Faleceu esta sexta-feira em Lisboa a responsável pela maior campanha de alfabetização logo a seguir ao 25 de Abril.
Capa de Jorge Palha com o pormenor de um desenho de Rogério Ribeiro
Editorial Caminho, Lisboa Maio 1979
Deputada do MDP/CDE e ativista da Civitas, teve uma vida dedicada à batalha pela literacia e pela liberdade.
O combate pela literacia e pela liberdade marcou a vida de Helena Cidade Moura. Foto 96dpi/Flickr
Mas a sua actividade cívica e política não nasceu em 1974. Bem antes, esteve sempre ligada a instituições e iniciativas dos chamados católicos progressistas e afins. Foi presidente do Centro Nacional de Cultura em 1961, subscreveu manifestos importantes, entre os quais refiro, de cor e a título de exemplo, um longo texto de 101 católicos, em 1965, e todos os protestos contra o encerramento da cooperativa Pragma, em 1967.
Helena Cidade Moura acompanhou mais de 400 cursos de alfabetização (Daniel Rocha)
Era filha do velho professor Hernâni Cidade e cunhada de Francisco Pereira de Moura. E, também, amiga próxima de um conjunto de colegas notáveis que teve no curso de Românicas da Faculdade de letras de Lisboa: entre outros, Sebastião da Gama, Luís Lindley Cintra, Maria de Lourdes Belchior e David Mourão-Ferreira. Sobreviveu-lhes, até ontem.


Capa de Jorge Palha com o pormenor de um desenho de Rogério Ribeiro
Editorial Caminho, Lisboa Maio 1979


Livros:

Entrevista a Helena Cidade Moura |
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Tem projetos em curso no sentido de diminuir a taxa de analfabetismo?
Sim, tenho. Com a ajuda da sociedade civil e, nomeadamente, com a ajuda de alunos da Universidade Aberta, que já têm em andamento um projeto que tem como objetivo final a diminuição da taxa de analfabetismo a nível nacional em 5 pontos percentuais, de cerca de 10%, número em que se encontra atualmente, para perto dos 5%, até ao final de 2011. Acabei a primeira ação de formação este mês, para habilitar três membros da ANIALL a formarem alfabetizadores. Eu, por mim, encontro-me à disposição de formar mais grupos e iniciaremos brevemente a formação de mais um grupo de 15 indivíduos.
Como conheceu Paulo Freire?
Conheci o Paulo Freire através de um amigo meu, que era funcionário na TAP, no aeroporto de Lisboa e que, sabendo o meu interesse pelas questões da alfabetização de adultos, um dia ligou-me dizendo-me que o Paulo passava diversas vezes em trânsito pelo aeroporto e que não saía de lá porque era perseguido politicamente, e que seria bom eu ir até lá para nas horas em que ele esperava pelo voo de ligação para a Suíça, para falarmos. Depois da primeira abordagem, tornou-se um hábito a cada vez que ele por cá passava, até ao culminar numa grande amizade, até à sua morte. Conto-lhe uma coisa que me impressionou. Um dia, eu e um amigo meu organizámos um encontro no Colégio da Doroteias em Lisboa. O Paulo entrou na sala onde se encontrava gente ávida do ouvir e, antes de ficar quieto, foi inspeccionar todas as tomadas eléctricas que existiam na sala, os candeeiros e outros locais de possível ocultação de aparelhos de escuta, um homem cheio de medo perseguido pelo fascismo.
Qual o maior ensinamento de Paulo Freire para a sociedade da leitura?
A alegria e a persistência. Ele tinha uma alegria imensa de trabalhar e era persistente, persistente, ia contra tudo e contra todos, determinado pelos seus objectivos. Uma pessoa muito inteligente mas muito altruísta. Colocava sempre a sua inteligência ao serviço de qualquer coisa, não era um sábio, era a inteligência em ação, uma pessoa sensacional.
O que pode a sociedade fazer para pôr as crianças a ler?
Eu penso que o mais importante é que as crianças achem que a leitura é um caminho possível para chegar a outras coisas, não será ficarem estagnados a lerem uma banda desenhada ou um jornal mas, com isso, encontrarem caminhos para chegarem a outras coisas e isso aprende-se lendo e, à medida que incrementam o gosto pela leitura, eles criam uma relação diferente com o mundo. Depois de adultos, formam a sua própria personalidade enquanto leitores mas, em crianças, se seguirem o caminho da leitura, sentem-se mais acompanhados e seguros nesse caminhar.
Qual a sua relação com a escrita de Eça?
É muito boa. Eça de Queiroz ensinou-me muita coisa. Além disso, sou muito amiga da pouca família que lhe restava e fui sempre recebida em casa deles, no Douro, com a maior das simpatias e prometi-lhes que seria a primeira região onde, deslocando-me fisicamente, ensinaria a alfabetizar. Talvez para o ano que vem concretize essa promessa.
De que maneiras podem os autores clássicos entrar no quotidiano dos portugueses?
A falta de cultura na generalidade da sociedade portuguesa é uma coisa gritante. Este trabalho que estamos a desenvolver no âmbito da alfabetização de adultos tem como tema "sem cultura não há desenvolvimento", para as pessoas perceberem que é precioso cultivarem-se para terem necessidade do desenvolvimento. Neste momento, nos estamos paralisados de intenções sociais. Cada um trata da sua vida o melhor que pode e acaba por aí a sua intervenção na sociedade e isto é uma maneira de ser muito difícil de remediar. Por isso, tenho a convicção que projetos como este desempenharão um papel importante no gosto pela leitura também dos clássicos.
Qual o conselho que tem para dar aos políticos deste país para elevar o nível de literacia dos portugueses?
Que trabalhassem muito, muito, com muita confiança e com muita ligação à realidade. Os discursos, já ninguém os ouve, mas quanto às ações, as pessoas percebem-nas e, nesse campo do agir, há muita coisa a fazer e eu gostava de ver os políticos mais empenhados na transformação do país, assumindo as próprias culpas. Também existem pessoas a trabalhar, mas sem grande convição, falta-lhes a tal alegria e persistência que tinha Paulo Freire. É preciso acreditar que se possa ter um objectivo.
Escrito por Rogério Mendonça
Entrevista dada à revista Livros&Leituras a 25/04/2010. |
História
A CIVITAS - Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos do Cidadão foi criada em Lisboa, em 1989 e a sua intervenção é de âmbito nacional sendo seus fundadores Coronel Vitor Alves e Helena Cidade Moura. Seguindo a lógica de uma cultura em rede, nasceram vários núcleos regionais da CIVITAS em diversas cidades portuguesas.
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