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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Juízes assumem que testemunho de vítimas e de Carlos Silvino são a base das condenações

Tribunal assume que convicção foi fundamental para a condenação dos arguidos
RUI GAUDÊNCIO


Não se pense que foram só os testemunhos das vítimas e do ex-motorista da Casa Pia Carlos Silvino a determinar a condenação dos seis arguidos a quem foram aplicadas penas de prisão no início de Setembro. Nem que não houve uma avaliação crítica dos seus depoimentos. Ao longo das 1760 páginas do acórdão da Casa Pia, o colectivo da 8.ª Vara Criminal faz questão de analisar uma enorme quantidade de documentos - incluindo registo de chamadas, relatórios da instituição, perícias, facturas detalhadas, escrituras de compra e venda de casas - que cruzou com mais de 900 depoimentos. Mas mesmo assim, os juízes assumem, sem complexos, que a convicção que criaram, através de determinados depoimentos das vítimas e do arguido Carlos Silvino, foi fundamental para as condenações.

Isso mesmo reconhece o colectivo de juízes a propósito dos factos ocorridos na Casa de Elvas, De cenário central da acusação, onde alegadamente todos os arguidos tinham cometido crimes, a moradia da cidade alentejana passou para um local que registou dois casos de abusos sexual, um atribuído a Carlos Cruz e outro a Hugo Marçal. "É que o tribunal acabou por acreditar nos assistentes e no arguido Carlos Silvino da Silva, de forma que, para si, afastou a dúvida razoável, é também nisso que se funda a convicção", lê-se no acórdão.

PJ não manipulou factos

Mais à frente, os juízes reconhecem mesmo que "a prova da acusação da colocação de arguidos em Elvas resulta, exclusivamente, das declarações dos assistentes e do arguido Carlos Silvino". Insistem que não tiveram preconceitos em dar uma situação como provada e em outras parecidas, com os mesmos intervenientes e o mesmo modo de procedimento, como não provadas. "Se isso pode ser entendido como um sinónimo de fragilidade da prova, é circunstância que em situação alguma nos podia preocupar", afirmam. E sublinham que as vítimas estavam a relatar factos de há cinco, seis e sete anos, o que torna compreensível algumas contradições.

"Reconstituir o passado, mesmo documentalmente, é difícil quanto mais apenas através da memória", referem, lembrando que quando recuperamos uma memória não estamos a "recuperar o original". Os magistrados rejeitam, contudo, a tese da defesa que insiste na contaminação dos relatos das vítimas quer através da comunicação social, quer pelo que foram falando entre si. Também rejeitam uma acusação constante das defesas que imputam à Polícia Judiciária a manipulação na criação de uma falsa história. "O tribunal não encontrou indícios, factos, que sustentem uma preparação, condução ou de qualquer forma de conjugação por parte da Polícia Judiciária dos depoimentos que vieram a ser prestados em audiência de julgamentos pelos jovens identificados como vítimas", acentuam os juízes.

Num ponto, o colectivo dá razão à defesa. Ao considerar que os investigadores não analisaram devidamente os registos de chamadas que dispunham, já que se limitaram a aplicar ferramentas informáticas de busca aos dados que, em algumas situações, não detectaram os números procurados apenas por questões técnicas. Os elementos, acentua o acórdão, foram "individualizados e considerados pelo tribunal na fase de julgamento".

O colectivo lembra que cruzou e verificou informações remetidas pelas operadoras de telemóvel, pela Via Verde, de cartões de crédito e débito e registos da Casa Pia de Lisboa. "Foram milhares de dados verificados, muitos deles com a verificação de listagem atrás de listagem, o que implicou gastos de tempo ao longo do processo, mas que a descoberta da verdade material impunha", lê-se.

Quanto aos depoimentos, o colectivo não os avaliou acriticamente, como explica relativamente à ponderação da versão contada por Carlos Silvino. O arguido, salienta-se, admite ter levado jovens a Elvas, à Avenida das Forças Armadas, à Buraca, mas diz que foi "sempre e apenas para dar boleias que lhe pediram; só deu boleias, nega contactos ou conhecimentos com arguidos, dizendo que isso eram os educandos que sabiam e contactavam". Para o tribunal, Silvino o que faz é contar "a história de forma incompleta ou com outros contornos. Mas em algumas situações não deixa de dar elementos que nos permitem, em conjugação com os demais meios de prova, chegar à sua real responsabilidade".

No acórdão os juízes também questionam: "Como foi possível" que o arguido Carlos Silvino se movimentasse dentro da instituição, junto dos alunos e com os veículos da Casa Pia de Lisboa, sem que isso fosse detectado pelos serviços respectivos, sem que fosse chamado à atenção, sem que isso fosse de alguma forma descoberto por qualquer sistema ou procedimento de controlo? Interrogam-se ainda sobre a possibilidade de os educandos se deslocarem para fora da instituição sem controlo. E rejeitam uma tese defendida pelos arguidos, que alegava que o controlo exercido sobre as viaturas e motoristas da instituição impossibilitava as "boleias" de Carlos Silvino, em veículos da Casa Pia, ao salientar que a fiscalização existente era "essencialmente formal". O colectivo conclui, através de inúmeros casos analisados, que não há necessariamente uma correspondência entre os registos e os serviços efectuados, nem o planeamento era feito previamente.

Carlos Silvino, recorda o veredicto, foi alvo de cinco processos disciplinares, proibido de contactar os alunos da CPL e foi demitido da instituição, sendo reintegrado por decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Os juízes dizem que Manuel Abrantes, ex-vice-provedor, não podia desconhecer esta sanção, como o arguido afirmou. Assumindo que houve desvalorização dos riscos no seio da Casa Pia, o acórdão recorda que, à data dos factos, havia uma "relevância e ressonância social inferior à que tem tido nos últimos dez anos".

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