que tenta descrever um futebol avassalador, uma espécie de vendaval
ofensivo que empurra os adversários para trás, uma sucessão de ataques
incessantes protagonizada pelos homens vestidos de “encarnado” e que encosta o
opositor às cordas até o deixar KO, permitindo dar a volta a resultados
desfavoráveis.
Muitos anos mais tarde, Nené, o
homem daquele jogo, elegeu-o como o jogo da sua carreira. O avançado, na
primeira pessoa, em declarações ao PÚBLICO em 2004: “No jogo da primeira mão,
em Roterdão, o treinador do Feyenoord, Ernst Happel, meteu-se muito connosco,
disse que o Benfica era uma equipa de provincianos que não sabiam jogar
futebol. O próprio capitão, van Hanegem, comparou o Benfica ao Excelsior, na
altura o último classificado do campeonato holandês. O ambiente no jogo de
Lisboa, como sempre, estava fantástico, com o Estádio da Luz completamente
cheio. Os jogadores sentiam muito o peso daquele estádio e aos 30 minutos de
jogo já estávamos a ganhar por 2-0 – o suficiente para nos qualificarmos para
as meias-finais, já que tínhamos perdido o primeiro jogo por 1-0. Mas eles
fizeram o 2-1 perto do fim e tudo parecia perdido. Muita gente começou a
abandonar a Luz. Lembro-me que os jogadores do Benfica olharam uns para os
outros e acho que não foi preciso dizer mais nada. Cerrámos os dentes. As
palavras do senhor Happel ainda estavam nos nossos ouvidos e mexeram connosco.
Quisemos demonstrar-lhe o que era o Benfica, o Estádio da Luz, o famoso
terceiro anel. Nos últimos dez minutos de jogo, marquei dois golos e o Jordão
outro. Tinha 22 anos e essa foi, certamente, uma das noites mais inesquecíveis
da minha vida.”
Os 15 minutos à Benfica foram,
assim, forjados num período aúreo do Benfica, com Jimmy Hagan no comando de uma
equipa quase imbatível. O inglês chegou à Luz em 1970-71 e rodeado de uma série
de jogadores de excelência conduziu os “encarnados” a três títulos de campeão
nacional, o último dos quais praticamente perfeito: 30 jogos, 28 vitórias, dois
empates e zero derrotas; 101 golos marcados, 13 sofridos; 18 pontos de avanço
para o segundo classificado.
Belenenses entra na história
Mas se as “águias” criaram o seu
mito nesse duelo ganho ao Feyenoord e protagonizaram ao longo da sua história
muitos outros 15 minutos à Benfica, a origem da expressão é outra e mais
antiga, mas também envolve os benfiquistas.
28 de Fevereiro de 1926. O
Belenenses jogava em casa do Benfica, no campo das Amoreiras, para o Campeonato
de Lisboa. A novidade no “onze” azul era um jovem chamado Pepe, com 18 anos,
que viria a tornar-se um herói no clube da Cruz de Cristo e a merecer uma
estátua no Estádio do Restelo. Os “encarnados” chegaram aos 4-1, mas nos
últimos 15 minutos, tudo mudou. Em 13 minutos os “azuis” apontaram três golos e
no último minuto foi assinalado penálti na área benfiquista. Chamado à
conversão Pepe não tremeu e consumou a reviravolta. Tinha acabado de nascer o
quarto de hora à Belenenses.
Ao longo dos anos que se
seguiram, a formação “azul” fez juz à expressão em algumas ocasiões. A mais
famosa de todas foi, muito provavelmente, a do embate com o Sport Elvas e Benfica,
na última jornada do Campeonato Nacional da I Divisão de 1945-46 e que rendeu o
até agora único título de campeão aos “azuis”. O Belenenses Ilustrado relata
assim o que aconteceu nessa tarde, no Alentejo: “Ao intervalo, os elvenses
venciam por 1-0, resultado que servia ao Benfica, ainda a viver a euforia de
uma vitória histórica sobre o Sporting, por 7-2! À passagem dos 75 minutos, o
Belenenses empatou, por Quaresma, que despertava de madrugada e ainda noite
feita apanhava o cacilheiro para poder estar nas Salésias à hora do treino,
trabalhando, depois, como, afinal, todos os outros, o resto do dia, como
electricista. Cinco minutos depois, através de Rafael, o golo que valeu o
título. E a festa toda de azul e oiro — de sangue, suor e lágrimas. Comovente,
asseveram as crónicas, os homens da ‘Cruz de Cristo’, unidos num abraço longo,
no centro do terreno, com as faces inundadas de suor, desfeitas também em
lágrimas.”
Sempre com alguma poesia à
mistura, os relatos destes momentos épicos vividos pelos clubes não são
exclusivos de nenhum deles. Em alguma altura na história, há algo que faz os
adeptos orgulharem-se dos emblemas que amam. Se na Luz há os 15 minutos à
Benfica, e no Restelo o quarto de hora à Belenenses, no Dragão elogia-se a
equipa que “joga à FC Porto” e em Alvalade admira-se quando os 11 futebolistas
em campo jogaram como “leões”. No fundo, como disse ao PÚBLICO Toni, um dos
homens que actuou na equipa “encarnada” no tal triunfo histórico com o
Feyenoord, o que os adeptos querem é sentir que em campo estão atletas “que se
entregam com paixão e dedicação às cores que defendem”.
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