Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Poema do alegre desespero


António Gedeão

Poema do alegre desespero

Compreende-se que lá para o ano três mil e tal 
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo 
que plantava couves em Oliveira do Hospital, 

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores 
que tirou um retrato toda vestida de veludo 
sentada num canapé junto de um vaso com flores. 

Compreende-se. 

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto 
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império) 
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil, 
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito, 
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil, 
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras, 
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio, 

e passavam a vida inteira a fazer guerras, 
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio, 
e o resto tudo por aí fora, 
e a Guerra dos Cem Anos, 
e a Invencível Armada, 
e as campanhas de Napoleão, 
e a bomba de hidrogénio.

Compreende-se. 

Mais império menos império, 
mais faraó menos faraó, 
será tudo um vastíssimo cemitério, 
cacos, cinzas e pó. 

Compreende-se. 
Lá para o ano três mil e tal. 

E o nosso sofrimento para que serviu afinal? 

Sem comentários:

Flag Counter

Pesquisar neste blogue

Seguidores