A socialista Ana Gomes não quer deixar o caso dos
submarinos cair no esquecimento. Saiba quais são as pistas que a eurodeputada
quer seguir para fazer regressar o maior fantasma de Paulo Portas
Sónia
Sapage (artigo publicado na VISÃO nº 1144 de 5 de fevereiro)
Quinta-feira, 29 de janeiro, foi dia de "tiro ao Portas". O próprio
vice-primeiro-ministro é que o disse, depois de saber que o seu nome
voltava a aparecer ligado a assuntos desconfortáveis, como a atribuição
dos vistos gold, a comissão de inquérito ao caso BES/GES e o processo
dos submarinos. "Como estou com gripe, ontem vi um bocadinho mais de
televisão do que é costume. Aquilo foi verdadeiramente um tiro
ao Portas", comentou o número dois do Governo, à margem de um almoço de
trabalho.
Os ataques vinham de vários lados. Era o PS, que queria ouvir o seu
comentário sobre as críticas do relatório da Inspeção-Geral da
Administração Interna às regras de atribuição dos vistos gold. Era a
esquerda a pedir explicações sobre o encontro, até agora secreto, com
Ricardo Salgado. E era a eurodeputada socialista, Ana Gomes, a anunciar a
entrega de um requerimento, pedindo a abertura da instrução no Caso dos
Submarinos e dizendo que caminho devia seguir a investigação. A reação
de Portas às declarações da socialista foi estrondosa. Chamou-lhe
"mentirosa compulsiva" e disse que "Ana Gomes voltou às suas obsessões"
com as quais ele não tem "nada a ver". Uma resposta própria de quem sabe
que a eurodeputada não ficou satisfeita com o despacho de arquivamento
do Caso dos Submarinos, há um mês e meio. À VISÃO, Portas não quis
prestar declarações sobre este ataque que vem do PS. Desvalorizou-o.
De facto, o arquivamento não parou Ana Gomes.
Com a abertura da instrução, a socialista joga mais uma cartada, que
também é política, para levar o caso a julgamento. E como sabe que não
basta pedir para reabrir o inquérito porque não se repetem atos ou
inquirições já realizados, é preciso que haja um enquadramento
diferente, trouxe à luz do dia novas formas de abordar a questão,
personagens que nunca chegaram a ser investigadas mas deviam (na sua
opinião) e pistas que deviam ter sido seguidas e não foram. Saiba quais.
PISTA 1
O 'SÚBITO AFLUXO FINANCEIRO QUE BAFEJOU O CDS' E AS DECLARAÇÕES DEPOSITADAS NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E NO TRIBUNAL DE CONTAS
É com ironia que Ana Gomes se questiona sobre o facto de a sucessão
de 105 depósitos em numerário (no total de 1 060 250 euros) nas contas
do CDS-PP, no BES, em dezembro de 2014, não ter originado investigações
adicionais.
Esta informação sobre o "súbito afluxo financeiro que bafejou o CDS",
como disse, foi recolhida durante o inquérito Portucale (que não
originou condenações), através da interceção de conversas entre Abel
Pinheiro e Paulo Portas e foi apensa ao Caso dos Submarinos. Mas, na
prática, nunca se apurou a relação que poderia existir entre este
dinheiro e uma parte dos milhões que supostamente foram pagos pelos
alemães, em comissões.
Ana Gomes, assistente no inquérito que investigou o negócio dos
submarinos, quer que haja nova diligência de prova no sentido de apurar a
origem e o destino da quantia superior a um milhão de euros, depositada
nas contas do CDS.
E também quer que se cruzem esses dados com as informações que o
partido terá declarado ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal de
Contas e com os empréstimos e movimentos de contas que tinha no BES.
Ao propor estas diligências, a eurodeputada pretende descobrir se
houve um crime de branqueamento de capitais, precedido de um crime de
prevaricação de titular de cargo político (punível com prisão de dois a
oito anos). Mas ignora que outros partidos, para escaparem às novas
regras para donativos anónimos, em vigor a partir de janeiro de 2005,
também assumiram em tribunal terem recebido ofertas chorudas.
PISTA 2
AS GRAVAÇÕES DAS REUNIÕES DO CONSELHO CONSULTIVO DO GES
Foi na reta final do inquérito ao negócio dos submarinos, quando a
equipa de procuradores já tendia para o arquivamento do caso, que
surgiram na praça pública, noticiadas pelo jornal i, as primeiras
gravações das reuniões do Conselho Superior do GES (CS/GES), de que
faziam parte os representantes de vários ramos da família Espírito
Santo. Apesar de terem sido feitas em novembro de 2013, essas gravações
incluíam conversas sobre factos relacionados com as comissões dos
submarinos admitia-se, nomeadamente, que cada ramo da família recebeu um
milhão de euros (dos pagamentos feitos pelos alemães).
O que Ana Gomes agora quer é que os relatos sejam integrados no
inquérito, já em fase de instrução, para que se possa confrontar os
envolvidos (família Espírito Santo) com declarações prestadas no
processo e que são contrariadas pelas gravações.
Por exemplo: quando regularizaram a sua situação fiscal através de
sucessivos Regimes Extraordinários de Regularização Tributária (RERT),
os membros do CS/GES não relacionaram as datas e os montantes com o
negócio dos submarinos.
Muito pelo contrário, estranha Ana Gomes. Essas verbas foram
justificadas de forma distinta: "Necessidade de diversificação de
investimentos, reorganização patrimonial e otimização fiscal", "fortuna
pessoal e atividade profissional", "venda de uma sociedade de exploração
de minas em Angola" e "remunerações obtidas no desempenho de funções no
CS/GES".
Como esta argumentação não coincide com o teor das conversas
gravadas, assim como não coincide com declarações prestadas em sede de
comissão de inquérito, Ana Gomes entende que esta deve ser uma pista a
seguir em diligências futuras.
PISTA 3
OS DOCUMENTOS APREENDIDOS NA SEDE DA FERROSTAAL EM PORTUGAL
Pode dizer-se que é uma pequena pedra no sapato da eurodeputada Ana
Gomes, mas que a própria acredita poder ser uma boa pista. Como refere o
despacho de arquivamento, foram encontrados, nas buscas à Ferrostaal
Portugal, "documentos não assinados nem datados, mencionando a
realização de diversas reuniões com políticos, representantes do German
Submarine Consorcium, advogados e representantes do BES, constando de um
deles" a seguinte frase: "Deve-se contudo mencionar que Portugal
tenciona distribuir os seus investimentos com consciência: comboio de
alta velocidade para França, aviões para os EUA, helicópteros para
Itália/França/Reino Unido e submarinos para a Alemanha." Este documento,
referindo reuniões que terão sido realizadas em 2002, levantou
suspeitas de que, mesmo antes de haver um concurso público, existisse já
a decisão política de escolher o consórcio alemão para o negócio.
Desacompanhados de outros elementos, os escritos foram considerados sem
valor.
Mas, pede Ana Gomes, porque não confrontar os representantes da
Ferrostaal com este forte indício presente nos autos? E questioná-los
sobre a sua autoria, origem e veracidade? É uma nova forma de lidar
judicialmente com um documento que, para Ana Gomes, já traçava um
percurso que veio a coincidir com o processo de adjudicação.
PISTA 4
OS PAPÉIS DESAPARECIDOS E OUTROS 'MÉTODOS DE PRESERVAÇÃO DE SEGREDOS'
Em matéria de papeladas, nada ficou tão mal explicado como o sumiço
das cartas-convite enviadas às instituições financeiras, o
desaparecimento das atas referentes à negociação das propostas prévias à
adjudicação e o extravio de alguns documentos sobre os spreads a
aplicar à operação de financiamento dos submarinos, entre outros
exemplos citados no despacho de arquivamento.
Além destes "desaparecimentos cirúrgicos ", como lhes chamou Ana
Gomes, houve outros métodos de preservação do segredo, tanto nas
comunicações telefónicas como eletrónicas, que são encarados pela
socialista como um indício de que alguém estava a apostar na ocultação
de prova, por saber que pisava terrenos escorregadios.
Ana Gomes recorda que os envolvidos no negócio se recusavam a falar
sobre ele pelo telefone, refere que os suportes das decisões e da
contabilidade de certas empresas envolvidas eram muitas vezes eliminados
e recupera a insinuação de que Paulo Portas teria gravado em microfilme
milhares de documentos dias antes de deixar o Ministério da Defesa.
Entre eles, defende a socialista, poderiam estar os escritos nunca
encontrados pelas autoridades para fazer prova de certas etapas do
negócio. Em abono de Portas, e ouvida fonte centrista, diga-se que a
microfilmagem chegou a ser investigada e que não se concluiu que dela
tenha resultado qualquer indício criminal, de acordo com comunicado
judicial noticiado.
A este cenário de ilusionismo, acresce aquilo que a eurodeputada
designa por "sucessivas tentativas de ocultação de prova" denunciadas
pelo recurso a esquemas labirínticos e intrincados de circulação do
dinheiro pago pelos alemães.
PISTA 5
UMA NOVA DATA QUE PODE ALTERAR AS CONTAS DA PRESCRIÇÃO
O dia 4 de junho de 2004 foi apresentado, no despacho de
arquivamento, como a data limite para terem ocorrido quaisquer crimes de
corrupção ativa ou passiva (que não ficaram provados, para os
investigadores) no negócio dos submarinos.
Os investigadores concluíram que a existir suborno, ele teria
acontecido num momento anterior. Depois desse dia, em que se celebraram
os contratos de financiamento, não foram detetadas mais negociações.
Ana Gomes tem um entendimento distinto, defendendo que o ilícito pode
ser antecedente ou subsequente, consoante a oferta ou promessa de
vantagens ocorram antes ou depois do ato do funcionário que se pretende
"remunerar". Assim sendo, como encontrar uma data válida a partir da
qual se fazem as contas da prescrição? A socialista dá uma pista: em vez
da data de assinatura do contrato, contabilize-se a data das
declarações ao fisco (incluindo as retificações), como é o caso dos RERT
dos quatro arguidos do processo ou da família Espírito Santo. Ou então
veja-se que a GSM fez depósitos a favor da ESCOM (a empresa do universo
BES que deu consultoria aos alemães no negócio dos submarinos) até 22 de
julho de 2008, no âmbito do mesmo negócio. É só fazer as contas, como
diria António Guterres.
E, para tirar as dúvidas sobre se houve ou não subornos, Ana Gomes
sugere que se diligencie por forma a apurar eventuais acréscimos
patrimoniais dos governantes, funcionários, assessores e advogados que
intervieram no negócio dos submarinos. De referir ainda as declarações
de um funcionário da Ferrostaal, no processo judicial alemão: "O
consultor funciona como um intermediário, dos honorários que recebe,
canaliza uma parte para os decisores, eventualmente o Governo."
PISTA 6
INVESTIGAR O PAPEL DE OUTROS DECISORES, ALÉM DE PORTAS, NO NEGÓCIO DOS SUBMARINOS
Entre os governantes, funcionários, assessores e advogados que Ana
Gomes gostaria de ver investigados ou inquiridos não está só o então
ministro da Defesa Paulo Portas e pessoal da sua confiança. Estão novos
alvos contra os quais a eurodeputada ainda não havia disparado, como o
então primeiro-ministro Durão Barroso, o seu ex-assessor e conselheiro
político e económico Mário David, o deputado do CDS João Rebelo, o
centrista Abel Pinheiro, alguns elementos do BE e da família Espírito
Santo.
Em relação a Durão Barroso (assim como a sua mulher e filhos), Mário
David (assim como a sua mulher e filho) e Paulo Portas (assim como a sua
mãe), Ana Gomes vai mais longe e pede, pela primeira vez, o
levantamento do sigilo bancário.
Ana Gomes traz Durão Barroso para o Caso dos Submarinos, recordando
que o ex-presidente da Comissão Europeia participou num almoço
organizado pelo então Cônsul Honorário de Portugal em Munique, Jürgen
Adolff, nomeado para o cargo quando Durão era ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 1993. O repasto em causa ter-se-á realizado a 5 de
julho de 2002 e para ele também terá sido convidado o administrador da
Ferrostaal, Joahann-Friedrich Haun, entretanto condenado por corrupção
na Alemanha.
Depois desse almoço, de acordo com o despacho de arquivamento, terá
havido em encontro, a 9 de julho do mesmo ano, desta vez entre Mário
David e Joahann-Friedrich Haun e um outro, a 3 de outubro de 2002, entre
David, Haun e Hans-Dieter Mühlenbeck, também da Ferrostaal.
Que papel terá tido Durão Barroso na decisão sobre a adjudicação, questiona-se agora Ana Gomes?
PISTA 7
OS NOVE MILHÕES DE EUROS NÃO DETETADOS PELO FISCO PORTUGUÊS
No arquivamento do Caso dos Submarinos, o Ministério Público dá nota
das grandes dificuldades de obtenção de prova em relação à circulação e
ao destino final do dinheiro pago pelos alemães à ESCOM e sobre os
beneficiários finais de uma parte significativa dessa verba. Ainda
assim, a justiça conclui que "27 milhões de euros ficaram na
disponibilidade dos arguidos [Helder Bataglia, Luís e Miguel Horta e
Costa e Pedro Ferreira Neto] e de membros do GES".
Apesar das complexas operações financeiras realizadas com parte desse
dinheiro, os investigadores assumem que só ficaram com dúvidas em
relação ao que aconteceu a metade dos 19 milhões de euros que terão sido
encaminhados via ESCOM UK/BES Cayman/UBS para um fundo nas Bahamas, o
Felltree Fund. Os arguidos, administradores da ESCOM, disseram-se os
únicos beneficiários daquele fundo, mas só declararam e legalizaram, em
sede de RERT, o valor de 10 334 674,25 euros, de acordo com o Ministério
Público.
Sobre o resto, Ana Gomes acredita que houve, pelo menos, fuga ao fisco.
A ter existido fraude fiscal, esse crime pode ter precedido outro, de
branqueamento de capitais. Esse aspeto já foi sobejamente explorado
pelo inquérito arquivado, mas torna-se relevante, para a socialista,
porque pode invalidar a tese da prescrição. Como? É que, não havendo
data precisa para o crime de fraude fiscal (não se sabe quando deviam
ter sido feitas as regularizações relativas ao montante referido), isso
significa que o crime pode não estar prescrito. Confuso? De registar que
esta hipótese agrada a Portas, de acordo com fonte próxima, porque o
ministro preferia ser inocentado do que justificar o arquivamento com a
prescrição . Uma preocupação injustificada para quem nunca foi arguido
neste caso, nem sequer suspeito formal.
PISTA 8
O CONFLITO DE INTERESSES DO PRESIDENTE DO CDS EM RELAÇÃO AO GES
Finalmente, Ana Gomes defende que a relação de proximidade entre o
GES e o CDS não pode deixar de ser investigada. Primeiro porque entende
que o BES foi praticamente imposto como membro do consórcio financiador
por decisão de Paulo Portas. E depois porque a informação disponível no
inquérito arquivado assinala que os contactos entre a ESCOM e o CDS/PP e
seus ministros, nos XV e XVI governos, eram intensos com vista a obter
despachos governamentais quanto a diferentes projetos. E a eurodeputada
nomeia-os: "Portucale, Aenor/Auto-Estrada da Costa de Prata, um projeto
em Gaia, uma barragem nos finais de fevereiro e em março de 2005." O
caso Portucale, recorda um colaborador do vice-primeiro-ministro, "foi
julgado e resultou em absolvições".
Abel Pinheiro confirmou que a conta número 1 do CDS, aberta em maio de 1974, é do BES.
"É o banqueiro do partido há 31 anos", terá dito o ex-dirigente
centrista, em 2005. Ana Gomes insiste que há, no mínimo, um evidente
conflito de interesses. Mas este não é o tipo de informação que o
Ministério Público possa admitir como prova objetiva.
É aí que a eurodeputada pretende dar uma lição aos investigadores.
"Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo
certo que as primeiras são instrumentos de verificação direta dos factos
ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que
temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam
poder inferir".
Por outras palavras: em caso de dúvida, continue a investigar-se.
Resta saber se o juiz de instrução vai fazer a vontade a Ana Gomes,
trazendo de volta o maior fantasma de Paulo Portas.
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