

PT/TVI
PT/TVI: PS quer apagar escutas do relatório final
por Inês Cardoso, Publicado em 17 de Maio de 2010
Socialistas ameaçam com inconstitucionalidade para travar leitura política das escutas. Mas PSD e PCP não recuam e vão hoje consultar documentos de Aveiro
Quando o adversário muda de posições, qualquer treinador reajusta a táctica. Ontem ficou clara a razão de o Partido Socialista ter recuado na ameaça de deixar a comissão de inquérito ao caso PT/TVI, se chegassem escutas ao Parlamento. Invocando princípios constitucionais, o PS argumenta que uma comissão não pode consultar ou levar em consideração informações extraídas de escutas. E como Bloco de Esquerda e CDS recusaram conhecer as conversas, os socialistas acreditam agora conseguir apoios suficientes para fazer valer esta posição. Os resumos vão ser lidos mas, haja nelas o que houver, pela voz de Vitalino Canas ficou o aviso: "O PS nunca aceitará que para atingir objectivos políticos se utilizem escutas."
Dos 17 deputados da comissão de inquérito, só dois vão consultar, a partir de hoje, os documentos enviados pela Comarca do Baixo Vouga, com conversas interceptadas a Armando Vara e Paulo Penedos. Pelo PCP, João Oliveira assumiu manter interesse nos documentos, enquanto pelo PSD apenas Pacheco Pereira irá lê-los, para minimizar os riscos de fugas de informação. Vitalino Canas alega que, sendo a comissão "soberana no que decide ou não aceitar", 17 pessoas não terão de levar em conta conclusões que duas possam tirar dessa leitura.
O raciocínio levanta vários problemas. O primeiro é o jogo de forças interno e a possibilidade de prevalecer a posição de recusa absoluta de qualquer informação contida nas gravações. "Não nos pronunciamos em nome de ninguém. Tiramos ilações do facto de outros partidos terem recusado consultar as escutas, mas veremos se isso se confirma", explica ao i Vitalino Canas.
Não querer ver as escutas não é sinónimo de não querer ouvir o que outros digam delas. João Semedo (BE), relator da comissão, garantiu que mesmo não querendo ler nada, incluirá no relatório final "todas as informações provenientes dos deputados", seja qual for a sua origem.
Um segundo problema, ainda mais difícil de pesar do que as posições de cada partido, foi levantado pelo social-democrata Pacheco Pereira. Ainda que se ignore toda a substância, podem ignorar-se sinais dados pelas escutas? Um exemplo: se alguém na comissão disse nunca ter falado do assunto TVI, mas foi escutado a falar abundantemente do assunto, esse facto tem um valor por si só, mesmo ignorando o conteúdo do que foi dito. "Há muitas maneiras de chegar lá", alertou Pacheco Pereira, dando o exemplo das conversas interceptadas ao primeiro-ministro e consideradas nulas. No limite, argumentou, se nos despachos do procurador-geral da República sobre o caso TVI elas são referidas, basta para concluir que existiram.
Advogados não se opõem
Um dos princípios que alimentou a "querela constitucional" de ontem - já depois de terminada a audição do presidente da PT - foi o direito à palavra e privacidade dos visados nas escutas. Mas Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Penedos, assegura que o seu cliente nada tem a opor à utilização, "desde que sejam relevantes para o objecto da comissão".
Juridicamente, a questão não é de todo clara. Tal como o i já adiantou, penalistas como Germano Marques da Silva e Paulo Pinto de Albuquerque dividem-se. E se o PS sublinha que escutas só podem ser usadas em sede de processo penal, Sá Fernandes tem outra leitura. As limitações impostas no quadro jurídico-penal não são, em sua opinião, transponíveis para o Parlamento. "Não vejo obstáculo a que, sendo válidas, as escutas sejam alvo de apreciação política", defende.
Embora concorde que a questão de fundo é política, Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Armando Vara, manifesta dúvidas de legalidade no acesso de deputados às escutas. Assegura que "para o dr. Armando Vara é perfeitamente inócuo" o Parlamento consultá-las, mas critica o "segredo de Polichinelo" mantido sobre o processo Face Oculta. Numa fase em que "já pouco há para guardar", recorda ter sido recusado o pedido de publicidade feito por Vara.
Reticência partilhada pelos dois advogados é o facto de estarem em causa resumos das transcrições. Tiago Rodrigues Bastos lembra que um resumo não é sequer admissível como meio de prova em tribunal e que é "indecoroso" se os deputados vierem a fazer considerações sem confrontarem os visados. Também Sá Fernandes acha preferível "as escutas integrais" - desde que não ponham em causa a privacidade -, devido ao risco de descontextualizar o que foi dito.
Segundo ontem revelou o PSD, no despacho o juiz de instrução de Aveiro admite vir a ceder os próprios registos áudio Alguns excertos do despacho (classificado) foram lidos para sublinhar que o acesso às escutas foi validado por um magistrado, num "esforço de concordância" entre o direito à palavra e intimidade dos visados e os poderes constitucionais das comissões de inquérito.
A polémica deverá subir de tom nos próximos dias, mas o PSD pediu já o agendamento de uma reunião especificamente para debater o tema. Deverá ser marcada para quarta ou quinta-feira. Antes disso, as atenções viram-se para José Sócrates. A resposta ao questionário dos deputados terá de chegar hoje e para amanhã está marcada uma reunião onde serão analisados eventuais pedidos de esclarecimento.
por Inês Cardoso, Publicado em 17 de Maio de 2010
Socialistas ameaçam com inconstitucionalidade para travar leitura política das escutas. Mas PSD e PCP não recuam e vão hoje consultar documentos de Aveiro
Quando o adversário muda de posições, qualquer treinador reajusta a táctica. Ontem ficou clara a razão de o Partido Socialista ter recuado na ameaça de deixar a comissão de inquérito ao caso PT/TVI, se chegassem escutas ao Parlamento. Invocando princípios constitucionais, o PS argumenta que uma comissão não pode consultar ou levar em consideração informações extraídas de escutas. E como Bloco de Esquerda e CDS recusaram conhecer as conversas, os socialistas acreditam agora conseguir apoios suficientes para fazer valer esta posição. Os resumos vão ser lidos mas, haja nelas o que houver, pela voz de Vitalino Canas ficou o aviso: "O PS nunca aceitará que para atingir objectivos políticos se utilizem escutas."
Dos 17 deputados da comissão de inquérito, só dois vão consultar, a partir de hoje, os documentos enviados pela Comarca do Baixo Vouga, com conversas interceptadas a Armando Vara e Paulo Penedos. Pelo PCP, João Oliveira assumiu manter interesse nos documentos, enquanto pelo PSD apenas Pacheco Pereira irá lê-los, para minimizar os riscos de fugas de informação. Vitalino Canas alega que, sendo a comissão "soberana no que decide ou não aceitar", 17 pessoas não terão de levar em conta conclusões que duas possam tirar dessa leitura.
O raciocínio levanta vários problemas. O primeiro é o jogo de forças interno e a possibilidade de prevalecer a posição de recusa absoluta de qualquer informação contida nas gravações. "Não nos pronunciamos em nome de ninguém. Tiramos ilações do facto de outros partidos terem recusado consultar as escutas, mas veremos se isso se confirma", explica ao i Vitalino Canas.
Não querer ver as escutas não é sinónimo de não querer ouvir o que outros digam delas. João Semedo (BE), relator da comissão, garantiu que mesmo não querendo ler nada, incluirá no relatório final "todas as informações provenientes dos deputados", seja qual for a sua origem.
Um segundo problema, ainda mais difícil de pesar do que as posições de cada partido, foi levantado pelo social-democrata Pacheco Pereira. Ainda que se ignore toda a substância, podem ignorar-se sinais dados pelas escutas? Um exemplo: se alguém na comissão disse nunca ter falado do assunto TVI, mas foi escutado a falar abundantemente do assunto, esse facto tem um valor por si só, mesmo ignorando o conteúdo do que foi dito. "Há muitas maneiras de chegar lá", alertou Pacheco Pereira, dando o exemplo das conversas interceptadas ao primeiro-ministro e consideradas nulas. No limite, argumentou, se nos despachos do procurador-geral da República sobre o caso TVI elas são referidas, basta para concluir que existiram.
Advogados não se opõem
Um dos princípios que alimentou a "querela constitucional" de ontem - já depois de terminada a audição do presidente da PT - foi o direito à palavra e privacidade dos visados nas escutas. Mas Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Penedos, assegura que o seu cliente nada tem a opor à utilização, "desde que sejam relevantes para o objecto da comissão".
Juridicamente, a questão não é de todo clara. Tal como o i já adiantou, penalistas como Germano Marques da Silva e Paulo Pinto de Albuquerque dividem-se. E se o PS sublinha que escutas só podem ser usadas em sede de processo penal, Sá Fernandes tem outra leitura. As limitações impostas no quadro jurídico-penal não são, em sua opinião, transponíveis para o Parlamento. "Não vejo obstáculo a que, sendo válidas, as escutas sejam alvo de apreciação política", defende.
Embora concorde que a questão de fundo é política, Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Armando Vara, manifesta dúvidas de legalidade no acesso de deputados às escutas. Assegura que "para o dr. Armando Vara é perfeitamente inócuo" o Parlamento consultá-las, mas critica o "segredo de Polichinelo" mantido sobre o processo Face Oculta. Numa fase em que "já pouco há para guardar", recorda ter sido recusado o pedido de publicidade feito por Vara.
Reticência partilhada pelos dois advogados é o facto de estarem em causa resumos das transcrições. Tiago Rodrigues Bastos lembra que um resumo não é sequer admissível como meio de prova em tribunal e que é "indecoroso" se os deputados vierem a fazer considerações sem confrontarem os visados. Também Sá Fernandes acha preferível "as escutas integrais" - desde que não ponham em causa a privacidade -, devido ao risco de descontextualizar o que foi dito.
Segundo ontem revelou o PSD, no despacho o juiz de instrução de Aveiro admite vir a ceder os próprios registos áudio Alguns excertos do despacho (classificado) foram lidos para sublinhar que o acesso às escutas foi validado por um magistrado, num "esforço de concordância" entre o direito à palavra e intimidade dos visados e os poderes constitucionais das comissões de inquérito.
A polémica deverá subir de tom nos próximos dias, mas o PSD pediu já o agendamento de uma reunião especificamente para debater o tema. Deverá ser marcada para quarta ou quinta-feira. Antes disso, as atenções viram-se para José Sócrates. A resposta ao questionário dos deputados terá de chegar hoje e para amanhã está marcada uma reunião onde serão analisados eventuais pedidos de esclarecimento.
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