Continuando o que já se pode considerar a tradição epistolar destes
tempos de crise, Passos Coelho escreveu uma carta à troika sobre os
cortes no Estado Social. Aí avisa que está a estudar cortes adicionais
desde o verão de 2012.
Esta informação é uma raridade na comunicação
governamental: é verdadeira. Os professores que foram despedidos, os
hospitais onde os medicamentos faltam e as famílias a quem a segurança
social falha quando perdem tudo, já sabem há muito que é assim (e que se
arrisca a ser pior). Mas o Governo, por estes dias, tem contado uma
história diferente; Passos Coelho e Paulo Portas afirmam a cada passo
que os cortes são consequência da decisão do Tribunal Constitucional. A
carta à troika esclarece o engano. Cortar as despesas sociais e nos
serviços públicos não é o plano B do Governo. Sempre foi o plano A.
A decisão do Tribunal Constitucional provocou a ira do Governo. Vítor
Gaspar publicou mesmo um despacho paralisando todo o Estado até
encontrar alternativas aos “custos” da decisão. Pagar 13º mês a função
pública e pensionistas, repor os 5% e 6% cortados nos subsídios de
doença e desemprego, aparece ao Governo como um desvio colossal das
contas. Talvez seja melhor desfazer o equívoco: as metas orçamentais
falhadas, só em 2012, constituem um desvio três vezes maior que o valor
para cumprir a Constituição. E é bom não esquecer que Vítor Gaspar impôs
medidas de austeridade de 24 mil milhões de euros para conseguir menos
de 7 mil milhões de consolidação orçamental; ou seja, deitaram ao lixo
mais de 17 mil milhões de euros. CDS e PSD, se querem dramatizar
politicamente a necessidade de cumprir o défice, só têm que olhar para
os seus próprios falhanços.
O Governo fez já por diversas vezes o que sempre jurou que nunca faria:
renegociar. A palavra que parecia criminosa há dois anos, quando o
Bloco afirmou sozinho que a renegociação é inevitável, faz agora parte
do quotidiano do país. Governo e Bruxelas anunciam agora o alargamento
por sete anos dos prazos de pagamento da dívida.
Sempre dissemos que ter mais tempo para pagar é uma das condições para
tornar a dívida mais sustentável. Pagando menos por ano, poderemos
libertar dinheiro para o investimento e a promoção do emprego. Mas, ao
associar essa extensão do prazo a medidas adicionais de austeridade -
como fez o Governo -, ficamos “amarrados” por mais tempo e com menores
condições de pagar.
Não há prazo que nos valha, quando mais tempo é
também mais austeridade.
Se a política continua a matar a economia, a
dívida não será nunca paga.
Sobre o/a autor/a
Coordenadora do Bloco de Esquerda. Deputada. Atriz.
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