11 Novembro2010 | 11:47
Marina Costa Lobo
Marina Costa Lobo | |
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Onde está o poder? Quem é que tem verdadeira capacidade de tomar decisões?
É Cavaco Silva, Belmiro de Azevedo, Sócrates ou Ricardo Salgado? Esta é uma das questões mais importantes a responder, mas também uma das mais difíceis. Hoje, talvez a tentação seja responder que o poder viajou deste País. Neste momento está em Bruxelas, em Berlim, no FMI ou nos mercados internacionais.
Foi publicado um livro recentemente intitulado "Os Donos de Portugal" (Lisboa: Afrontamento, 2010) que trata precisamente deste tema. Trata-se de uma análise do percurso de enriquecimento das principais grandes famílias portuguesas desde o século XIX aos dias de hoje. A estratégia destes grupos passa por um núcleo financeiro e uma grande diversificação por diversos sectores da economia. Nomes como Espírito Santo, Mello, Champalimaud, Ulrich, Pinto Basto e D'Orey estão no centro da análise.
O livro propõe três grandes argumentos. Em primeiro lugar, os autores procuram demonstrar que estas, as principais famílias - com um ou outro percalço, por exemplo os Burnay, que perderam fortuna e poder - sobrevivem a todos os regimes. Os novos rostos como Belmiro ou Amorim não invalidam as continuidades do poder financeiro já secular das famílias grandes. Além de atravessarem regimes, os autores explicam que essas grandes famílias devem a acumulação de riqueza ao Estado português. Com origem nos contratos milionários do Tabaco e da especulação financeira no século XIX. Consolidando-se depois no ramo industrial durante o corporativismo e o planeamento industrial do Estado Novo. Novamente tomando as rédeas do País com as privatizações ocorridas a partir de 1989, durante o cavaquismo, e aprofundadas com ainda mais zelo pelo PS desde 1995. De forma mais fundamental, os autores defendem que estes grupos são responsáveis pelo atraso económico de Portugal, algo que tem sido muito disputado pela nova história económica portuguesa.
Os autores incluem Fernando Rosas e Francisco Louçã, que além de serem eminentes académicos são também líderes políticos do Bloco de Esquerda. E o livro reflecte exactamente esta dualidade: aqui faz-se história sim, mas de uma perspectiva da extrema-esquerda. Isto é um problema? Não e sim. Não, porque o estudo reflecte a qualidade académica dos autores, bem como da historiografia portuguesa recente: para todo o período do século XIX e do Estado Novo apresentam-se e discutem-se teses alternativas sobre o enriquecimento das famílias dominantes, por um lado e também do seu contributo para o desenvolvimento, ou sub-desenvolvimento do País, resultando num excelente resumo histórico, ainda que "comprometido". Sim, porque quando tratam o período democrático, esse tipo de estudos escasseiam, e portanto aos autores sobra-lhes ideologia e falta-lhes a complexidade que conseguem imprimir aos períodos anteriores.
No capítulo sobre o período democrático temos, frequentemente, a mesma sensação quando ouvimos alguém do Bloco de Esquerda a comentar a situação política em Portugal hoje: com inteligência, mas nem sempre com razão.
Desde logo, porque a partir de 1974 muito mudou que é totalmente desvalorizado pelos autores: há claramente uma diversificação dos grupos económicos e dos grupos políticos, além de uma importante internacionalização dos centros de decisão do País, tanto a nível político como económico. Qual os efeitos dessas mudanças na economia política do País? Para os autores é quase nenhuma, mas ficamos com dúvidas. Depois, importaria saber, de uma perspectiva comparada, em que medida é que Portugal se distingue de outros países na forma como estão organizados os grandes grupos económicos? Existem singularidades particularmente perversas do caso português ou fazemos parte de um padrão europeu (ou mesmo mundial) de concentração de capital?
Mesmo assim, trata-se claramente de um contributo notável e importante para a compreensão da forma como o poder económico está organizado em Portugal, suas transformações recentes e as relações com o poder político. Do mesmo modo, constitui um testemunho importante da forma totalmente hostil com que boa parte da esquerda (supostamente) moderna olha para os grupos económicos em Portugal.
Politóloga
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Foi publicado um livro recentemente intitulado "Os Donos de Portugal" (Lisboa: Afrontamento, 2010) que trata precisamente deste tema. Trata-se de uma análise do percurso de enriquecimento das principais grandes famílias portuguesas desde o século XIX aos dias de hoje. A estratégia destes grupos passa por um núcleo financeiro e uma grande diversificação por diversos sectores da economia. Nomes como Espírito Santo, Mello, Champalimaud, Ulrich, Pinto Basto e D'Orey estão no centro da análise.
O livro propõe três grandes argumentos. Em primeiro lugar, os autores procuram demonstrar que estas, as principais famílias - com um ou outro percalço, por exemplo os Burnay, que perderam fortuna e poder - sobrevivem a todos os regimes. Os novos rostos como Belmiro ou Amorim não invalidam as continuidades do poder financeiro já secular das famílias grandes. Além de atravessarem regimes, os autores explicam que essas grandes famílias devem a acumulação de riqueza ao Estado português. Com origem nos contratos milionários do Tabaco e da especulação financeira no século XIX. Consolidando-se depois no ramo industrial durante o corporativismo e o planeamento industrial do Estado Novo. Novamente tomando as rédeas do País com as privatizações ocorridas a partir de 1989, durante o cavaquismo, e aprofundadas com ainda mais zelo pelo PS desde 1995. De forma mais fundamental, os autores defendem que estes grupos são responsáveis pelo atraso económico de Portugal, algo que tem sido muito disputado pela nova história económica portuguesa.
Os autores incluem Fernando Rosas e Francisco Louçã, que além de serem eminentes académicos são também líderes políticos do Bloco de Esquerda. E o livro reflecte exactamente esta dualidade: aqui faz-se história sim, mas de uma perspectiva da extrema-esquerda. Isto é um problema? Não e sim. Não, porque o estudo reflecte a qualidade académica dos autores, bem como da historiografia portuguesa recente: para todo o período do século XIX e do Estado Novo apresentam-se e discutem-se teses alternativas sobre o enriquecimento das famílias dominantes, por um lado e também do seu contributo para o desenvolvimento, ou sub-desenvolvimento do País, resultando num excelente resumo histórico, ainda que "comprometido". Sim, porque quando tratam o período democrático, esse tipo de estudos escasseiam, e portanto aos autores sobra-lhes ideologia e falta-lhes a complexidade que conseguem imprimir aos períodos anteriores.
No capítulo sobre o período democrático temos, frequentemente, a mesma sensação quando ouvimos alguém do Bloco de Esquerda a comentar a situação política em Portugal hoje: com inteligência, mas nem sempre com razão.
Desde logo, porque a partir de 1974 muito mudou que é totalmente desvalorizado pelos autores: há claramente uma diversificação dos grupos económicos e dos grupos políticos, além de uma importante internacionalização dos centros de decisão do País, tanto a nível político como económico. Qual os efeitos dessas mudanças na economia política do País? Para os autores é quase nenhuma, mas ficamos com dúvidas. Depois, importaria saber, de uma perspectiva comparada, em que medida é que Portugal se distingue de outros países na forma como estão organizados os grandes grupos económicos? Existem singularidades particularmente perversas do caso português ou fazemos parte de um padrão europeu (ou mesmo mundial) de concentração de capital?
Mesmo assim, trata-se claramente de um contributo notável e importante para a compreensão da forma como o poder económico está organizado em Portugal, suas transformações recentes e as relações com o poder político. Do mesmo modo, constitui um testemunho importante da forma totalmente hostil com que boa parte da esquerda (supostamente) moderna olha para os grupos económicos em Portugal.
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