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sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

DEBATES REALIZADOS - PRESIDENCIAIS_2026

 

Realizados

Segunda-feira, 17 de novembro

Terça-feira, 18 de novembro

Quinta-feira, 20 de novembro

  • Henrique Gouveia e Melo vs. João Cotrim de Figueiredo (RTP) - veja na íntegra

Domingo, 23 de novembro

Segunda-feira, 24 de novembro

Terça-feira, 25 de novembro

Quarta-feira, 26 de novembro

domingo, 7 de dezembro de 2025

O ESTADO NOVO DE SALAZAR, NA MEMÓRIA DE QUEM O VIVEU

 

O ESTADO NOVO DE SALAZAR, NA MEMÓRIA DE QUEM O VIVEU

A todos os meus amigos com os votos de um bom Domingo.

Só os portugueses e as portuguesas com mais ou menos 15 anos no dia 25 de Abril de 1974, hoje a rondarem os 65, podem ter memória crítica de algumas particularidades dos últimos estertores do Estado Novo, que viram cair. Rapazes e raparigas com menos idade, ou seja, as crianças desse tempo, talvez se lembrem de um pormenor ou outro. Assim sendo, torna-se evidente que a grande maioria dos nossos adultos no activo pouco ou nada sabem de um regime que nos privou de todas as formas de liberdade, torturou muitos de nós, durante quase meio século e que caiu de podre no dia em que os cravos floresceram nas espingardas dos soldados.

Nos anos de 1930 e 1940, os das duas primeiras décadas de consolidação do Estado Novo, Portugal viveu em situação de ditadura, distinguindo apoiantes do novo regime e oposicionistas, de entre os quais se evidenciaram, por serem publicamente conhecidos, os que “se metiam na política”, localmente referidos como sendo “os do reviralho”. Eram os da chamada oposição democrática, consentida por Salazar, com destaque para os do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Criado em 1945, foi extinto três anos depois, em virtude do grande apoio popular que registou, agrupando muitos opositores até então isolados, entre os quais muitos intelectuais e profissionais liberais.

Outros opositores, que quase ninguém conhecia, militando na clandestinidade pelo Partido Comunista, eram activamente perseguidos, primeiro pela PVDE (Política de Vigilância e Defesa do Estado), entre 1933 e 1945, e, depois, pela sua substituta PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). A estes opositores, os “pides” deitavam-lhes a mão, levavam-nos para Lisboa, onde os interrogavam, brutalizavam, guardando-os depois, pelo tempo que entendessem, e, em alguns casos, assassinavam. Para os localizarem e denunciarem havia os informadores, também referidos por “bufos”, uns conhecidos, outros, não, pelo que se dizia que as mesas dos Cafés, os bancos do jardim, as paredes de todo o lado e até as pedras da caçada tinham olhos e ouvidos.

Para além das restrições à liberdade e da censura, fez-se sentir, também aqui, o decreto 27 003, de 14 de Setembro de 1936, que determinava: «Para admissão a concurso nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas». E, mais adiante: «Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente».

Embora na letra da Constituição de 1933, figurasse o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, o Estado Novo considerava a mulher como mãe, dona-de-casa e, em quase tudo, submissa ao marido. A lei portuguesa de então, designava o marido como chefe de família, sendo reservado à mulher o governo da casa, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação, não tendo os mesmos direitos na educação dos filhos. Não tinha direito de voto, não podia ascender a determinadas chefias nem exercer cargos na magistratura, na diplomacia e na política. Sendo casadas, as nossas mulheres perdiam o direito a intervir nas suas propriedades, não podiam viajar para fora do país sem autorização dos maridos e não podiam trabalhar sem autorização destes. O marido podia dirigir-se ao empregador declarar não autorizar a mulher a trabalhar, o que implicava o seu imediato despedimento.

Em muitos hospitais as enfermeiras podiam ser impedidas de casar. Se casassem, podiam ser obrigadas a abandonar a profissão. As professoras tinham de pedir autorização para casar, o que só era permitido se o noivo satisfizesse determinadas condições, autorização publicada e em Diário da República O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Concordata de 1940, numa submissão do Estado à Igreja Católica. Assim, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior casamento, eram consideradas ilegítimas, não podendo ter o nome do pai, ou seja, o do companheiro.

Na orientação ideológica antiliberal e de cariz católica do ditador, a existência da mulher confundia-se com a da família, estando-lhe reservado o espaço doméstico. A Obra das Mães pela Educação Nacional, organização feminina do Estado Novo, criada em 1936, tinha por objetivo “estimular a acção educativa da família e assegurar a cooperação entre esta e a escola nos termos da Constituição” de 1933.

Nascida em 1912, como suplemento feminino do jornal “O Século” a revista semanal “Mulher – Modas & Bordados” dirigida nos primeiros tempos a uma pretensa elite feminina, fornecia-lhe conselhos nos domínios da moda, da culinária, das boas-maneiras e da beleza. Mostrou, porém, alguma preocupação de valorização da mulher, testemunhada pela publicação regular de sonetos da grande poetisa alentejana, Florbela Espanca (1894-1930), uma das primeiras mulheres a frequentar o Liceu Masculino André de Gouveia, onde permaneceu até 1912. Foi, porém, com Maria Lamas (1893-1983), opositora ao regime e feminista, na direcção desta revista que a luta contra a secundarização da mulher se fez sentir, não só em Évora, onde tinha ligações familiares, como no país.

Depois de duas décadas de confronto com o liberalismo e o republicanismo, a chamada pax salazarista proporcionou à Igreja (grandemente afectada durante a Primeira República) um terreno propício à sua reimplantação e reestruturação interna. Nestes propósitos, assumiu papel fundamental o então Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), dirigindo a Igreja Católica Portuguesa durante o Estado Novo. Elevado ao cardinalato, em 1929, pelo Papa Pio XI, foi amigo íntimo e companheiro de Salazar (militante católico nos tempos da Primeira República), no Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra.

Com a subida de Salazar ao poder, o cardeal Cerejeira pôde garantir, à Igreja, potecção, respeito e liberdade de acção. Estava na sua mente recuperar e salvaguardar os privilégios do catolicismo, como Igreja do Estado, afastados pela Primeira República, tendo tido papel fundamental na assinatura da Concordata com a Santa Sé, em 1940, na criação da Acção Católica Portuguesa, visando a “recristianização” da sociedade, na obrigatoriedade do ensino religioso, na abertura de novos seminários e casas religiosas, bem como no desenvolvimento da imprensa católica.

Em 1936, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.

Nestes anos, o ensino obrigatório ainda terminava com o exame da 3ª classe (3º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.

Na Escola Primária, a pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou menina de cinco olhos. Com algumas professoras, as reguadas estalavam nas mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina, quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias.

À margem da Escola Primária havia as chamadas “Escolas Incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Aqui o ensino era ministrado por “regentes escolares”. Na imensamente maioria mulheres, ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4ª, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.

A análise histórica da documentação permite verificar que, nesses anos, os professores, diplomados pelas Escolas Normais, foram sendo substituídos pelos regentes escolares, em especial nas aldeias e na periferia das cidades. A escolaridade obrigatória, como se disse, baixara para a 3.ª classe e as crianças estavam preparadas para trabalhar e ouvir o sermão do senhor padre aos Domingos.

No discurso de Salazar, proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28 de Maio, em Lisboa, Salazar disse: Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia, «Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor rendimento da enxada».

terça-feira, 25 de novembro de 2025

O 25 de novembro - A Verdade da Mentira

 


A verdade da mentira

A entrevista com Ricardo Noronha, investigador do Instituto de História Contemporânea e autor de um livro acabado de sair sobre o 25 de Novembro discorre sobre um dos episódios mais controversos da história recente de Portugal. Durante décadas, a narrativa dominante apresentou esse dia como a derrota de uma tentativa de golpe da esquerda “radical” contra as forças “moderadas”. No entanto, são vários os factos que mostram que estava em marcha um plano para acabar com a revolução.

VOZDO OPERARIO

Memória

O 25 de Novembro que não nos contam: censura, saneamentos e prisões

Continua a ser um dos episódios mais controversos da história recente de Portugal. Durante décadas, a narrativa dominante apresentou esse dia como a derrota de uma tentativa de golpe da esquerda “radical” contra as forças “moderadas”. No entanto, são vários os factos que mostram que estava em marcha um plano para acabar com a revolução. Com a revolução de Abril, houve manifestações de júbilo nas ruas, imprensa finalmente livre e libertação de presos. Novembro trouxe o controlo militar, o regresso da censura e o saneamento de jornalistas e a prisão de militares. Para compreender melhor as dinâmicas e os interesses em jogo nesse momento decisivo, conversámos com Ricardo Noronha, doutorado em História pela Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto de História Contemporânea (NOVA FCSH), que acaba de lançar um livro dedicado ao tema.

Porquê este livro?

O cinquentenário faz com que haja, obviamente, uma profusão de discursos sobre o que aconteceu no 25 de Novembro e, sobretudo, um grande investimento sobre a carga simbólica da data. E, nesse processo, sei que vai haver mais atenção, mais interesse e curiosidade sobre o que aconteceu e abre-se espaço para um trabalho historiográfico poder ter mais público do que de outra maneira teria. E, portanto, há uma intervenção historiográfica, com base em conhecimento acumulado ao longo dos anos, de várias perspectivas, vários testemunhos, vários relatos, e, simultaneamente, a identificação de um momento político, que corresponde à tentativa, sobretudo por parte da direita em Portugal, de se apropriar da carga simbólica desta data e projetar sobre ela um significado que está completamente ao arrepio daquilo que aconteceu.

Entende, portanto, que a direita está a instrumentalizar o 25 de Novembro?

Sempre houve uma instrumentalização política do 25 de Novembro. Logo no dia a seguir, no dia 26 de novembro, já há uma série de discursos e um conjunto de narrativas para oferecer à data uma carga simbólica, sobretudo em torno da noção de liberdade e totalitarismo, ou radicalismo e moderação. E, durante muito tempo, a linha divisória, se quisermos, que se traçava a partir da invocação da data, traçava a esquerda. No fundo, de um lado, a extrema-esquerda, o Partido Comunista Português e as pessoas que se reviam, de alguma maneira, nessa área, e depois todas as pessoas que se posicionam, de grosso modo, mais próximo do PS, do Documento dos 9, e que alinhavam com o 25 de Novembro. A direita até estava relativamente distante disto, porque olhava, com razão, na verdade, para o que aconteceu naquela data como um confronto, fundamentalmente, entre estas duas sensibilidades, nas quais a direita militar, que seria basicamente os heróis que esta direita hoje em dia invoca, teria desempenhado um papel relativamente secundário.

Com a passagem do tempo, a figura do Jaime Neves veio emergir com uma importância que não tinha tido inicialmente. Ramalho Eanes e Melo Antunes eram os grandes protagonistas. E isso permitiu também à direita criar ali um conjunto de referências simbólicas em torno do 25 de Novembro.

O que foi afinal o 25 de Novembro?

Foram várias coisas. Eu acho que em primeiro lugar, e foi daí que eu quis começar, uma sublevação de uma unidade militar em específico, que são os paraquedistas. Tinham sido utilizados no 11 de Março pelos spinolistas como ponta de lança do seu ataque contra a esquerda militar. Tinham sido manipulados e manobrados com informações de que havia guerrilheiros latino-americanos e grupos armados de extrema esquerda dentro do quartel a preparar uma grande operação de assassinato de centenas de pessoas de direita. E depois, quando perceberam que na verdade tinham sido ali apanhados no meio de um enredo que não controlavam, acabaram por parar de disparar. A 7 de novembro, e aqui é que é o momento crucial desta cronologia, o Conselho da Revolução decide destruir o emissor da Rádio Renascença, que estava ocupada pela Comissão de Trabalhadores. Havia ali um conflito com o Patriarcado de Lisboa, que era o proprietário da rádio — e o governo de Vasco Gonçalves, na verdade, já tinha decidido devolver a rádio aos seus proprietários com a oposição de Otelo —, e houve ali uma série de movimentações. O sexto governo provisório de Pinheiro de Azevedo, um governo já mais conservador, mais virado à direita, tinha basicamente chegado à conclusão que não era possível retomar as instalações sem que houvesse confrontos. Sem saberem, os paraquedistas foram usados pelo Conselho da Revolução para destruir, à bomba, o emissor da Rádio Renascença. Isto provoca uma enorme revolta entre os paraquedistas, sobretudo entre os praças e os sargentos, que vão dinamizar um processo de contestação dentro do corpo de paraquedistas, e sobretudo na base de Tancos, que vai levar ao afastamento de 123 oficiais. O chefe de Estado-Maior da Força Aérea decide dissolver a unidade e em resposta os paraquedistas primeiro colocam-se sob o comando do comandante do Copecon, Otelo Saraiva de Carvalho, que aceita ficar com a autoridade e depois os sargentos organizam a unidade. Mesmo sem os oficiais, os paraquedistas continuam a ser uma tropa de excelência, uma força especial, altamente preparada. E é isso que acontece na madrugada do dia 25 de novembro.

Portanto, não estamos a falar de uma tentativa de golpe para tomar o poder. É apenas um protesto dentro das próprias forças armadas.

Neste caso concreto, nessa madrugada, este protesto, se é que podemos chamá-lo assim, nunca teve o objetivo de executar um golpe. Basta olhar para o desenrolar das operações para, acho eu, encontrar uma resposta a essa pergunta. Depois de tomadas várias bases, os revoltosos ficam na expectativa e começam a emitir comunicados com as suas reivindicações. E quais são as suas reivindicações? Bom, que se bloqueie qualquer processo de dissolução dos paraquedistas, o afastamento imediato do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, que é responsabilizado pelo que aconteceu na Rádio Renascença e por toda a escalada, no fundo, de confrontação com os paraquedistas, a substituição dos representantes da Força Aérea no Conselho da Revolução e o cancelamento do afastamento do Otelo Saraiva de Carvalho da região militar de Lisboa. E é aí, neste último ponto, que o protesto dos paraquedistas extravasa o âmbito do seu próprio conflito.

Podemos, portanto, afirmar que já havia um plano em marcha para um golpe contra-revolucionário e que estas circunstâncias foram utilizadas para executar esse plano?

Eu acho que houve várias movimentações nesse dia de diferentes facções politico-militares, cada uma com a sua agenda própria, de um lado e de outro. Do lado dos sublevados, o que se nota é um grande grau de improvisação e de reação a uma situação de fato. Do lado das forças da ordem, vamos chamá-las assim, há um plano longamente amadurecido, uma avaliação muito cautelosa da constituição de forças, uma preparação logística. Há uma frase antiga que diz que os amadores discutem tática, os profissionais discutem logística. Todos os meios aéreos estavam em Cortegaça, com gasolina, com mísseis e as munições, tudo preparado para sair, os comandos estavam também equipados para sair, enquanto que do lado dos revoltosos, tirando os paraquedistas, que de facto fazem aquilo com muita eficiência, todos os outros estão simplesmente a correr atrás da situação. E portanto, desse ponto de vista, nota-se claramente que a preparação está toda de um lado, quase toda de um lado.

Depois, nas diferentes agendas políticas, o Grupo dos Nove, o que pretende é clarificar de uma vez por todas a situação no plano político-militar, ou seja, deixar de haver contestação à hierarquia e a hierarquia ser aquilo que eles definirão. Vasco de Lourenço passa a ser governador da região militar de Lisboa, Otelo é afastado, os oficiais da esquerda militar perdem as posições de comando, tirando na Armada, mas há uma nova correlação de forças absolutamente inequívoca sobre quem é que manda nos militares. Portanto, daqui para a frente, qualquer nova manifestação, qualquer protesto radical, no fundo, transgressivo, vai ter uma resposta musculada.

Os Nove não querem reverter as nacionalizações. Por isso é que logo no dia 26 o Melo Antunes vem dizer que o PCP é fundamental para a construção do socialismo, que estão agora criadas as condições para a via democrática para o socialismo. Costa Gomes diz isto, o Pinheiro de Azevedo, primeiro-ministro, diz isto. Sem a esquerda militar, o Grupo dos Nove passa a estar isolado e a direita militar começa a vir acima. “Ainda não estamos satisfeitos”, diz Jaime Neves. Qual é a agenda? Para além de reverter boa parte das conquistas da revolução, mão dura, ilegalizar o PCP, isso parece claro, ilegalizar ou pelo menos dar um grande chimbalau aos sindicatos, à intersindical, à extrema-esquerda, tudo o que está à esquerda do PS é para levar e não é para levar pouco.

Outro dos mitos é falar-se do 25 de Novembro como a data que inaugura a democratização do país e rutura com modelos “totalitários”, mas a partir desse dia desencadeia-se um processo de saneamentos contra militares e jornalistas, entre outros.

Houve cento e tal jornalistas que foram saneados de muitos órgãos de comunicação social. Acho que essa é a grande questão. Passou a haver controlo sobre a narrativa, sobre os aparelhos ideológicos. Eu acho curioso que se projete sobre o 25 de Novembro a data de início da democracia porque nós olhamos para o 25 de Abril e o que vemos é centenas de pessoas na rua, milhares de pessoas a fazer a festa, os profissionais da comunicação social, os jornais todos a sair, “este número não foi visado pela censura”, temos horas e horas e horas de filmagem, montes de relatos, etc. O que é que temos no 25 de Novembro? Primeiro o estado de emergência e depois o estado de sítio. O estado de sítio permite aos militares ter controlo sobre tudo.

E o que é este controlo sobre tudo? Não há jornais. Os primeiros jornais saíram já em dezembro. Durante mais de uma semana, a única fonte de informação legal são os comunicados da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas. Há o total controle sobre a informação. Não pode haver manifestações, não pode haver ajuntamentos, reuniões políticas só com autorização militar, na prática não há. Há o total controle sobre a narrativa. E, no meio disto tudo, saneamentos. O Diário de Notícias só voltou já na última semana de dezembro. E que tipo de saneamento é? É o saneamento à esquerda, evidentemente. Eu acho curioso que se celebre como verdadeira data da instituição da democracia uma semana de estado de sítio em que há censura. Já depois, em janeiro, há dezenas de militares presos em Custóias, completamente incomunicáveis, não podem falar com ninguém, não há advogado, não há nada. Estão a ser submetidos a interrogatórios. O relatório oficial do 25 de Novembro é feito por uma organização que tem acesso a estes prisioneiros sem qualquer tipo de advogado presente e que os submete a constantes interrogatórios. Militares que passam fome, militares de Abril, a quem nós de facto devemos a nossa liberdade, são privados da liberdade, sujeitos a condições humilhantes, degradantes.

Também há o mito de que o 25 de Novembro veio acabar com a violência.

As redes bombistas de extrema direita continuaram ativas, sim. E só não continuaram mais ativas porque a Polícia Judiciária do Porto, muitas vezes em clara e manifesta oposição ao governador da região militar do norte e às autoridades civis e militares, investigou e, à altura, prendeu uma série de operacionais, e quando o fez, esses operacionais do MDLP, do ELP, bombistas, assassinos, terroristas, colocaram bombas em vários sítios, colocaram bombas à porta do Centro de Trabalho Vitória, colocaram bombas na Embaixada de Cuba, provocando, aliás, duas mortes. Em casa de um operário sindicalista, ali no norte, onde morreu a sua mulher, o atentado aconteceu a mando de um industrial. Essa rede bombista atua com total impunidade, ao longo da segunda metade de 75 e de boa parte de 76, grosso modo até o outono de 76.

Houve envolvimento estrangeiro no 25 de Novembro?

Aparentemente não. Houve uma promessa dos britânicos, isso Mário Soares confirmou, de que o primeiro-ministro James Callaghan prometeu apoio tanto de informações através do MI5 como gasolina, armamento, munições, dinheiro. Houve, claro, bastante dinheiro a circular, seguramente, através dos sindicatos controlados pela CIA, das fundações da social-democracia alemã, e algum desse dinheiro deve ter chegado também a militares. Sabemos que Carlucci [embaixador norte-americano] estava muito bem informado. Há uma série de documentos, telegramas enviados pela Embaixada para o Departamento de Estado, alguns dos quais estão compilados num volume publicado, mas nem tudo lá foi parar. Logo no início de setembro, mandou um telegrama para Washington a dizer que o Grupo dos Nove estava a preparar um golpe militar: caso não ganhem em Tancos, vão avançar militarmente a partir do norte. O que sabemos é que, de facto, Carlucci estava muito bem informado. Há 34 telegramas enviados por Carlucci entre 25 e 26 de Novembro, todos chamados Situation Report, todos intitulados Paratrooper Mutiny. Ele nunca se refere ao que acontece como um golpe. Nunca. E está sempre a sublinhar que o PCP parece não estar envolvido. Aparentemente, são só os paraquedistas. Depois começa a dizer que, de facto, as outras unidades estão mobilizadas, mas não os vê sair. Portanto, não parece haver um assalto ao poder, não parece haver um golpe.

Fonte: 

Alcino Nunes

sábado, 4 de outubro de 2025

🌹 A História da Liberdade em Portugal depois do 25 de Abril de 1974

 

🌹 A História da Liberdade em Portugal depois do 25 de Abril de 1974

🕊️ 1. O Fim da Ditadura

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, os militares do Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubaram o regime ditatorial do Estado Novo, liderado por Marcelo Caetano (sucessor de Salazar).
Sem grandes confrontos, o povo saiu às ruas em apoio aos militares — e as flores cravadas nos canos das espingardas deram nome à Revolução dos Cravos.

Esse dia marcou o fim de quase 48 anos de censura, repressão e falta de liberdades em Portugal.


️ 2. A Revolução e a Transição para a Democracia (1974–1976)

Nos dois anos seguintes, o país viveu um período revolucionário intenso, conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Foi um tempo de mudanças profundas:

·      Libertação dos presos políticos;

·      Fim da censura e da polícia política (PIDE/DGS);

·      Legalização dos partidos políticos e sindicatos;

·      Nacionalizações de bancos e grandes empresas;

·      Reforma agrária em algumas regiões do país.

O país debatia o seu futuro: alguns queriam uma democracia pluralista ao estilo europeu; outros sonhavam com um sistema socialista.


🗳️ 3. A Constituição de 1976 e o Nascimento da Democracia

Em 1976, foi aprovada a nova Constituição da República Portuguesa, que consagrou:

·      A liberdade de expressão, de reunião e de associação;

·      O sufrágio universal (todos podem votar, homens e mulheres);

·      Um Estado de Direito democrático;

·      A garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

Nesse mesmo ano realizaram-se as primeiras eleições livres para o Parlamento e foi eleito o primeiro governo constitucional.


🕊️ 4. As Liberdades Conquistadas

Depois de séculos de censura e medo, os portugueses puderam finalmente:

·      Falar livremente, sem medo de perseguição;

·      Criar jornais, rádios e associações independentes;

·      Formar partidos e participar na vida política;

·      Manifestar-se e lutar pelos seus direitos;

·      Escolher os seus representantes em eleições livres.

Essas liberdades tornaram-se parte essencial da identidade nacional.


5. Portugal na Europa e a Consolidação Democrática

Nos anos seguintes, Portugal consolidou a sua democracia:

·      1982: fim definitivo da influência militar na política (extinção do Conselho da Revolução);

·      1986: entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), hoje União Europeia, símbolo da integração na Europa democrática;

·      Décadas de 1990 e 2000: fortalecimento das instituições, liberdade de imprensa e crescimento económico.


🌍 6. A Liberdade Hoje

Desde 1974, Portugal vive mais de 50 anos de democracia ininterrupta.
A liberdade conquistada continua a ser defendida nas urnas, nas ruas e nas escolas.
Hoje, Portugal é reconhecido como um dos países mais livres e democráticos do mundo, segundo índices internacionais.


💬 Conclusão

O 25 de Abril não foi apenas o fim de uma ditadura — foi o renascimento da liberdade.
A partir desse dia, o povo português tornou-se dono do seu destino.
E a mensagem continua viva, ano após ano:

“O povo é quem mais ordena.”

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Candidaturas ao E-Lar arrancam hoje: saiba como conseguir apoios até 1683 euros para eletrodomésticos

 De acordo com a informação disponível no site do Fundo Ambiental, o formulário destinado à submissão de candidaturas ao novo programa E-Lar estará disponível a partir das 11h desta terça-feira, 30 de setembro. Já é conhecida a lista de lojas aderentes, em todo o país, que inclui grandes cadeias como a Worten, Leroy Merlin, Rádio Popular, El Corte Inglés, Euronics, entre outras lojas de proximidade.

“Adverte-se que o processo de validação dos candidatos poderá requerer algumas horas, em função do número de acessos e candidaturas submetidas. Assinala-se igualmente que um volume elevado de acessos poderá provocar alguma lentidão no sistema”, avisa desde já a plataforma do Fundo Ambiental.


Quem pode receber os apoios?



O programa E-Lar foi inicialmente pensado apenas para famílias carenciadas (beneficiários da tarifa social de eletricidade ou de outros apoios sociais), mas o Governo decidiu entretanto que o E-Lar é para todos, sem exceções. No entanto, o programa continua focado nos agregados mais vulneráveis, com cheques de valor superior nestes casos. Os eletrodomésticos abrangidos são apenas três: fogões, fornos e esquentadores a gás, que deverão ser trocados por versões a eletricidade, tais como placas de indução ou termoacumuladores. Por outro lado, frigoríficos, máquinas de lavar roupa e louça ou bombas de calor não estão incluídos. No caso de ter equipamentos elétricos antigos e querer trocar por outros mais modernos, também não tem direito a apoio.


Fornecedores

Para registar uma conta de fornecedor para o E-Lar por favor aceda ao menu Fornecedores > Registo de Conta de fornecedor.

Após o registo da sua conta faça login na área reservada e aceda novamente ao menu Fornecedores Iniciar candidatura para submeter os seus dados para análise no âmbito do E-Lar

Se não conseguir visualizar os menus de candidatura certifique-se de que o seu nome de utilizador está presente no menu no topo da página.


Candidatos

Caso já tenha uma conta de acesso à Área Reservada do Fundo Ambiental poderá fazer login no menu acima com as seguintes notas:

  • Contas de utilizador registadas para os Avisos Programa de Apoio a Edifícios + Sustentáveis ou Vales Eficiência não funcionam neste aviso e terá de criar um novo registo no menu lateral em: Candidatos > Registe-se aqui;

    • Se, ao tentar criar uma nova conta, a plataforma indicar que seu NIF já se encontra registado, por favor tente fazer recuperação da sua senha utilizando o seu NIF e email ou NIF e nome de utilizador no menu lateral em: Candidatos > Recuperar password. 
      Deverá receber um email que indica o seu nome de utilizador com um link para definir uma nova senha de acesso;

    • Na eventualidade de já não ter acesso ao email com que se terá registado por favor contacte o Fundo Ambiental para atualização do email associado à sua conta.

  • A conta de qualquer outro aviso, ou registada no E-Lar, dar-lhe-á acesso aos menus de iniciar candidatura presentes no menu Candidatos à esquerda;

Se não conseguir visualizar os menus de candidatura certifique-se de que o seu nome de utilizador está presente no menu no topo da página.

Os menus de candidato só estarão disponíveis a partir das 11h00 do dia 30 de setembro de 2025


O Fundo Ambiental informa que as notificações enviadas via plataforma, podem, dependendo da ferramenta de gestão de e-mail do candidato, ser colocadas na pasta de Spam


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A vitória da esquerda contra a esquerda que a direita celebra: o que foi o 25 de Novembro

 

PS recusa integrar comissão dos 50 anos do 25 de Novembro e terá programa próprio

Todo o processo que culminou no 25 de Novembro foi construído por Mário Soares, o PS e a ala militar moderada do Grupo dos Nove. Sá Carneiro e Freitas do Amaral tiveram papéis secundários. Não estavam no país e recusaram a luta armada.

Manhã de 25 de Novembro de 1975. Francisco Sá Carneiro aterra em Bona, capital da República Federal da Alemanha, para visitar o Presidente Helmut Schmidt e o chanceler Willy Brandt, numa tentativa de competir com Mário Soares no mundo da social-democracia europeia. Ao fim da tarde, o líder do PPD é surpreendido com as notícias da televisão alemã, onde aparece o chefe dos comandos, Jaime Neves, em cima de uma chaimite do Exército português. Embora vá recebendo informações da embaixada portuguesa em Bona, transmitidas via telegrama e telex, a comitiva não se apercebe logo da gravidade dos acontecimentos, conta Maria João Avillez no livro “Solidão e Poder”.

Iniciara-se o esperado golpe revolucionário em Portugal: pelas 5h30 da manhã, Jaime Serra, membro do Comité Central do PCP, deu ordem para avançar ao major Luís Pessoa, chefe de gabinete do comandante Almada Contreiras, do Serviço Diretor e de Coordenação da Informação das Forças Armadas. De imediato, Pessoa transmite a senha a um sargento dos paraquedistas, que por sua vez dá início às movimentações — uma informação desconhecida durante 48 anos e revelada no ano passado por Vasco Lourenço ao Expresso, que possui um testemunho do major a narrar os factos. De madrugada, os páras tomam várias bases e prendem os respetivos comandantes. Perante as movimentações, aciona-se o contragolpe que os militares moderados do Grupo dos Nove tinham planeado, chefiado pelo tenente-coronel Ramalho Eanes, sob tutela de Vasco Lourenço, gradua­do em brigadeiro, em ligação com o Presidente da República, o general Costa Gomes. Mesmo com uma crise aguda em Lisboa, Sá Carneiro decide ficar na Alemanha. Só regressa no dia 28, ao Porto, à boleia de um caça militar de três lugares, disponibilizado pelo ministro da Defesa alemão Georg Leber, uma vez que os aeroportos portugueses estavam fechados devido ao estado de sítio.

Diogo Freitas do Amaral, líder do CDS, passa o dia decisivo em trânsito para Roma, onde participa no Congresso da União Mundial das Democracias Cristãs. A caminho do aeroporto, ouve que o moderado Vasco Lourenço vai substituir o esquerdista radical Otelo Saraiva de Carvalho no comando da Região Militar de Lisboa. As notícias soam-lhe bem. Os revolucionários parecem perder força. Mas quando chega ao hotel na capital italiana, virou tudo do avesso. Um empregado da receção passa-lhe uma mensagem: “Favor telefonar com urgência para Lisboa. Está em curso um golpe militar iniciado pelos paraquedistas de Tancos e apoiado pela FUR [Frente de Unidade Revolucionária, uma união entre o PCP e os partidos da extrema-esquerda].” Freitas do Amaral só regressa a Lisboa a 29 de novembro, quando a situação já está resolvida.

Mário Soares, secretário-geral do PS, acompanha tudo de perto. Decide manter-se em Lisboa ao longo do dia 25, até que as coisas fiquem mais claras. No Estoril, em casa de Victor Cunha Rego, vê a declaração revolucionária do militar esquerdista Duran Clemente ser cortada na RTP — tomada pelos revoltosos — e substituída por uma comédia. Só viaja para o Porto à noite — não venha a dar-se uma reviravolta, porque nestas coisas nunca se sabe —, onde chega perto da uma da manhã. Segue para o Quartel-General da Região Militar Norte, onde estão os generais Pires Veloso e Lemos Ferreira a acompanhar as operações e dispondo dos aviões da Força Aérea concentrados em Cortegaça, concelho de Ovar. No dia 26, com o RALIS afeto à extrema-esquerda neutralizado, os comandos de Jaime Neves subjugam o Regimento de Lanceiros da Polícia Militar, a única unidade cujo comandante, Mário Tomé (futuro dirigente da UDP), não cumpre a ordem de se apresentar em Belém. Morrem três homens. Mas teria havido mais sangue se Neves não tivesse mão nos seus soldados.

Antes disso, pelas cinco da tarde do dia 25, Jaime Serra, do PCP, já tinha dado ordem ao major Pessoa para os paraquedistas recuarem. Há tropas que choram. Aparentemente, não havia um plano articulado nem unidade de comando. Otelo não está no COPCON e Varela Gomes, próximo do PCP, não se consegue fazer obedecer. Os fuzileiros, a única força credível sob influência do PCP, nunca chegam a sair do Alfeite. Os civis comunistas, mobilizados aos milhares, vêm abortados os ímpetos de insurreição e são instruídos a regressar aos Centros de Trabalho. Frustradíssima, Zita Seabra manda para casa os estudantes comunistas que liderava e que mantinha em estado de alerta. Ao fim de oito meses acaba-se o Processo Revolucionário em Curso (PREC). Portugal pode prosseguir o seu caminho para se tornar numa democracia ocidental.

Soares, o inimigo número um do PCP

No início dos anos 80, além de Amália e de Eusébio, Mário Soares era dos raros portugueses mais ou menos famosos no mundo, mas ser reconhecido por um turista polaco em pleno Egito, quando fazia um cruzeiro no rio Nilo, era surpreendente. Durante esse passeio de barco, um homem aborda-o em francês, abraça-o “comovido” e diz-lhe que ele é “um herói” para muitos polacos, contou Mário Soares no livro de entrevistas a Maria João Avillez. O turista explicou-lhe: “A televisão polaca todos os dias o apresenta como o inimigo por excelência da revolução e entoa loas a Cunhal. Percebemos que você é contra o sistema comunista e que o evitou em Portugal. Por isso o admiramos...”

Os pressupostos da anedota de Soares, contada com a sua dose de conhecido narcisismo, seriam confirmados pelo seu maior rival, Álvaro Cunhal: “O PS apontava o PCP não só como o principal inimigo do PS mas inimigo da liberdade, da democracia, do povo, do país”, constatou o líder comunista histórico no seu livro “A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril”, escrito no final dos anos 90, onde contraria a narrativa dominante sobre o 25 de Novembro. A par de um PPD que considera aliado da extrema-direita, para Cunhal “o PS tornou-se abertamente o campeão da desestabilização, do anticomunismo e do confronto”.

Para o comunista, o seu antigo aluno no Colégio Moderno encarnava “a contrarrevolução”, era o menchevique que lutava para ganhar pela primeira vez aos bolcheviques, como descreveu na sua autobiografia “Foi Assim” a antiga dirigente comunista Zita Seabra, ex-PSD e hoje próxima da Iniciativa Liberal: “Álvaro Cunhal, e nós com ele, tinha um sentimento de ódio profundo para com Mário Soares, mais do que para com qualquer político de direita. Ele fez frente ao PCP com todos os meios ao seu alcance: aliando-se aos militares mais democratas e retirando-os da nossa influência, batendo-se sempre por eleições livres, fazendo o povo sair à rua quando era necessário e aliando todas as forças políticas à sua direita, civis e militares, colocando-os todos na rua contra nós.”

Mais do que todos os outros protagonistas políticos do pós-25 de Abril, Mário Soares e os militares moderados do Grupo dos Nove constituíram os pilares da “muralha de aço” contra o “companheiro Vasco” e a tentativa de sovietizar o país. Ao mesmo tempo que derrotaram a esquerda revolucionária, também ajudaram a evitar que a “direita musculada” ou a extrema-direita vingassem com uma “pinochetada”, como se dizia então.

Agora, passados 49 anos sobre o Verão Quente, os partidos de direita, sob proposta do CDS e da Iniciativa Liberal, conseguiram elevar a evocação do contragolpe de 25 de Novembro a evento solene no Parlamento, equivalente às comemorações do 25 de Abril, com sessão anual e a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa — que viveu e analisou intensamente os mesmos acontecimentos no Expresso e em livros. O Governo prometeu uma comissão para as comemorações dos 50 anos em 2025, e o CDS, o PSD, o Chega e a Iniciativa Liberal fazem questão de celebrar a vitória das forças democráticas sobre o bolchevismo, quando a ação política foi sobretudo liderada pelo PS e em cujo processo os seus chefes — Emídio Guerreiro e Sá Carneiro no PPD e Freitas do Amaral no CDS – desempenharam papéis relativamente secundários.

O PS votou contra a cerimónia, mas participa nas comemorações. O Bloco de Esquerda e o PCP não tinham confirmado a participação até ao fecho da Revista E. A Associação 25 de Abril, liderada por Vasco Lourenço — que teve um papel determinante em todos estes acontecimentos —, pôs-se de fora da cerimónia, alegando que “a História é a História” e “não pode ser deturpada ao sabor da vontade de qualquer conjuntural detentor do poder”.

No projeto de deliberação a defender a sessão, uma velha ambição do CDS, Paulo Núncio, líder parlamentar democrata-cristão, escreveu que “ocuparam um lugar de destaque, nesta data, o general Ramalho Eanes e Jaime Neves, cuja coragem e determinação foram decisivas para travar o processo revolucionário, e os líderes de então do PS, PSD e CDS, pelo seu compromisso inquebrantável com os valores da liberdade e da democracia”. A Iniciativa Liberal apresentou um texto mais elaborado, que dá de facto mais relevo a Mário Soares na vitória contra o PCP e também sublinha que foi igualmente evitado um golpe de extrema-direita. Todo este processo foi complexo do ponto de vista político e militar e não é fácil simplificá-lo.

Sá Carneiro descrente e ausente

Sá Carneiro estava doente e deprimido a 11 de Março de 1975, quando a revolução deu um enorme salto à esquerda com a derrota do golpe de direita do general António de Spínola e o desencadear do PREC. Pela primeira vez na sua vida, o líder do PPD terá almoçado de roupão, como descreve Miguel Pinheiro na biografia de Francisco Sá Carneiro: “Sentia-se completamente derrotado e achava que tinha ficado sem saída.” Repetia a toda a gente: “Estamos entregues aos comunas.” Não escondia que pensava fugir para o Brasil. Fora de jogo por doença, a necessitar de uma intervenção cirúrgica desde o início de 1975, Sá Carneiro reagiu tarde contra a unicidade sindical, que se transformou numa luta dos socialistas; não estava em Portugal no decisivo comício da Alameda convocado por Mário Soares, que mudou a perceção sobre a correlação de forças em relação aos comunistas; acompanhou o PREC à distância entre Londres e o Sul de Espanha; e só regressou à liderança do PPD no fim de setembro, quando recuperou de uma longa convalescença.

Do outro lado, Mário Soares desdobrava-se numa ação política intensa, movido por um otimismo eventualmente inconsciente: “Nunca me convenci de que o PS poderia perder. De vez em quando, a Maria de Jesus dizia-me que ainda voltaríamos ao exílio. Por brincadeira, respondia-lhe que só à força, sem, contudo, nunca ter acreditado nessa hipótese!”, disse a Maria João Avillez.

Durante os meses em que Sá Carneiro esteve fora do país, a liderança do PPD foi assumida pelo velho resistente antifascista Emídio Guerreiro de forma equívoca. O primeiro encontro que marcou foi com Álvaro Cunhal, não tivesse Marcelo Rebelo de Sousa e Sottomayor Cardia, do PS, arranjado uma reunião à pressa com Mário Soares para o sinal político não ser mal interpretado; Pedro Roseta, o ideólogo do partido, andou a explicar às bases que o líder não era leninista só por admirar a figura histórica de Lenine; e o PPD manteve-se no IV Governo Provisório ao lado do PCP, quando o PS já saíra em rutura depois do caso “República”, quando o jornal foi tomado por comunistas.

Apesar de tudo, quando saiu o Documento dos Nove, a 7 de agosto, Emídio Guerreiro aderiu ao texto do major Melo Antunes, intelectual e líder político da ala moderada do Conselho da Revolução, que respondia a outro manifesto da extrema-esquerda do COPCON, comandado por Otelo, no sentido da radicalização revolucionária. Foi um momento decisivo. Os moderados marcaram posição face aos “gonçalvistas” do PCP — Vasco Gonçalves era o primeiro-ministro da revolução — e aos “copconistas” de Otelo, que naqueles meses mencionara a possibilidade de fuzilar a reação no Campo Pequeno. Com a sua intuição, Mário Soares aderiu de imediato ao manifesto, mesmo sem concordar com a “terminologia intragável” de “marxismo de cartilha” do texto dos Nove. O socialista era pragmático: “Simplesmente, foi-nos útil naquela altura. Era preciso dividir um MFA seguidista do PCP e, para isso, o PS aliou-se com quem combatia os nossos adversários”, afirmou a Avillez.

Sá Carneiro não. O fundador do PPD não possuía o mesmo espírito tático e rejeitava o Documento dos Nove, sem perceber a importância que os autores iam ter na derrota do processo revolucionário. “Queria manter-se afastado de todos os militares, sem exceção”, escreve Miguel Pinheiro. Soares, pelo contrário, cultivava essa proximidade e começou a almoçar regularmente no restaurante O Chocalho, em Santos, com membros dos Nove. Para Sá Carneiro, “a ação dos partidos não devia estar dependente de movimentações dos militares, fossem eles mais ou menos democratas. Se o poder civil aceitasse uma subordinação ao MFA, seria apenas o começo de uma ‘nova ditadura’”.

Quando regressou a Portugal, em setembro de 1975, Sá Carneiro teve um primeiro encontro com Mário Soares numa casa vazia no bairro da Estrela, em Lisboa. Ouviu o socialista falar das dificuldades da luta contra o PCP, mas nem chegou a sentar-se. Acusou Soares de cumplicidade: “Em parte, a culpa do que ocorreu foi sua. Contemporizou até demasiado tarde com os comunistas e com a revolução!” Estiveram apenas 11 minutos reunidos.

O líder do PPD, escreve o seu biógrafo, “sabia que, na sua ausência, depois do 11 de Março e durante o Verão Quente, o PS tinha-se tornado no símbolo da luta pela democracia”. Tentou que isso mudasse, mas apenas o conseguiu verdadeiramente no Norte, onde o PPD organizou grandes manifestações no Porto, tendo numa delas havido mesmo acontecimentos trágicos, com mais de 70 feridos em confrontos com a esquerda revolucionária. O CDS, por sua vez, logrou encher o Estádio das Antas, meses depois de ter sofrido o cerco ao congresso que em janeiro de 1975 realizara no Palácio de Cristal.

PS arma milícias. PPD e CDS recusam as G-3

O país estava cada vez mais dividido. No Sul, o PCP e a extrema-esquerda dominavam a cintura industrial de Lisboa, o Alentejo e o Ribatejo, onde avançavam as ocupações selvagens de propriedades e empresas. No Norte, a Igreja Católica assumia uma oposição feroz ao PCP, com declinações para a extrema-direita no cónego Melo, de Braga, que patrocinava o terrorismo de movimentos como o Maria da Fonte, com ligações ao ELP (Exército de Libertação de Portugal, onde pontuavam ex-pides), e o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal, liderado por Spínola, que operava a partir de Espanha), que punham bombas em alvos selecionados e incendiavam, assaltavam e destruíam dezenas de sedes do Partido Comunista e do MDP/CDE.

Com o poder na rua e indisciplina nas Forças Armadas, uma psicose golpista assola o país. Ia haver um golpe, só não se sabia quando nem de quem seria a iniciativa: se dos esquerdistas, se dos comunistas, se da extrema-direita, se dos moderados. O Presidente da República, Costa Gomes, ia fazendo saber que avançaria com a máxima força contra os primeiros a abrir as hostilidades. A partir do verão, o Grupo dos Nove constitui o Grupo Militar, chefiado por Ramalho Eanes, sob comando de Vasco Lourenço, para ter um plano de operações que anulasse qualquer tentativa de putsh ou insurreição armada.

Outro momento alto, a 6 de novembro, foram as quatro horas de debate de Soares contra Cunhal na RTP, em que o “olhe que não” do líder comunista se disseminou como forma de defesa, sem conseguir justificar “as mais amplas liberdades” perante o socialista, que defende a democracia pluralista de liberdade total. Na sede do PPD exulta-se com a prestação do líder do PS. “Soares ganha, na mesma noite, a legitimação definitiva da liderança da área à direita do PCP e a vitória inequívoca nas eleições legislativas de cinco meses depois”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa no livro “A Revolução e o Nascimento do PPD”.

Contavam-se espingardas e lealdades, enquanto circulavam armas para civis numa época em que centenas de milhares de jovens tinham regressado da Guerra Colonial. Jaime Neves, chefe dos comandos, dispunha, além da sua tropa, dos chamados “convocados”, ex-comandos desmobilizados que tinham feito a guerra em África, chamados de todo o país para combater os comunistas. O PCP e a extrema-esquerda dispunham de milhares de G-3, roubadas do paiol de Beirolas. Quando foi questionado sobre o desaparecimento do armamento, Otelo respondeu: “Estão em boas mãos!”

No arco contrarrevolucionário, o PS foi o único partido a armar-se. Manuel Alegre, chefe da segurança do PS, admitirá que o partido começou “a constituir milícias”, num trabalho de colaboração com Ramalho Eanes. “Eram umas quinhentas pessoas na cintura de Lisboa. As armas receberam-nas depois”, revelou ao “Público” numa entrevista em 2000. Estes civis terão recebido enquadramento militar “em Santarém, na Amadora e junto a outras unidades”. Edmundo Pedro, resistente antifascista histórico, responsável pela ala paramilitar do PS, recolhe 150 espingardas G-3 de um oficial próximo de Ramalho Eanes (e será mais tarde preso por isso). “Na manhã de 25 de Novembro, militantes do PS, coordenados por Edmundo Pedro, estavam armados nos seus postos”, assumiu Manuel Alegre no seu último livro, “Memórias Minhas”, lançado este ano.

Quando regressou da sua longa ausência por doença durante o PREC, Sá Carneiro culpou Soares de ter sido condescendente com o PCP

Nunca se saberá o que seria uma guerra civil nestas circunstâncias, mas toda a gente estava à espera de uma faísca que desencadeasse a ignição. Uma semana antes do 25 de Novembro, o primeiro-ministro britânico James Callaghan enviou um oficial do Intelligence Service para falar com Mário Soares. Em caso de divisão Norte-Sul, o Reino Unido faria chegar armas ao Porto, combustível e aviões.

Ao contrário dos socialistas, que estão dispostos a tudo, Sá Carneiro e Freitas do Amaral recusam a luta armada. Durante o consulado de Emídio Guerreiro — que disse estar disposto a “armar 50 mil homens para defender a liberdade” —, o PPD tinha cria­do uma célula liderada pelo advogado Júlio Castro Caldas (ministro da Defesa do PS em 1999-2000), que mantém contactos com milícias por todo o país. Mas, quando regressa à liderança, Sá Carneiro manda cancelar os planos e diz que “um partido político não pode envolver-se de modo algum na constituição de milícias ou grupos armados”, ou “deixa de ser partido e de ser democrático”, lê-se na sua biografia. Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa admitirá que passaram armas pela garagem da sua casa, em Cascais: eram do seu vizinho e amigo, o socialista e médico Germano de Sousa.

No Largo do Caldas, Diogo Freitas do Amaral é abordado pelo deputado do CDS Walter Cudell, que também lhe fala em armar os militantes. “Não aceito receber uma única arma, seja de quem for”, responde-lhe. “No nosso conceito de democracia não cabe a luta armada; se um dia lá chegarmos, os militares é que têm de a assumir, não nós”, conta nas suas memórias. Além disso, teme que o CDS seja ilegalizado no caso de ser apanhado, mas reconhece que o sector mais à direita do partido o critica pela “fraqueza” e pela “moleza”.

Outro risco estava ainda mais à direita. Alpoim Calvão, que na guerra comandou a operação secreta Mar Verde contra a Guiné Conacri, era o chefe militar do MDLP, que operava a partir de Espanha às ordens do general Spínola. O movimento estava a armar-se para constituir um “exército de reserva” para entrar no país em caso de necessidade, segundo fontes do núcleo político do MDLP, ou para avançar com um golpe para travar o PREC, segundo o próprio Al­poim. Poucos dias depois do 25 de Novembro, o movimento receberá 26 toneladas de armas, provenientes de Angola: 1230 espingardas, a maioria Mauser, e 340 mil munições, transportadas para Tuy, na fronteira galega. O resto é entregue a núcleos do MDLP junto à fronteira, na Andaluzia e na Extremadura, revelou Alpoim ao “Público” há 25 anos. Na mesma série de entrevistas ao jornal, o cónego Melo dirá que a extrema-direita chegou a ter um golpe previsto para 30 de novembro. Nunca aconteceu.

Soares convoca Sá Carneiro e Freitas do Amaral para o Porto

O clímax revolucionário, a prever o golpe comunista, foi o cerco à Assembleia Constituinte, a 12 de novembro, por 100 mil operários da construção civil afetos ao PCP e à extrema-esquerda, que mantiveram os deputados reféns por 36 horas, deixando igualmente sequestrado o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo.

No dia seguinte, Mário Soares — que escapou in extremis de ficar retido — recebe a informação de que um golpe está iminente e a guerra civil por um fio: o PCP estaria a preparar-se para criar a “Comuna de Lisboa”. Com sentido de urgência, mais uma vez é ele que arrasta os outros líderes. Mete-se num carro e vai à sede do PPD: “O Dr. Sá Carneiro? Onde está o Dr. Sá Carneiro?” Mas o líder do PPD não estava. “Digam-lhe que saia imediatamente de Lisboa, porque vai haver um golpe da esquerda revolucionária para tomar conta do poder. Não há condições de segurança, portanto ele deve sair da cidade. Eu próprio também vou sair”, conta Miguel Pinheiro na biografia do fundador do PPD.

A seguir, telefona a Diogo Freitas do Amaral, líder do CDS: “Olhe: venho falar-lhe de um assunto grave, bastante grave mesmo. Nós temos informações, que reputamos fidedignas, segundo as quais o PCP e a extrema-esquerda vão tentar dar o golpe que se espera muito em breve, num dos próximos dias. Pensa-se que eles tentarão fazer a Comuna de Lisboa e encurralar cá dentro toda a gente.” Era quinta-feira. Freitas pergunta-lhe então se deve sair antes do fim de semana. O líder do CDS não percebe a pressa. “Antes do fim de semana não, senhor professor. Tem de partir antes do jantar. Hoje mesmo!” Apesar das “divergências”, Soares tornou-se por este gesto “num amigo especial”, reconheceria Freitas no primeiro volume da sua autobiografia.

Os três chefes viajam para o Porto. A maioria dos deputados também se desloca para o Norte, e até o Banco de Portugal translada o ouro, as notas e as reservas. Durante vários dias, a Constituinte não tem quórum para funcionar, mas o Parlamento nunca se chega a reunir no Palácio da Bolsa do Porto, como estava previsto em caso de crise. O golpe que pre­viam para 16 de novembro não aconteceu. Foi preciso esperar nove dias.

A guerra das narrativas

Os fatores que desaguam no 25 de Novembro são muitos, mas é uma conjugação anárquica de acontecimentos e provocações a levar ao desfecho que, passados quase 50 anos, cada lado da barricada interpreta à sua maneira.

São criados os SUV — Soldados Unidos Venceremos! — para dar consciência de classe aos militares, que organizam manifestações e dão conferências de imprensa encapuzados. Numa assembleia decisiva do MFA em Tancos, Vasco Gonçalves é impedido de acumular a chefia do Governo com o cargo de chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e sai do Governo para dar lugar ao almirante Pinheiro de Azevedo, alinhado com as forças moderadas. Há o cerco à Constituinte e a greve do Governo, combinada pelos Nove com Soares num almoço no Chocalho. No RALIS, o chefe do Exército, Carlos Fabião, assiste a um juramento de bandeira revolucionário. Os transmissores da Renascença, ocupada pelo PCP, são destruídos. E a gota de água: o chefe do Estado-Maior da Força Aérea, o general Morais e Silva, decapita os paraquedistas de 123 oficiais e prepara-se para dissolver aquela força especial, que fica nas mãos de sargentos afetos aos comunistas.

Do lado socialista, Manuel Alegre continua a contrariar a narrativa dos partidos de direita: “É tempo de dizer que o 25 de Novembro não é uma vitória da direita sobre a esquerda. É uma vitória da esquerda abrilista e democrática, militar e civil, sobre a deriva radical e sectária do gonçalvismo. O 25 de Novembro repôs o espírito e o programa do 25 de Abril, impedindo soluções revanchistas de direita”, escreve em “Memórias Minhas”.

Embora o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto entenda que o PS perdeu para a direita “o controlo” da narrativa sobre o 25 de Novembro, por causa “da relação equívoca que tinha com o PCP e o Bloco durante a ‘geringonça’”, não é essa a posição oficial do partido. O próprio Mário Soares, como Presidente da República, acabou com uma cerimónia militar anual que se realizava no RALIS, para concentrar todas as celebrações da democracia no 25 de Abril. Pedro Delgado Alves, que faz parte do grupo de trabalho parlamentar para as comemorações, atira a responsabilidade para o outro lado da trincheira: “A direita não quer comemorar o evento, mas sim uma narrativa sua sobre o evento.” Para o deputado socialista, querem “transformar a cerimónia numa coisa equivalente ao 25 de Abril, quando não é”. E justifica: “Abraçamos o papel incontornável que o PS teve nessa data e vamos estar na cerimónia para repor a verdade.”

Seguindo uma linha antiga do seu partido, Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS, diz ao Expresso que “comemorar o 25 de Novembro é uma questão de memória histórica e de sentido de gratidão” pelos “princípios universais da liberdade, democracia e pluralismo político”, que “estiveram sob ataque durante o PREC”, porque “Abril não está completo sem Novembro”. Mesmo realçando “a coragem e a determinação” de Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, Núncio reconhece que “o PS possuía uma liberdade de atuação que o PSD e o CDS não tinham”.

Para Vasco Lourenço, a grande vencedora de todo este processo “é a Constituição”, que será aprovada no ano seguinte e que institucionaliza o regime democrático, “contra a qual o CDS votou”, recorda. “A única força que vota contra a Constituição está a apelar à celebração do 25 de Novembro”, ironiza.

O PCP respondeu ao Expresso que a posição do partido é conhecida. Na verdade, apesar de a direita querer festejar solenemente a sua derrota, Álvaro Cunhal considera que os comunistas também fazem parte dos vencedores: “A verdade é que, no 25 de Novembro, Soares, de companhia com a extrema-direita, sofreu séria derrota política. Nem a liquidação militar da ‘Comuna de Lisboa’, nem guerra civil, nem ilegalização e repressão do PCP” — cuja continuação foi blindada com uma declaração de Melo Antunes à RTP no dia 26. No seu livro de 1999, o ex-líder comunista reclama três vitórias: a salvaguarda das liberdades e da democracia; a formação de um novo Governo, em que continuou o PCP (contra a posição do PPD); e a aprovação da Constituição de 1976. E nunca abandona a tese de que o 25 de Novembro foi um golpe dos Nove e não um contragolpe para responder ao avanço da esquerda revolucionária.

Curiosamente, Diogo Pacheco de Amorim, deputado do Chega e vice-presidente da Assembleia da República, que fez parte do MDLP, concorda com Cunhal: “A vitória do PCP foi total na minha opinião, porque atingiu os objetivos que tinha.” Com a “impossibilidade absoluta de tomar o poder em Portugal, o PCP tinha instruções claras da União Soviética, que o que queria era Angola”, que teve a sua independência a 11 de novembro. Para o homem tido como ideó­logo do Chega, o 25 de Novembro institucionalizou o Bloco Central e permitiu outra vitória do PCP, com os partidos mais à direita já ilegalizados: a aprovação da Constituição de 1976, só revista em 1982, a institucionalizar um regime tendencialmente de esquerda. Admitindo que “a direita radical, de facto, foi uma das derrotadas no 25 Novembro”, Pacheco de Amorim também diz que “o PCP manteve um poder desproporcional” e que não defendia a sua ilegalização, embora essa posição não fosse unânime no MDLP. No entanto, acha que “faz sentido comemorar” a data: “Imagine que o poder tinha caído para a extrema-esquerda a 25 de Novembro...”

Ao contrário da Associação 25 de Abril, o ex-Presidente Ramalho Eanes, que aceitou o convite para estar presente nas comemorações, também disse, no livro “Palavra Que Conta”, lançado há uma semana — uma longa entrevista à jornalista Fátima Campos Ferreira —, que “o esquecimento do 25 de Novembro não ajuda a democracia, porque a História não se apaga”. O operacional do contragolpe diz não perceber “que estigmatizem o 25 de Novembro, porque é a continuação do 25 de Abril”.

A direita vai festejar o esforço da esquerda para derrotar a esquerda mais à esquerda, mas a verdade é que revolução de Álvaro Cunhal deu um passo atrás naquele dia. E nunca mais deu dois em frente.

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