Os
administradores sem responsabilidade. Um artigo interessante que expõe Godinho
de Matos e as intenções obscuras que motivam as escolhas dos altos cargos das
grandes empresas.
"Nada
atormenta os advogados das “senhas de presença” em tanto conselho de
administração – "senhas" para eles moverem as suas influências,
que no fundo é a razão profunda por que lhes pagam.
Desde hoje
de manhã que estou de boca aberta. Não sei se conseguirei fechá-la tão
depressa. Tudo porque li uma entrevista como há muito, muito tempo, não lia
algo de semelhante: a de Nuno Godinho de Matos ao jornal i.
Perguntarão:
quem é Nuno Godinho de Matos? Pois é um advogado de Lisboa que era, até ao mês
passado, administrador não executivo do Banco Espírito Santo. Uma busca na
internet rapidamente nos indica que, além disso, foi fundador do Partido
Socialista, trabalha há décadas com Daniel Proença de Carvalho, é
atualmente vice-presidente da Ordem dos Advogados e foi durante muitos anos
membro da Comissão Nacional de Eleições, lugar a que renunciou por ter
representado nas últimas eleições autárquicas Moita Flores. Alguém de múltiplos
talentos que, quero crer, falará com conhecimento de causa.
E o que nos
diz ele nessa entrevista? Primeiro conta como se tornou administrador não
executivo do BES. O convite chegou-lhe por via de um amigo de Ricardo Salgado
com uma única justificação: era de boa política “incluir no conselho de
administração alguém ligado à resistência ao antigo regime, de esquerda, e que
não fosse profissional da atividade política”. Tão só, mais nada. Godinho de
Matos ainda terá dito que “sabia tanto de bancos como de calceteiro, embora
goste de calçadas”, mas Ricardo Salgado, que o convidou para um jantar na
sede do BES, “teve a gentileza de dar as respostas que as pessoas educadas dão
e dizer que não era assim”.
Conversa
feita, lugar assumido. Durante seis anos Nuno Godinho de Matos foi
administrador “independente”, não executivo, do banco. Com o mesmo estatuto e a
mesma remuneração de outra advogada, Rita Amaral Cabral (companheira de Marcelo
Rebelo de Sousa).
Vamos agora
saber o que fazia Godinho de Matos naquele conselho. A resposta objetiva é:
nada. Não sou eu que digo, é o próprio: “Em seis anos nunca abri a boca,
entrava mudo e saía calado. Bem como todos os restantes administradores.” A
própria existência desses conselhos de administração alargados é, diz Godinho
de Matos, “um pró-forma”: “É algo que tem de existir para ratificar as
deliberações nas questões fundamentais tomadas pela comissão executiva.” Mais:
“os administradores não executivos são um detalhe, um acessório na toilete de
uma senhora”.
Para um
“acessório” Nuno Godinho de Matos até achava que saía “barato” ao BES, pois só
recebiam senha de presença: líquido, uns “2400 euros por reunião”, 10 a
12 mil por ano. Pena que os documentos depositados na CMVM contem outra
história, pois revelam que recebeu, brutos, 42 mil euros. É como eu
digo: para “verbo de encher” assim, também eu gostava.
Sobretudo
com a insustentável leveza do que vem a seguir, isto é, o achar que é tudo
culpa do Banco de Portugal, da CMVM e dos auditores. O administrador não
executivo nunca viu nada, nunca ouviu nenhum dos rumores que circulavam por
Lisboa, nunca se interrogou sobre as notícias dos jornais, nunca se incomodou
com as emendas às declarações de IRS de Ricardo Salgado, nunca achou, numa
palavra, que pudesse haver algo que perturbasse a serena rotina das suas
“senhas de presença”.
Nada disto
seria demasiado importante – afinal, quem é Nuno Godinho de Matos? – se não
fosse revelador sobre a forma como as coisas funcionam. Godinho de Matos era um
“acessório” a quem valia a pena pagar senhas de presença não porque desse
contributos relevantes nas reuniões em que participava, mas porque compunha o
ramalhete de ter alguém “de esquerda” e, como tantos outros advogados que há em
idênticas funções em dezenas, centenas de conselhos de administração, ajudava a
“abrir portas”.
Não sei se
alguma vez o fez, nem isso é importante: afinal ele aceitava fazer parte da
estratégia de Ricardo Salgado, uma estratégia que, nesta mesma entrevista,
define como motivada pelo desejo de poder. Mais exatamente, “o poder social e o
financeiro”. Ora, como ele explica, ter uma estratégia de “preservação do poder”
não tem nada de mesquinho ou de egoísta, com também faz questão de sublinhar –
é, no seu ponto de vista, exatamente a mesma motivação de qualquer político.
Este
fundador do PS que diz que gostaria de ter um governo chefiado por um Vítor
Gaspar é alguém que aparentemente lida bem com estas coisas do poder e do
dinheiro, ou não tivesse trazido em tempos, do Luxemburgo, uma mala com
dinheiro dos socialistas europeus para entregar a Mário Soares. Nada disso o
atormenta.
Como nada
atormenta os advogados das “senhas de presença” em tanto conselho de
administração – “senhas” para eles moverem as suas influências, que no fundo
é a razão profunda por que lhes pagam, atuação que para eles é tão natural
como beber água. Que entretanto caia um edifício do tamanho do BES também nunca
será nada com que percam uma noite de sono (a não ser quando lhes congelam as
contas, a única queixa que Godinho de Matos agora parece ter) – a culpa será
sempre de outros. Eu, confesso, continuo de boca aberta. Fonte
Alguém
acredita que o BES está falido, se fazia lavagem de dinheiro, que só dá
lucro.
O BES O
BANCO DO SISTEMA, A SAGA CONTINUA
1. As escutas do BES e do CDS (video)
BES
& CML uma parceria conveniente? Perguntem ao António
Costa
Sem comentários:
Enviar um comentário