Polémica
Procurador 'intimou' Sócrates sem aviso prévio
por CARLOS RODRIGUES LIMA
Magistrado constituiu o primeiro-ministro como arguido sem dar conhecimento superior e arrisca, no mínimo, um processo disciplinar. Caso foi, agora, para o Supremo
A decisão apanhou de surpresa toda a cadeia de comando do Ministério Público: o primeiro-ministro ia ser constituído arguido, e nem a directora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, Maria José Morgado, nem o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, tinham sido "tidos ou achados". A iniciativa partiu de um procurador da 12.ª secção do DIAP de Lisboa que, agora, arrisca um processo disciplinar.
Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República adiantou: "A tramitação do processo até este momento será apreciada oportunamente e em sede própria." Isto porque se verificou que só "após insistências" do procurador do DIAP é que o juiz de instrução despachou o requerimento para a Assembleia da República.
Neste caso - em que está em causa uma queixa da jornalista Manuela Moura Guedes contra José Sócrates - tudo gira à volta do já famoso artigo 11.º do Código de Processo Penal, que esteve sob forte polémica no processo relativo ao crime de atentado contra o Estado de direito, que tinha na sua base uma série de escutas telefónicas recolhidas no caso "Face Oculta".
Segundo fontes do DIAP de Lisboa contactadas pelo DN, o procurador da 12.ª secção (que, normalmente, trata de processos relacionados com injúrias e difama- ções) entendeu que os eventuais crimes de difamação praticados por Sócrates, tal como estavam denunciados por Manuela Moura Guedes - e que têm que ver com a forma como José Sócrates qualificou o Jornal de 6.ª da jornalista, considerando-o como "jornalismo travestido" e "caça ao homem" - não o foram "no exercício de funções", pelo menos como estas estão definidas na Constituição da República (artigo 201.º).
Logo, estava afastada a competência do Supremo Tribunal de Justiça para apreciar o caso, por o Supremo ter competência "apenas" para julgar e proceder aos actos de inquérito e instrução nos processos em que o primeiro-ministro tenha praticado crimes "no exercício de funções".
No Parlamento fervilham, entretanto, as especulações sobre as razões que possam estar na base deste episódio. Com Marques Guedes e Jorge Lacão a recusarem estar-se perante um "erro", os deputados evitaram igualmente dar interpretações muito concretas para o que possa ter acontecido. Fontes parlamentares referiram ao DN que, tratando-se de "um caso que envolve o nome do primeiro-ministro, parece impossível que a decisão do TIC tenha por base um mero desconhecimento do quadro legal". As mesmas fontes falam num óbvio caso feito "à medida do impacto político que sabiam ir causar, e alegam que este procedimento pode vir a ter consequências graves".
Advogam que se pode estar perante um crime de "denegação de justiça e prevaricação", em que se estabelece: "O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra--ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com penas de prisão até dois anos ou com pena de multa até 120 dias." Mas será necessário provar o "dolo", isto é, que houve uma intenção.
José Sócrates desvalorizou, entretanto, a queixa de Moura Guedes: "Não deixa de ser uma ironia da história o facto de, depois de tudo o que se passou, ser eu o acusado de difamação." O primeiro- -ministro declarou estar "muito disponível para sustentar tudo o que disse." E mostrou-se despreocupado: "Era só o que me faltava."
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